Se aposentando…

Por Dulce Helena Penna Soares

Bem, já escolhemos a profissão, já planejamos a carreira, já vivemos 30 a 40 anos no mundo do trabalho, dando a nossa contribuição social e agora chegou a hora de se aposentar. À primeira vista parece o melhor momento da vida! “Enfim, vou poder ganhar sem trabalhar! Vou poder só descansar!” Mas não é bem assim. Um grande número de profissionais, com tempo de serviço e condições legais para se aposentarem não querem fazê-lo. Sentem medo de não ter o que fazer, como ocupar tanto tempo do seu dia, antes dedicado somente ao trabalho! Este vai se tornar “tempo livre”.

Aposentar-se também é uma escolha

Puxa, a gente não para nunca de escolher? Até para “não fazer nada” preciso decidir, refletir e me preparar! Mas é complicada esta vida profissional, pensei que seria mais fácil!

O trabalho é central na vida das pessoas. Toda nossa vida está de alguma maneira vinculada ao trabalho e é definida por ele. Conforme a profissão escolhida, temos um tipo de vida. Por exemplo, se decidimos pela carreira militar, provavelmente estaremos sempre viajando, morando em cidades diferentes. Isso acarreta um tipo de vida para a nossa família, obrigada a nos acompanhar em todas essas mudanças!

A profissão também nos permite construir uma identidade profissional, e muitas vezes a pessoa é confundida com o trabalho desempenhado. Por exemplo, dois jovens conversando: “Sabes o pai de fulano, o fiscal da receita, pois é, ele adora futebol”. Então, o pai do amigo é “o fiscal da receita”, este é o “sobrenome profissional dele”. E assim também para os funcionários das grandes empresas. O “fulano de tal da Eletrosul”, o “beltrano é da Caixa”. A empresa passa a fazer parte do nome da pessoa, e ele é apresentado socialmente sempre com mais este sobrenome.

Então, como é se aposentar? É deixar de ser o “engenheiro da Mecânica da UFSC” para ser quem? Um aposentado? Muitas vezes, gentilmente denominados como “inativos”. Este é mais um momento de escolha, em que é preciso se preparar, refletir sobre sua trajetória profissional, avaliar todas as realizações e o que ainda não foi feito para poder decidir qual o melhor momento para deixar de trabalhar!

Quando nos aposentamos, saímos de um emprego, de uma instituição, de um local que nos abrigou durante tantos anos. Os profissionais liberais muitas vezes não podem se dar ao luxo de se aposentarem, pois com certeza seu salário vai diminuir e muito.

Quem se aposenta não é o contador “João do Banco do Brasil”. É uma pessoa com sua história de vida, uma trajetória profissional, ingressou no banco com 18 anos como officeboy, fez sua vida dentro dele. O banco se confunde com sua vida pessoal e familiar. Todas as conquistas foram dentro do banco, subiu de cargo, agora é gerente, estudou pós-graduação, mas sempre em função do banco. Como deixar tudo isso para tornar-se um inativo!?

“Sempre encontraremos algo que ficou para trás. Algum sonho como: aprender a tocar violão, saber falar uma língua estrangeira, ou conhecer a Índia. Pois agora chegou a hora de realizar os sonhos que ficaram para trás. Esta pode ser a saída para resolver a angústia de deixar de trabalhar. Encontrar os sonhos de juventude perdidos.”

Voltamos à questão da primeira escolha, aquela da juventude! O que eu gostaria de ter escolhido aos 18 anos? Quais eram os meus sonhos? Será que consegui realizá-los durante minha vida, até agora? Com certeza sempre encontraremos algo que ficou para trás. Algum sonho como: aprender a tocar violão, saber falar uma língua estrangeira, ou conhecer a Índia. Pois agora chegou a hora de realizar os sonhos que ficaram para trás. Esta pode ser a saída para resolver a angústia de deixar de trabalhar. Encontrar os sonhos de juventude perdidos. Aquele passeio de moto pelo Brasil afora conhecendo do Oiapoque ao Chuí, ou aquela viagem pela América Latina! Agora temos dinheiro – pelo menos alguma condição construída nestes 30 a 40 anos de trabalho. E temos tempo, muitas vezes foi a nossa desculpa para não fazer as coisas!

