A UFSC precisa de uma frente ampla de oposição?

*Por Alex Degan e Tiago Kramer de Oliveira

Sim. Todas as pessoas comprometidas com o bom funcionamento da UFSC precisam construir uma frente política ampla, democrática e republicana. Mas o que entendemos por “frente ampla”? No cenário político contemporâneo, trata-se de uma coalizão capaz de reunir setores diversos — partidos, movimentos sociais, correntes com ideologias distintas — em torno de um objetivo maior, diante de uma ameaça que transcende disputas ordinárias.

Nesses arranjos, divergências programáticas são momentaneamente superadas em defesa de princípios fundamentais, como a democracia, a institucionalidade republicana e a proteção contra práticas consideradas lesivas ao interesse público.

Mutatis Mutandis, a UFSC vive hoje uma crise que ultrapassa a alternância natural de grupos e projetos. A universidade encontra-se profundamente desorganizada, sem direção estratégica e capturada por interesses paroquiais. Para quem acompanha de perto a deterioração dos espaços institucionais, a incapacidade administrativa em procedimentos cotidianos e o loteamento da máquina universitária por grupos comprometidos apenas com seus próprios interesses, a gravidade da situação é evidente.

A UFSC hoje é inábil em realizar uma série de serviços, mesmo com as Unidades de Ensino e Departamentos dispondo de recursos, pois a reitoria não conseguiu concluir licitações e celebrar contratos. Para encobrir sua incompetência, a administração central culpa o governo federal por todas as mazelas que vivemos. Ainda que o orçamento esteja aquém do necessário para manter a UFSC, a incompetência e ineficácia da atual gestão impacta profundamente no trabalho cotidiano dos professores, técnicos e estudantes. Hoje, a UFSC não consegue fazer o básico em termos de gestão. Nunca ficamos tanto tempo sem contratos para diversos serviços, como a manutenção de aparelhos de refrigeração e bebedouros, nem tanto tempo sem realizar concurso público docente. Nada disso tem a ver com o governo federal.

A fragilidade também se expressa na ausência de protagonismo da UFSC no cenário regional e nacional. Ainda que sejamos a quarta melhor universidade federal do país, nossa reitoria não possui liderança, nem apresenta projetos consistentes ou articulação política capaz de influenciar agendas estratégicas. A tímida presença da UFSC no PAC das Universidades é um exemplo eloquente. O Centro de Convivência poderia ter sido reformado em parceria com a Apufsc, mas disputas mesquinhas inviabilizaram o acordo. A condução errática do plano de saúde e das negociações sobre a nova sede sindical docente repete o mesmo padrão de indecisão. O campus central permanece mal iluminado, com estruturas deterioradas, e sua comunicação institucional, voltada apenas a blindar a gestão, está distante das Unidades de Ensino e da comunidade.

Mesmo assim, a reeleição da atual reitoria tornou-se viável por meio do loteamento de cargos e da tutela exercida pela gestão sobre parte da categoria dos técnicos, de docentes e do movimento estudantil. Derrotar a atual administração, portanto, não significa apenas alternar o poder, mas resgatar as bases éticas, administrativas, políticas e institucionais da Universidade. A incapacidade de gestão que se instalou nos fragiliza diante de setores das elites local, regional e nacional que desprezam o conhecimento e a universidade pública, emparedando a nossa comunidade de forma cruel.

Até o momento, as Unidades de Ensino, os Departamentos e as Coordenações de Cursos de Graduação e Pós-Graduação conseguiram, a duras penas, impedir que a onda de desorganização avançasse sobre a qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão que desenvolvemos. No entanto, estamos próximos do limite do que é possível suportar. Por isso, não é admissível mais quatro anos de clientelismo, improvisação e paralisia. É necessário unir todas as pessoas que acreditam na Universidade Federal de Santa Catarina, na democracia, nas instituições republicanas e na liberdade de cátedra. A UFSC precisa de uma reitoria com capacidade de liderança, responsabilidade administrativa e habilidade de articulação, capaz de dialogar com grupos diversos e afirmar a importância da instituição na Andifes, nos ministérios e nas esferas políticas. Uma frente política sábia, generosa e ampla, que coloque a UFSC acima de disputas menores.

A reunião da oposição é urgente — não apenas para enfrentar os desafios imediatos, mas também para impedir o avanço da extrema direita na universidade. O desastre administrativo da atual gestão não pode abrir caminho para forças que negam a ciência, questionam a universidade pública e flertam com soluções autoritárias. Por isso, o desafio será grande e exigirá responsabilidade, maturidade e alto grau de abertura. A construção dela vai desafiar a capacidade política dos setores progressistas de amplas filiações políticas. Nessa frente ampla não cabem os inimigos da universidade pública, defensores de golpes de Estado e de negacionistas da ciência. A universidade não pode ser levada a escolher entre a continuidade da incompetência e a ascensão de grupos reacionários: nesse cenário, mesmo derrotada, a extrema direita sairia fortalecida.

A próxima reitoria herdará uma universidade endividada, com estruturas deterioradas e institucionalidade desgastada. Lidar com esse legado exigirá experiência, sobriedade e ampla capacidade de diálogo com Brasília, com agências públicas de fomento e com o setor empresarial, sempre preservando o caráter público, gratuito e socialmente referenciado da UFSC. Sem diplomacia institucional qualificada não haverá recursos para pesquisa, permanência estudantil ou recuperação da infraestrutura.

