Em defesa da Feesc

Abrir guerra contra a intervenção judicial, conturba ambiente e põe fundação em risco

É lamentável ver a Feesc, importante instrumento de fomento à pesquisa da UFSC, submetida à intervenção judicial. Não estou do lado dos críticos radicais, que jogam fora o bebê com a água suja. Entendo que as Fundações de apoio são necessárias, face a obsolescência das leis que regulam o uso dos recursos envolvidos em nosso trabalho de pesquisa e extensão.

Mas, tampouco posso concordar com os que culpam o carteiro (a intervenção) por trazer uma notícia ruim, alardeando que a Feesc corre risco de desaparecer, o que comprometeria o próprio CTC. Abrir uma guerra contra a intervenção, demonizando-a, conturba ainda mais o ambiente, colocando em risco os projetos, e a própria Feesc.

Quem não deve, não teme. Irregularidades, se existem, devem ser apuradas e corrigidas, aperfeiçoando o processo. Se não existem, sigamos em frente e acabemos de vez com esta novela. Qualquer resultado fortalecerá ainda mais a Feesc. Portanto, o único caminho possível é deixar que a intervenção se complete, que realize a auditoria, como determina a decisão judicial.

Aos antigos dirigentes da Feesc, e ao conjunto dos professores, resta fazer uma campanha para mantermos a confiança na fundação, para criar um clima de tranqüilidade que nos permita atravessar este difícil momento. Nada impede que os professores continuem a encaminhar a gestão financeiro-administrativo de seus projetos para a Feesc. Se este fluxo continuar, a Feesc também continuará e não quebrará. E isto não requer abaixo-assinados pressionando a interventora, especialmente quando articulados pela diretoria afastada, mas apenas um apelo para que mantenhamos a normalidade. Se for possível, e procurando contribuir para esta campanha, deixo público que encaminharei meus dois projetos que recentemente foram aprovados pela Fapesc (ambos no valor de 40 mil reais) para serem gerenciados pela Feesc.

Entretanto, este é um momento propício para refletir sobre problemas que as fundações podem ter, para corrigir rumos e avançar. Vejamos duas notas da coluna do Raul Sartori, que ultimamente tem noticiado sobre a Feesc:

“CONTRATOS – Depois de sofrer intervenção, determinada pela Justiça dia 26 de fevereiro, a Fundação de Ensino de Engenharia de Santa Catarina (Feesc), que apesar de seu caráter privado funciona dentro do campus da Universidade Federal de Santa Catarina, foi contratada pela SC-Gás, 21 dias antes de ter a diretoria afastada, por R$ 6.027.555,92, para fazer pesquisas, consultoria e assessoria técnica a projetos da empresa. E dia 1º de março assinou com a CELESC sete contratos de prestação de serviços no valor de R$ 1,2 milhão. Os oito sem licitação. Entidades ligadas à engenharia catarinense estão a ponto de explodir de indignação.” (A Notícia, 2/4/2007)

“PINGOS NOS IS – A Fundação de Ensino de Engenharia de Santa Catarina (Feesc) esclarece: Que por ser entidade privada sem fins lucrativos, credenciada e voltada ao ensino, pesquisa e extensão, pode funcionar no campus da Universidade Federal (UFSC).

“Que o contrato de R$ 5,9 milhões com a SC-Gás foi firmado em abril de 2006 e finalizado em dezembro. (Nota da coluna: foi publicado no “Diário Oficial do Estado”, em fevereiro deste ano, dando a entender que sua oficialização ocorreu agora). Os contratos com a Celesc são de projetos de pesquisa abertos pela estatal em 2005, porém, só formalizados neste ano. A Feesc diz que por diversas vezes se questionou a legalidade de dispensa de licitação nos seus contratos, mas que o Judiciário confirmou sua legalidade.” (A Notícia, 7/4/2007)

 

Na primeira nota se revela que empresas privadas sentem-se prejudicadas pela “concorrência desleal” praticada pelas fundações que com elas competem utilizando-se de duas vantagens que as tornam imbatíveis: a grife UFSC, e o não arcar com alguns custos (inclusive encargos sociais).