O lado bom da aposentadoria curtindo o tempo livre

Pessoas habituadas a terem suas atividades de lazer, a curtir outras atividades além do trabalho, outros amigos, frequentando grupos diferentes, sentem-se mais tranquilos neste momento da aposentadoria. Aquelas para as quais o trabalho não se constituía como a sua única atividade na vida, aposentar-se não é tão difícil assim. Por praticarem um hobby, por exemplo, andar de barco, competir em regatas, viajar, ou jogar futebol com os amigos e depois ficar “jogando conversa fora”.

Aquelas que sabem aproveitar o tempo livre para fazer alguma atividade esportiva, caminhar, apreciar a natureza, ou um bom vinho, se sentem mais seguras na hora da aposentadoria, pois tem mil coisas para fazer no tempo livre. Muitas participam de grupos religiosos e com a aposentadoria podem dedicar-se mais tempo, desenvolvendo outros projetos comunitários. Participar de ONGs, em programas sociais, pode ser outra forma de se sentir útil e se envolver após a aposentadoria.

Aposentar-se significa usufruir o tempo livre, aliás essa expressão foi criada justamente para significar isto: tempo “livre do trabalho”. Que bom! O que sempre sonhei, tempo livre para fazer o que eu quiser, sem dar satisfação para ninguém. Mas não é bem assim, muitas vezes não sabemos, afinal, o que gostaríamos de fazer nesse tempo livre. Nunca nos dedicamos a outras atividades além do trabalho. Nem sabemos bem aquilo que gostaríamos de fazer! Será que nos conhecemos bem? Quem somos, o que é mais importante para nós? O que gostaríamos de fazer?

“Aposentar-se significa usufruir o tempo livre, aliás essa expressão foi criada justamente para significar isto: tempo “livre do trabalho.”

Afinal, por que será tão difícil aproveitar o tempo livre? Não seria este o nosso maior desejo, o que sempre almejamos, poder fazer todas aquelas coisas que sempre sonhamos, mas nunca tínhamos o tempo suficiente?

Sempre o trabalho era mais importante, nos chamando para jornadas extras, finais de semana, à noite, viagens de negócios etc. e tal. Precisávamos ganhar mais dinheiro, para adquirir as coisas, comprar a casa própria, o carro, pagar os estudos das crianças, e a faculdade dos filhos. E agora?! Precisamos é curtir esse tempo livre!

Trabalhar significa ficar de 40 a 60 horas ocupado durante a semana. 40 horas seria a jornada normal de trabalho, embora muitas pessoas estejam envolvidas muito mais horas por semana, e algumas até nos fins de semana.

Então, o que fazer com todo esse tempo livre, agora aposentado? É preciso se preparar, discutindo com os amigos na mesma situação e principalmente com a família, pois estaremos “voltando para casa”, permanecendo mais tempo em casa, conviveremos mais tempo com nossos filhos e familiares. Como será esta nova vida?!

O lado ruim da aposentadoria a perda da identidade e do status profissional

O lado mais difícil de encarar a aposentadoria está ligado a questão da nossa identidade profissional. Como falei antes, nosso trabalho passa a fazer parte da nossa identidade, somos a nossa profissão.

Por exemplo, os policiais quando iniciam seus trabalhos recebem uma Carteira de Identidade profissional de Policial e fazem um juramento no qual prometem serem policiais 24 horas! Em qualquer situação, onde seja necessário um policial, se eles estiverem por perto, serão chamados a intervir e deverão comparecer. Eles são literalmente policiais 24 horas por dia, 7 dias por semana. Ao se aposentarem, recebem uma nova Carteira de Identidade, mas dessa vez de inativo, significa que eles não serão mais policias, nunca mais! Como é difícil perder a identidade de uma hora para a outra. Por isso, a importância de um trabalho psicológico para auxiliar as pessoas a se aposentarem sem perderem a sua identidade, pois continuam sendo elas mesmas, a pessoa que sempre foram, em sua família, com seus amigos. Perderam sim a condição de policiais, mas continuam com a sua identidade pessoal.

Alguns adoecem por não aceitarem essa nova situação, de perda do status social, da admiração das pessoas em geral. Muitos dirigiam um grupo de pessoas, tinham poder e eram respeitados em suas decisões. Voltam para casa e quem eles vão dirigir, dar ordens? Quem está em casa? Alguns encontram a esposa no lar, outros não, pois esta continua trabalhando, e os filhos estão estudando ou trabalhando e passam fora de casa o dia todo! O que ele vai fazer? Pode até adoecer! Por isso é importante se preparar para este momento, buscando novas atividades. Interesses antigos podem ser colocados em prática.

