*Por Carlos Brisola Marcondes
A cada dia mais se defende a austeridade e equilíbrio fiscal, tanto pelo tal mercado quanto por muitos economistas e jornalistas. A desculpa habitual é que “é preciso controlar a inflação, que afeta mais os mais pobres”. No entanto, é preciso ver o que isto significa no dia-a-dia dos brasileiros, especialmente os mais pobres.
Quando o presidente Lula e outros governantes falam que querem gastar com a melhora da vida da população mais pobre, seja com pensões, saúde ou educação, o mercado e seus defensores incondicionais gritam, em defesa do tal equilíbrio, fazem o dólar subir e impedem que algo seja feito em prol dos que não conseguiram “se virar” para se ter uma vida digna. Não vejo nenhum deles gritar contra os rendimentos abusivos de “quem fez o concurso certo ou foi eleito”, ou das negociatas e falências fraudulentas e os enormes lucros de investidores, com frequência obtidos por manipulação do mercado.
Fiquei pensando neste contraste ontem, ao passar, em meio a Porsches e Audis, num bairro chique de Florianópolis, por um ser humano numa calçada, embrulhado num cobertor, no frio da manhã. Ele no máximo despertava pena, desprezo ou o pensamento de que “o governo deveria dar um jeito”.
Como qualquer governo pode cuidar desse ser humano, se basta dizer que dinheiro vai ser gasto com gente como ele ou que precisa reduzir privilégios fiscais que se grita “irresponsabilidade” e “arrocho” fiscal? Será que essas pessoas não se apiedam do sofrimento que veem e que vêm causando, por sua ação ou omissão? Ou não enxergam a miséria de dentro de seus carrões? Florianópolis não tem as dezenas de milhares de moradores de rua de São Paulo, onde há até quem quer punir quem lhes dá comida, mas o contraste entre o que têm muito e os que nada têm é a cada dia maior.
Onde está a religião dos que se dizem cristãos e se esquecem de que Jesus disse (Lucas 6:20) que “bem aventurados são os pobres, pois deles é o Reino de Deus”, e já em Levítico 19:10 se dizia que “deixem os bagos caídos das vinhas para os pobres e para os estrangeiros”.
Torço para que os que muito têm, ou pelo menos os que os defendem, tomem consciência do sofrimento que nos cerca e tentem fazer algo para minorar este sofrimento, pelo menos se calando quando se pretender gastar com eles. Por favor, reduzam a cegueira e o egoísmo! Ou deveriam ser repreendidos como fez Getúlio Vargas: Quero salvar a pele deles e eles não colaboram?
*Carlos Brisola Marcondes é professor aposentado do Departamento de Microbiologia, Parasitologia e Imunologia da UFSC
Artigo recebido às 17h23 do dia 13 de setembro de 2025 e publicado às 12h do dia 15 de setembro de 2025
