Feroz

*Por Danuza Meneghello

Zaira me procurou 3 dias atrás. Motivo? Ava não responde suas cartas.

Fiquei em silêncio. Ela na sua teimosia de sempre, insistiu e insistiu e insistiu.

Prometi ajudar. Não sei como.

Escrevo hoje para vocês para que me lendo, me entendam, e entendendo façam algo.

Me entregou agora a pouco, agora mesmo pela janela uma carta para Ava.

Peguei. Envelope verde, estufado.

Lê! E os olhos muito pretos são exigentes. Não preciso ler, digo, um tanto risonha, a carta não é pra mim. Lê!

Sabem bem como Zaira fica quando não consegue o que decidiu conseguir.

Abro e leio…

“Querida Ava. Mais uma vez escrevo. Estou te convidando para minha festinha de 10 anos.

Ava precisas vir. Moramos tão longe. Mas virás?

Tenho brincado com os jogos que me mandastes. E a Terra, esse globo luminoso.

Tão bonito Ava. Tens que ver, meu quarto de noite fica iluminado e imagino que estou no espaço. Tudo tão silencioso e a luz, linda! A Terra tão tranquila girando só pra mim.

Virás? Sim? Sim. Sim. Sim. Eu exijo que venhas. Sem a tua presença não farei aniversário. Ficarei sempre com 9 anos.

Prima, por que não respondes?

Sabes bem que sou teimosa, impaciente, mas és minha prima querida. Ontem chamei, enquanto te escrevia, mais uma vez minha mãezinha. Perguntei: Ava está doente? Não. Aconteceu algo? Não. Não? Não? Não sei Zaira. Não sei. É assim que me responde. E pouco me olha. E some. A minha mãezinha está com segredos. Está escondendo algo.

Vens de surpresa? É isso? Ah! Vens de surpresa. Sim! Sim! Todos tão disfarçados.

Ficarei em silêncio então.

Já não sofro. Tenho o coração pequeno, pequeno mesmo. Apertado e sofro só em pensar que não virás ou que estás doente.

Pá tem a testa sempre franzida. Fica pouco em casa. Entra e sai. Se está preparando coisas para mim não me conta nada.

Ava, essa é a quinta carta que escrevo. Coloco junto uma florzinha. Seca. Mas é uma florzinha.

Meu amor por ti é… é maior que tudo.

Da tua prima, Zaira.”

Bem devagar dobro as folhas. As letras, ainda oscilantes, desaparecem. A minha mãezinha está com segredos. Está escondendo algo. E me olha. Não desvio. Olho bem firme seus olhos nos meus. Se fraquejo é o fim. E me volto para a carta.

Então?

O que?

A Carta? Leva pra mim?

Tenho agora os olhos no chão. Mexo um pouco as pernas e arrumo o cabelo como a ganhar tempo. Como quem precisa de mais ar. Mais espaço. Vontade de levantar e ir. Ir pela rua. Longe.

E?

Do outro lado da rua, pela porta, a voz é sirene:

Zaira! Zaira!

Nós duas, no susto, nos olhamos.

Zaira vem!

A criança, com suas tranças escapando do lenço, sai em revoada.

Já volto!

Vejo sua mãezinha. Encostada na porta e seus olhos anunciam tempestade.

Guardo a carta. O envelope verde, estufa de flor seca, é desejo de menina.

De: Zaira Ezz. Rua Shoukry Al- Qouwatly. G77Q. Damasco. Síria.

Para: Ava Kabir Ezz. Rua Ahmed Abd Al-Azez. FCC4. Faixa de Gaza. Palestina.

Zaira não voltou.

Faz alguns dias que não escuto sua voz.

Hoje depositei a carta.

E vocês? Alguma ideia?

*Danuza Meneghello é professora aposentada do Colégio de Aplicação/UFSC.

Artigo enviado no dia 9 de julho.