Ao contrário da gestão atual — que prometeu resolver problemas e não conseguiu sequer finalizar projetos executivos —, a nova reitoria deverá apresentar planejamento concreto para a reforma do RU, dos módulos de moradia estudantil, do bloco do CFM, das instalações dos campi do interior e, sobretudo, do Centro de Convivência. É revelador que o principal espaço de integração da universidade tenha recebido apenas uma demão de tinta externa, apesar dos compromissos assumidos. A edificação, como a própria promessa de reforma, foi abandonada, reforçando a sensação de degradação no coração do campus. Sem projetos consistentes, deixamos de buscar recursos e perdemos oportunidades reais de defender nossas necessidades.

A gestão futura também precisará reativar nossa capacidade de resposta institucional. É constrangedor observar órgãos administrativos justificando atrasos reiterados de contratos e obras por “descompassos internos”. Falta o básico da racionalidade administrativa: antecipar vencimentos, planejar licitações, identificar riscos, agir antes que o problema ocorra. Em vez disso, a universidade tem contratado crises.

É igualmente emblemático que mesmo construindo importantes legislações para combater o capacitismo, para aplicar ações afirmativas e para acolher discentes-mães, não tenhamos conseguido avançar na execução de projeto de instalação de elevador em bloco de salas de aula, operar com regularidade bancas de heteroidentificação ou providenciar instalações elétricas necessárias para equipar ambientes de acolhimento. Normas avançadas sem execução geram frustração amarga.

Será indispensável, junto às equipes da Prefeitura Universitária e da Proad, mapear gargalos que travam nossa capacidade de resposta. Precisaremos de soluções ousadas e inteligentes, mobilizando a expertise acadêmica interna. A UnB, por exemplo, avançou significativamente na iluminação pública de seu campus com estudos desenvolvidos em projetos de pesquisa e extensão, envolvendo grupos PET, empresas juniores, pesquisas de pós-graduação e parcerias com empresas públicas. Resultados: economia de energia, redução da pegada de carbono e maior segurança — tudo feito com conhecimento produzido dentro da própria universidade.

A próxima gestão também deverá conduzir um diagnóstico profundo do dimensionamento da força de trabalho. Nada dessa natureza foi sequer esboçado pela gestão atual, orientada por interesses corporativos e eleitorais imediatos. Precisamos de métricas claras, que definam cargas de trabalho dignas, adequação de funções, revisão de procedimentos e transparência nas fragilidades institucionais. Servidores isolados, sobrecarregados e sem incentivo à qualificação precisam de respostas. Exemplos bem-sucedidos em outras instituições federais devem ser estudados e adaptados. A integração entre setores e serviços precisa, enfim, avançar.

A comunicação institucional deve se transformar em prioridade estratégica. Hoje, ela é excessivamente centralizada e distante das Unidades de Ensino — justamente onde o cotidiano universitário acontece. É dessas estruturas que nosso ecossistema comunicacional deve emergir, orientado por jornalismo responsável, produção ágil e combate eficaz à desinformação. A intervenção indevida da reitoria na Agecom, em 2024, simboliza o desvio de finalidade que não pode se repetir. A UFSC precisa de transparência, rigor e presença pública qualificada.

Uma frente ampla também deve abrir espaço para novos atores políticos. Há uma geração de professores e técnicos que ingressou nos últimos dez anos e que não se sente representada pelos grupos tradicionais de alternância no poder. Há muitos estudantes — especialmente do noturno, da EaD, dos campi fora de sede, discentes trabalhadores, mães e pais — que são profundamente afetados pela má gestão, mas cujas vozes raramente são ouvidas. A eles, a universidade deve oferecer escuta qualificada e participação real.

Também é urgente garantir condições de trabalho e carreira para os técnicos, conciliando qualificação, modalidades de trabalho e oferta eficiente de serviços públicos. Para dialogar com esses públicos, a frente ampla precisará superar dicotomias artificiais, corporativismos estéreis e fronteiras políticas que já não fazem sentido. É preciso construir pontes e ampliar diálogos.

Essas pontes, contudo, não podem ser um cheque em branco. O desafio consiste em articular a luta político-social com a atuação institucional — dimensões das quais não se deve abrir mão. Rejeitar a institucionalidade é tão arriscado quanto confiar apenas nela. Essa orientação integra o compromisso maior das forças progressistas com a democracia. Mais do que palavras de ordem, princípios gerais ou declarações de valores, é essencial apresentar propostas concretas para qualificar a gestão da UFSC em suas diversas áreas e setores administrativos.

É esse o compromisso que defendemos: uma frente ampla democrática, republicana, plural e pragmática, capaz de restaurar a força institucional da UFSC e de transformar a excelência de seu corpo docente, técnico e discente em excelência também na gestão.

Somente assim a universidade que produz ciência, arte, extensão e ensino de alta qualidade poderá recuperar sua estatura política e institucional e voltar a ocupar o lugar que lhe cabe no país.

*Alex Degan é docente de História da Ásia do HST/CFH.
Tiago Kramer de Oliveira é docente de História da América Portuguesa do HST/CFH.

Artigo enviado às 17h42 do dia 8 de dezembro de 2025 e publicado às 09h55 minutos do dia 11 de dezembro de 2025.