A adolescência tardia e o adulto na sala

*Por Fábio Lopes

Quem é macaco velho na UFSC sabe que, desde que aqui cheguei, apoiei candidaturas à Reitoria que expressassem uma posição mais à esquerda do espectro político. Isso começou no longínquo Ano da Graça de 1995, quando decidi votar na Profa. Nilceia Pellandré na disputa contra o Prof. Rodolfo.

Rompi com esse padrão de comportamento no último pleito. Dois motivos explicam minha inflexão. O primeiro, de caráter mais geral, diz respeito a uma reavaliação da minha visão de mundo, que hoje me faz abraçar ao menos certos temas caros aos conservadores. A segunda razão, de perfil mais específico, está ligada às pautas àquela altura dominantes na esquerda da UFSC, que me pareciam muito pouco afinadas com os dilemas do país e da universidade brasileira.

A participação inexpressiva do Prof. Irineu nos debates e a fixação da Profa. Joana nos temas identitários me deram a certeza de que eu havia feito a opção adequada. O último prego no caixão foi a escolha da equipe. Não havia como um time tão inexperiente e incompetente como aquele dar certo. Dois ou três bons quadros eram a exceção que confirmava a regra.

Guardei obsequioso silêncio nos primeiros meses da gestão. Mas logo ficou claro que rumávamos mesmo para o caos. Muito pouca coisa funcionava. Nada — rigorosamente nada – do que andava mal na administração Ubaldo fora corrigido, pelo contrário. Em certos casos, as coisas haviam piorado sensivelmente.

Como diretor do CCE, eu sentia o tempo todo na pele o impacto da inoperância. Minha rotina praticamente se resumia a matar no peito os problemas que a Reitoria não conseguia resolver.

A qualquer observador atento era evidente que, a fim de fazer a roda girar, cumpria mudar vários nomes e um bom número de práticas. Recomendei isso repetidamente ao reitor em reuniões fechadas. Tudo em vão, claro.

Foi então, e só então, que resolvi tornar públicas as minhas muitas ressalvas. E como nem isso adiantou, restou-me aumentar paulatinamente o tom das manifestações. Seja no Conselho Universitário, seja no site da Apufsc, fiz o que julguei meu dever: alertar as pessoas para o desastre que estava sendo preparado.

Não era só uma questão de inépcia. A reboque da completa incapacidade do reitor de colocar ordem na casa, procedimentos profundamente autoritários avançavam sobre as instâncias de decisão e fiscalização da universidade. Um assembleísmo de quinta categoria substituía a ordem legal e institucional. Um populismo barato tomava o lugar do debate sério.

Mercê de meu inconformismo, fui duramente combatido pelos defensores da Reitoria. Disseram que eu queria ser reitor, que eu tentava forçar o terceiro turno de uma eleição em que eu fora derrotado e até que eu era misógino e racista. A Santa Aliança fez o que pôde para me desqualificar e, ato contínuo, evitar minha reeleição à direção de Centro. Mission accomplished.

Eis, no entanto, que agora a gestão faz água de vez, na forma de um racha que implode o frágil acordo entre o Prof. Irineu e a Profa. Joana, duas pessoas que não poderiam ser mais diferentes tanto em personalidade quanto em orientação política. Os grupos apoiados por um e por outro culpam-se reciprocamente pelo fracasso a que assistimos e de que somos vítimas.

De minha parte, fico feliz com o fato de que esquerda organizada em torno da vice-reitora tenha finalmente tornado públicas as suas diferenças com o reitor. Não deve ter sido fácil conviver com a sua total ausência de ideias e sentido de autoridade, que o leva a ficar sempre à mercê de quem grita mais alto. Creio, de resto, que parcela importante dessa mesma esquerda tenha amadurecido e seja hoje capaz de ampliar seu leque de pautas, incluindo o que mais lhe faltou no último quadriênio, a saber, um compromisso mais claro com os valores acadêmicos.

Sentindo cheiro de sangue na água, bagrinhos metidos a tubarões têm tentado tirar vantagem dessa cizânia.

O cardume é esquisitíssimo. Esteve na oposição o tempo todo. Fez críticas continuadas ao reitor e foi por este maltratado de maneiras indizíveis. Não obstante, um belo dia acordou relativizando tudo isso e alegremente disposto a substituir a vice-reitora nas eleições do ano que vem. Ao mesmo tempo, por incrível que pareça, tenta se aproximar do grupo dela, com vistas a, se o plano A falhar, montar uma chapa de oposição ao reitor.

Os bagrinhos são uma curiosidade biológica: híbridos, mutantes, eles se adaptam a qualquer ambiente, desde que vislumbrem obter com isso um naco de pompa e poder.

Para todos efeitos, são conservadores. Só que, na hora H, quando o conservadorismo precisa cruzar águas bravias (como no episódio da mudança de nome do campus), saem de fininho da cena ou, o que é pior, mudam camaleonicamente de cor e se revelam prontos a fazer discursos simpáticos à esquerda.

Julgam-se espertos. Não percebem, contudo, que, em eventual acordo com o reitor, entrarão pelo mesmo cano que sugou a Profa. Joana. Ou talvez nem liguem para isso, como parecem tampouco ligar para o fato de todo mundo está vendo o jogo duplo que estão fazendo ao negociar com o reitor e com o grupo da vice simultaneamente.

Na sua arrogância e inconsequência adolescentes, acham que têm carta branca para fazerem o que lhes der na telha. .

Devo advertir-lhes, no entanto,que o adulto na sala – que até agora observava as peraltices em silêncio – se levantou da poltrona. E está com cara de que não está gostando nem um pouco dessa brincadeira.

*Fábio Lopes é professor do CCE/UFSC

Artigo recebido às 20h do dia 24 de setembro de 2025 e publicado às 11h48 do dia 25 de setembro de 2025