O nome dela é Jéssica

*Por Fábio Lopes

Dizem que criticar os outros pelas costas é falta de educação. Ariano Suassuna, com sua verve irresistível e incorrigível, discordava. “Não custa nada esperar a pessoa sair para falar mal dela”, brincava o velho escritor.

Os governantes e gestores adaptam a lição do autor do Auto da Compadecida a seus próprios interesses. Eles costumam aguardar a hora em que os eleitores estão distraídos e ausentes para aplicar medidas impopulares ou antipáticas. Véspera de feriado, por exemplo, é uma excelente ocasião para um aumentozinho de impostos aqui, um reajuste na gasolina ali, uma elevação na taxa de juros acolá.

Por que na UFSC seria diferente? Não que a comunidade universitária dê mostras de que hoje seja capaz reagir. Mas é o tal negócio: melhor não dar sopa para o azar. Vai que um milagre aconteça, e um inesperado Lênin consiga liderar as massas na tomada do Palácio de Inverno…

Fim de semestre. Estudantes voltam para as suas casas, ao passo que professores e muitos TAEs entregam-se aos prazeres solitários do recesso escolar. À exceção de uns poucos abnegados, o campus – já sem o nome do fundador da Universidade – é só abandono e silêncio. Um cenário perfeito para que a Reitoria tire coelhos da sua cartola de maldades.

A bola da vez, para variar, foram os terceirizados. Enquanto você degusta vinhos argentinos em promoção no Angeloni ou protesta contra o imperialismo de Trump nas redes sociais, 25 vigilantes foram para o olho da rua a propósito de reduzir despesas.

Eles se juntam às dezenas de profissionais de limpeza vitimadas pelo passaralho de dois meses atrás. A história recente da Universidade – que explica essas demissões – pode ser resumida em uns poucos parágrafos.

Ao tomar posse, a Reitoria dava como certa a recomposição de nosso orçamento pelo governo Lula. O problema é que a aguardada primavera petista não chegou. Frustrada essa expectativa, revela-se o segredo de Polichinelo: não há nem nunca houve plano B.

Nenhum projeto de melhoria na qualidade do gasto público foi jamais planejado, que dirá implementado, muito pelo contrário. O mesmo vale para a modernização da gestão ou o aumento da receita via pesquisa e extensão. Ao reitor – que, com orgulho provinciano, tirava selfies com Lula no início do mandato –, resta agora choramingar que o Papai Patrão não pinga dinheiro no pires.

Não me venham com a conversa de que, em meio à penúria, a Administração Central ao menos fortaleceu as pautas identitárias. Nada mais falso. Afora meia dúzia de resoluções sem nenhum resultado prático, a propalada proteção às minorias não avançou um centímetro para além do que as leis federais já impõem às instituições públicas.

A rigor, andamos para trás nessa matéria. Demonstração cabal disso é a atuação desastrosa da Proafe. Anunciada como uma revolução no campo da acessibilidade e da inclusão, a nova pró-reitoria (que, aliás, é uma apropriação indébita e mal feita do programa da chapa Edson De Pieri/Marcela Veiros para a campanha à Reitoria de 2022) é hoje um paquiderme tão lento e burocrático que só faz entravar e mesmo inviabilizar a entrada de minorias no quadro de servidores ou no corpo discente da UFSC.

Mas a prova maior do quanto esta Gestão é descompromissada com negros, pobres e outras populações vulneráveis está mesmo no tratamento dispensado aos terceirizados. Aos que têm alguma dúvida sobre isso, recomendo que perguntem aos trabalhadores demitidos ou aos constantemente esmagados pelo fantasma da demissão o que vale para eles a inclusão.

Estou para ser convencido de que, em nossa Universidade, o conceito de representatividade seja mais do que empulhação ideológica destinada a beneficiar uma pequena elite às custas dos explorados e pequeninos da Terra. Afinal, que proveito tiram a moça da limpeza ou a vigilante negra da presença de membros de minorias em cargos de mando? Qual o significado dessa representatividade se, na hora H, em vez de se dirigir aos gargalos da UFSC, o corte de gastos se alimente do bom e velho sangue proletário?

Em mensagem eletrônica, uma colega me disse estar aflita com a condição dos vigilantes defenestrados. Respondi que a preocupação post factum era desnecessária. Se tem uma coisa que aquelas pessoas sabem fazer é se virar. Estão acostumadas a serem tratados aos bofetões e, por isso, criam uma casca grossa que lhes permite enfrentar os frequentes dissabores que sacodem suas vidas. Ao contrário de nós, nunca acreditaram que essa história de inclusão fosse muito mais do uma estratégia eleitoral e um arremedo que inventamos para nos consolar de nossa impotência e indigência diante dos desafios de nossa geração.

No mais, vale perguntar: onde estão os protestos e a indignação que vimos no processo de mudança de nome do campus? Se, entre as causas da revolta contra o Prof. Ferreira Lima, estava a demissão injusta de pessoas – coisa que, aliás, posteriormente se provou só ter acontecido no reino da imaginação fértil e seletiva dos acusadores –, por que ninguém se levanta agora para colocar o dedo na cara dos que deram um pé no traseiro de quase uma centena de terceirizados?

A resposta, na verdade, é simples: é que, qual Édipo em sua busca pelo assassino de seu pai, eles teriam que, no fim da tragédia, apontar o dedo para si mesmos e, ato contínuo, furar os próprios olhos.

Este texto é dedicado à Jéssica, mulher lésbica que perdeu seu emprego na semana passada graças à incompetência, à inoperância, à insensibilidade e à falta de imaginação e coragem dos que dizem defender e representar mulheres lésbicas. Vou sentir falta do riso dela todas as manhãs.

*Fábio Lopes é professor do CCE/UFSC