Transporte de risco

Entre os dias 8 e 10 deste mês, Florianópolis viveu momentos reveladores dos dramáticos conflitos que atingem esta cidade.Na quarta feira, 8, o juiz Gerson Cherem II, vara da Fazenda Pública da Capital, determinou a suspensão da inauguração do Floripa Shopping (na SC 401, bairro Saco Grande), que estava anunciada para a sexta, 10. A ação civil pública promovida pela União Florianopolitana de Entidades Comunitárias (Ufeco) obtinha liminar até que se encontrasse solução “adequada e legal” para o esgoto sanitário daquele empreendimento.

O problema surgiu porque a Estação de Tratamento de Esgotos naquela região, em implantação devido à construção do Shopping, também tinha sido suspensa por conta de outra decisão judicial, pois pairam dúvidas de que o esgoto seria de fato tratado. Diante disto, a solução do Shopping era transportar diariamente 60 mil litros de esgoto até a Estação de Tratamento mais próxima (em Palhoça). 

Para Cherem II, “o trânsito de 60 mil litros de esgoto sanitário pelas ruas da cidade aumenta de modo considerável a probabilidade de algum acidente com os veículos e conseqüente derramamento dos dejetos em plena via pública”. Constatou o magistrado. que o interesse econômico privado, por mais benefícios que traga, não pode sobrepujar o lídimo interesse da coletividade. “Forçoso reconhecer, então, que o passeio do esgoto pelas ruas e avenidas atenta contra os comezinhos princípios de um ambiente urbano equilibrado e (…) contra a qualidade de vida da cidade”.

Ocorre que a Prefeitura de Florianópolis, juntamente com a Fatma e os proprietários do Shopping, entrou no Tribunal de Justiça com pedido de suspensão de liminar. Às 18h47 do dia 10, o TJ, uma câmara muito mais política e sujeita à pressões, em decisão do desembargador substituto Jaime Vicari, suspendeu a liminar e autorizou o Shopping Florianópolis a abrir as portas ao público, as quais tinham permanecido fechadas até aquele momento, contrariando os anúncios da inauguração prometida para aquela manhã.

O desembargador reconheceu que a suspensão do funcionamento do Shopping gera impacto na economia não só do Shopping como também de todos os lojistas lá instalados. Além disso, considerou que alternativa de transportar os dejetos com caminhões tinha recebido a aprovação do órgão ambiental competente. 

Mas, no anoitecer da quinta, 9, em pleno horário de funcionamento da Câmara de Vereadores, o líder do mesmo governo que lutou judicialmente para autorizar a circulação de 60 mil litros diários de dejetos por toda a cidade, vereador Juarez Silveira, foi preso em flagrante pela Polícia Rodoviária Federal por transporte irregular de líquidos. Não se tratava de transporte de esgoto, mas de contrabando de 164 garrafas de uísque e de champanhe sem nota fiscal, que ele trazia do Uruguai, dentro da sua caminhonete Hilux.

As comunidades da região do Shopping solicitaram embargo da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) através de diversos pareceres de técnicos, alegando irregularidades técnicas na construção da obra, como sua localização no mangue de Itacorubi que não obedece as zonas de amortecimento estabelecidas nas resoluções do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente)d+ ausência de dispositivos que impeçam a geração de odores na vizinhanças do bairro João Paulo, e provável impacto ambiental do emissário submarino que lançará o produto processado da ETE na baía norte, podendo ocasionar impacto na biota marinha, como o cultivo de ostras, mariscos e outras culturas. 

É espantoso que ao invés da Prefeitura prestar esclarecimentos à ação de embargo que o juiz  Gerson, ela saia em socorro de um empreendimento privado. O interessado neste caso é o empreendimento e não diretamente o poder público! Isto coloca sob suspeita o poder público. 

O risco de acidente no transporte existe: de quem será a responsabilidade quando venha ocorrer? Do desembargador, do prefeito, do proprietário do Shopping, ou do motorista? Qual a garantia técnica de que nada ocorrerá?  Esse laudo e demais posicionamentos da Prefeitura e da Floram não deveriam ser expostos em audiência pública, como prevê  o Estatuto da Cidade?