Algumas vezes, a pessoa não se conhece muito bem, nunca parou para pensar em outras coisas além do trabalho, não sabe do que gosta, quais atividades ou fazeres lhe dão prazer, nunca parou para pensar em si mesmo, sempre se ocupou do trabalho. É chegada a hora de parar e pensar em si mesmo.

Pensando o futuro: qual a nossa missão?

Viemos ao mundo para realizar uma missão! Esta pode ser maior que o emprego que temos, ou a família que construímos. É uma missão de aprendizagem e de prestação de serviços ao próximo, àquelas pessoas que nos rodeiam. Esta missão pode ser o trabalho, sendo este tudo aquilo que realizamos em benefício do próximo, para alegrar sua vida, para curá-lo, para dar-lhe mais condições de ser feliz.

E como o trabalho se insere na nossa vida? Sabemos que, para muitos, o trabalho representa apenas um meio de sobrevivência. Para uma pequena parcela, ele representa uma fonte de prazer. Mas como saber quando isto acontece? Será que a pessoa “bem-sucedida”, com um bom salário, é reconhecida pelos colegas, sente prazer no que faz? Será que uma conta no banco, com saldo positivo, uma casa confortável e um carro na garagem trazem prazer para a vida da pessoa?

E aquelas pessoas simples, que realizam diariamente suas atividades, demonstrando “orgulho” de serem responsáveis por aquela parcela do trabalho, muitas vezes, passando desapercebidas dos olhos dos demais, será que elas não estão mais integradas com o seu trabalho e com isto mais felizes?

Para melhor compreender esta missão diria que ela só tem sentido se estiver intimamente relacionada com a nossa alma, aos aspectos mais íntimos de nossa personalidade. Poderíamos analisar esta realização sob dois aspectos: o interno e o externo. Muitas vezes fazemos um trabalho que é reconhecido como bom, importante para o desenvolvimento de uma parcela da sociedade. Ele é avaliado como positivo e indispensável. É uma avaliação externa, e responde às expectativas das demais pessoas, da sociedade. Este é o aspecto externo, pois é importante para os outros.

A situação na qual estamos realmente realizando a nossa verdadeira missão é aquela em que significado daquilo que realizamos nos preenche totalmente. Nos sentimos plenamente realizados e felizes de termos realizado aquela atividade, que muitas vezes nem é percebida pelos demais. É uma satisfação interna, intrínseca a nós mesmos e que, na maioria das vezes, não pode ser avaliada pelos outros. É aquele “algo mais”, para o qual nos dedicamos sem esforço, e com o maior prazer. Às vezes nem sabemos explicar muito bem como isso acontece.

Vemos, por exemplo, os professores: na maioria dos casos sua satisfação é interna, de ver seus alunos crescendo e aprendendo. Seu prazer é pessoal, na relação com cada aluno em especial, mas não é valorizado pela sociedade através de um salário justo e de condições dignas de trabalho. Mas continuamos a ver professores no Nordeste brasileiro recebendo uns poucos reais para ensinar muitas crianças a ler e escrever. Isso é uma missão.

Mas não é só nestes casos extremos que podemos avaliar uma missão. Todos nós podemos encontrar nossa “verdadeira” missão. Precisamos parar um pouco para pensar em nós mesmos, em todas as coisas que fazemos e gostamos de fazer, e naquelas que também gostaríamos de ter feito e, por algum motivo, não realizamos. Pensar como, através do nosso trabalho, estamos contribuindo para um mundo mais feliz, mais “em paz”.

E a aposentadoria é o momento para este encontro com a missão. Será que já sabemos qual é nossa missão aqui nesta vida? Será que foi o trabalho desenvolvido até pouco tempo atrás? Ou existe espaço para ser outras coisas, que talvez nem imaginássemos no momento?

Pare e pense. E realize a sua missão.

Dulce Helena Penna Soares é professora aposentada do curso de Psicologia (CFH). Artigo publicado em parte no livro: O que é escolha profissional. Ed. Brasiliense, 2009