SBPC defende novo modelo de financiamento da ciência com apoio filantrópico

Assunto foi debatido no II Seminário Internacional Ciência encontra Filantropia, na USP

Para que mais iniciativas privadas apoiem a ciência é necessária uma reestruturação do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI) que dê maior visibilidade à filantropia, além de mecanismos mais desenhados sobre riscos e transparência e uma articulação integrada entre atores. Estes são alguns dos diagnósticos apresentados pela presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Francilene Garcia, em evento realizado na Universidade de São Paulo (USP).

Garcia integrou a programação do II Seminário Internacional Ciência encontra Filantropia – Filantropia no Ecossistema Brasileiro da Ciência, realizado na última segunda-feira, dia 24, e participou de dois painéis: “A Urgência do Apoio Multi-Institucional à Ciência” e “A Participação da Filantropia no Ecossistema da Ciência”.

“Um país como o nosso, que busca uma plataforma de desenvolvimento diferenciada, ainda não atingiu um percentual de PIB [Produto Interno Bruto] investido em ciência como gostaríamos. Por isso, é fundamental que a gente olhe para outras alternativas. As fontes de recursos públicos não são suficientes, nem nos países desenvolvidos”, ponderou.

A presidente da SBPC defendeu a necessidade de uma atuação de instituições multifacetadas nesse sistema de fomento. “A gente precisa, de fato, no Brasil – não apenas no Brasil, mas fortemente no Brasil –, de um novo desenho de financiamento da ciência.”

Garcia destacou que este assunto é debatido há décadas, mas que ganhou força em 2019, quando foi aprovada a lei nº 13.800, que autoriza a criação de fundos patrimoniais privados para apoiar causas de interesse público, como as áreas de Educação, Cultura, Ciência, Tecnologia & Inovação, Meio Ambiente, entre outras.

Com a legislação, surgiram instituições com forte presença na gestão de Fundos Patrimoniais Filantrópicos, como é o caso do Instituto Serrapilheira, onde Garcia atua em seu conselho administrativo.

“O Serrapilheira e outros institutos estão tendo um papel importante no fomento à Ciência, principalmente para o pesquisador e para iniciativas científicas em si. As suas ações reduzem e mitigam os riscos das oscilações orçamentárias vindas dos recursos públicos e ampliam a capacidade do pesquisador de trabalhar em linhas da Ciência de fronteira, lidando com riscos e incertezas que muitas vezes os trâmites tradicionais dos mecanismos de fomento não consideram. As fragilidades e incertezas políticas do País mostram o quanto a gente necessita avançar nessa capacidade de múltiplas instituições, inclusive instituições filantrópicas.”

Outro ponto destacado por Garcia é que as ações filantrópicas conseguem atuar especificamente em cenários que o poder público tem dificuldade de chegar. “Por exemplo, o Instituto de Cidadania Empresarial, o ICE, desde o final do século passado atua de forma muito integrada e articulada. Ele, como tantos outros, são movimentos pouco visíveis, mas são movimentos que têm uma caracterização importante, porque não só atuam na ponta, como têm a capacidade de enxergar onde é que os territórios estão necessitando de maior apoio ou articulação – seja para uma capacitação ou para a formalização de um novo ambiente científico.”

Segundo a especialista, a 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima, a COP30, mostrou que há uma articulação de instituições filantrópicas na agenda da emergência climática, como é o caso do Instituto Clima e Sociedade e do Instituto Arapyaú, mas que esse tipo de integração precisa ser uma articulação nacional, e não de segmentos específicos.

“Há uma oportunidade muito grande da gente não só ampliar a gestão de Fundos Filantrópicos no País e melhorar a questão da regulação da filantropia na Ciência, mas também ter mais clareza sobre onde estão os riscos e onde se precisa aprofundar a capacidade do setor, de modo que os investidores filantrópicos tenham confiança em colocar os recursos nesses propósitos. Um caminho para isso pode ser o estímulo à articulação internacional. A gente não precisa reinventar a roda e nem começar do zero, tem uma série de modelos internacionais que podem ser adaptados e essa convergência com o Brasil, se conectando a algumas redes globais, é extremamente importante.”

A presidente da SBPC destacou também o papel da próxima Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI), que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação deve lançar nos próximos dias, como fundamental para organizar o ecossistema da filantropia.

“É necessário que uma aliança pela filantropia no Brasil seja formalmente estabelecida. Com isso, dados sobre riscos, confiança, transparência e demais indicadores virão naturalmente nesse processo. Porque a iniciativa privada poderia ser muito mais presente nesse ecossistema de doação se houvesse alguns incentivos claramente disponibilizados nos mecanismos legais. Este é um processo que precisamos fazer caminhar.”

Garcia encerrou sua participação afirmando que a filantropia na Ciência é um ator importante, um catalizador que não tira as obrigações do poder público. “A filantropia não substitui o papel do Estado. O papel do Estado continuará sendo o de mobilizar, alavancar, ditar prioridades e fazer escolhas. Mas a filantropia tem a função de potencializar esse papel e chegar em alguns espaços onde o Estado não consegue chegar.”

Diretor da SBPC e professor da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Samuel Goldenberg integrou o painel “Construindo uma Agenda de Filantropia em Apoio à Ciência”. Nele, defendeu que a filantropia seja acompanhada de incentivos fiscais.

“Somos um país que está no 25º lugar no número de pessoas milionárias no mundo, e o quanto de filantropia em ciência é investido? E quando pensamos que apenas 0,31% do PIB é investido em Ciência, Tecnologia e Inovação, a gente que milita na área há muito tempo percebe a diferença de países que estão crescendo, como Coreia e China. É só olhar o quanto essas nações investem do PIB em Ciência. Nesse cenário, a filantropia em Ciência é muito importante e precisa ser estimulada.”

Goldenberg também defendeu que ocorra uma melhor promoção da filantropia, tanto para cientistas quanto para a população em geral.

“Outra coisa que eu acho importante é fazer campanhas, alfabetizar as pessoas sobre a importância da filantropia. Até para pessoas da própria comunidade científica que são contrárias: ‘não, porque a filantropia é dinheiro que vem de grandes milionários’. É um pensamento simplório, mas que a gente acaba ouvindo. Então, falta uma cultura para o próprio cientista e, nesse sentido, a SBPC realmente abraça essa causa e esperamos que, por um conjunto de ações que estamos realizando, que a gente consiga difundir o tema.”

Entre as ações realizadas pela entidade está o Grupo de Trabalho (GT) Ciência e Filantropia, que é coordenado por Ary Plonsky e conta com a participação de Goldenberg, além dos pesquisadores Marcelo Knobel, Marcos Kisil e Hugo Aguilaniu (Instituto Serrapilheira) como integrantes.

Fonte: Jornal da Ciência