Reflexão sobre o processo de retirada da homenagem ao Prof. João Davi Ferreira Lima

*Por Raphael da Hora

Motivado por discussões acaloradas em grupos de professores da UFSC no WhatsApp, venho compartilhar minha perspectiva sobre o processo que propõe a retirada da homenagem ao primeiro reitor da nossa Universidade, Professor João Davi Ferreira Lima, do Campus sede da UFSC em Florianópolis, por meio da alteração do Art. 1º do Estatuto da Universidade.

Em primeiro lugar, acredito que o sentimento que expresso é compartilhado por muitos, possivelmente pela maioria, dos membros da comunidade universitária: professores, técnicos, estudantes e até membros da sociedade externa. Em meio a tantos desafios graves enfrentados pela UFSC atualmente, como problemas de infraestrutura, escassez de recursos financeiros e humanos, queda na procura pelos cursos de graduação e pós-graduação, e um altíssimo índice de evasão nos cursos de graduação, muitos se perguntam por que o Conselho Universitário está dedicando tanto tempo e energia a esse processo.

A resposta é simples e institucionalmente necessária: o processo foi formalmente encaminhado ao Conselho Universitário, e cabe a este órgão deliberar sobre as matérias que lhe são submetidas. Mesmo que existam divergências quanto à relevância do tema em relação a outras pautas urgentes, não é possível ignorá-lo.

Li com atenção todo o material disponível no processo nº 23080.031929/2025-08. Embora acredite que há pautas mais prementes a serem enfrentadas pela Universidade, reconheço que a documentação reunida é significativa. Em especial, considero sérios os documentos relacionados aos professores Armen Mamigonian e Henrique Stodieck. Ainda assim, percebo que há mais de uma possível leitura dos acontecimentos históricos apresentados, e as conclusões da Comissão de Memória e Verdade (CMV) não esgotam as interpretações possíveis sobre o período e os fatos investigados.

Não me considero em posição de afirmar se o professor João Davi Ferreira Lima foi ou não responsável pelas violações de direitos humanos que lhe são atribuídas. Tenho dúvidas, e já as manifestei diretamente ao presidente da CMV após a primeira reunião do CUn que tratou do tema. Infelizmente, essas dúvidas ainda persistem.

Sei que, nos tempos atuais, expressar incertezas ou não aderir imediatamente a uma narrativa dominante pode levar a rótulos como “idiota” ou “em cima do muro”. Não me identifico com nenhuma dessas categorias. Tenho plena consciência da importância do trabalho realizado pela CMV, composto por profissionais qualificados, cujo relatório final foi fruto de extensa pesquisa e aprovado pelo Conselho Universitário. Contudo, um dos pontos que me preocupa é a falta de transcrição de diversos documentos anexados ao processo, o que torna sua leitura extremamente difícil. Apesar dos principais documentos estarem mais acessíveis, percebo lacunas e possíveis interpretações que não foram suficientemente exploradas.

Para mim, a história ainda está incompleta. Há elementos que faltam para se chegar a uma conclusão definitiva. Sou totalmente contrário à ditadura que o país atravessou naquele período sombrio, mas entendo que, em processos com implicações simbólicas e institucionais tão profundas, é essencial agir com prudência. Talvez minha formação em Matemática influencie meu modo de pensar: valorizo argumentos lógicos, claros e bem fundamentados. Quando ainda há múltiplas possibilidades interpretativas, a dúvida se impõe.

Por fim, gostaria de registrar uma preocupação: percebo que essa discussão tem sido conduzida, em muitos momentos, mais com paixão do que com razão. Isso me inquieta. O calor das emoções pode ofuscar a serenidade necessária para uma análise responsável, o que pode comprometer a qualidade de uma decisão que, idealmente, deveria se basear em argumentos sólidos, respeito à complexidade histórica e compromisso com a verdade, sem simplificações apressadas.

*Raphael da Hora é professor do Departamento de Matemática e vice-diretor do Centro de Ciências Físicas e Matemáticas (CFM) da UFSC

Artigo recebido às 10h15 do dia 13 de junho de 2025 e publicado às 11h33 do dia 13 de junho de 2025