Até que ponto o fato de uma fundação operar no mercado como uma empresa privada, mas tendo como plataforma operacional uma universidade pública, além de colocar algo que é público a serviço de finalidades particulares, não está a bloquear a emergência de uma rede de empresas no entorno da universidade a partir dos nossos trabalhos e das pessoas aqui formadas? Até onde isto não inibe a formação de um tecido sócio-econômico legalmente qualificado, e portanto mais forte, o que impulsionaria ainda mais uma interação criativa com o próprio mercado? Dissimular sua real condição, ora atuando como empresa privada, ora como fundação comunitária, pode dificultar que surja em torno da UFSC algo como o Silicon Valey, apesar do Tecnópolis e dos programas de incentivo ao empreendedorismo existentes.

Fui procurado recentemente por um pesquisador-doutor formado nesta universidade e que sobrevive trabalhando em projetos vinculados à UFSC. Ele me solicitou ajuda para organizar um sindicato destes pesquisadores, pois me relatou a precariedade da condição de trabalho dele e de centenas como ele. O que falta para que ele e muitos outros abram suas próprias empresas? Penso que não é um problema de falta de visão empreendedorista…

Nas notas de Raul Sartori também se constata que a realidade concreta da Feesc já não gravita exclusivamente em torno da gestão financeira dos projetos de pesquisa/extensão dos professores, tarefa  da qual ela nasceu, suprindo entraves administrativos da nossa Universidade. O que está posto é que a Feesc se autonomizou a tal ponto, em relação às suas funções de origem – ajudar no gerenciamento daqueles projetos, viabilizando-os –, que já não se trata mais disso, mas de uma grande empresa que concorre no mercado como um peixe grande, caçando editais na escala de milhões, os quais não são mais necessariamente projetos de professores, nem estão mais associados, portanto, de forma direta ao ensino, pesquisa ou extensão. Sem dúvida, este tipo de captação de recursos pode estar sendo prejudicado pela intervenção.

As fundações hoje têm vida própria e amparo legal para agir autonomamente, não carecendo mais do ambiente acadêmico para desenvolver suas funções. Portanto, intervir nas mesmas não fere a autonomia universitária, como argumentou nosso reitor em recente artigo. A Feesc tem todo o direito de concorrer no mercado e captar recursos milionários. Mas para isto, ela deve ser plenamente uma empresa, de modo a concorrer legal e lealmente conforme princípios reguladores de mercado. Mas, ao se tornar empresa comercial, ela não tem mais necessidade, nem legalidade, nem legitimidade para continuar como “fundação da UFSC”, beneficiando-se desta logomarca.

Porém, quando nosso trabalho como professores precisa se vincular a uma fundação, então aquelas atividades deveriam passar primeiramente pelos departamentos. O problema não se situa apenas no tamanho dos recursos, mas na natureza puramente mercantil de certas ações. Ainda que as sardinhas possam se identificar com o tubarão, há que diferenciá-los. O comportamento de um cardume delas não é o mesmo que o de um grande peixe predador: aqui é um outro padrão que emerge.

Outra problemática está quando as fundações na UFSC extrapolam suas competências se tornando instituições de ensino, divulgando que seus cursos de especialização têm a qualidade da UFSC. Em outras palavras, as Fundações se tornaram centros de ensino, em concorrência direta com as funções básicas da universidade. No lugar de complementar a UFSC, elas se tornaram seus concorrentes. Isto é legal? Cabível?

Como se tratam de fundações inseridas dentro de uma universidade pública, é fundamental que haja transparência absoluta com relação às mesmas, o que evitaria tanto que elas se tornassem “ações entre amigos” quanto coibiria excessos. Entre eles, infelizmente, o de colegas que deixam de lado suas obrigações didáticas (especialmente com a graduação, onde obrigam seus “estagiários de docência” a lhe substituírem nas aulas), para além do uso político dos recursos das mesmas, seja oferecendo polpudas bolsas que cooptam determinadas pessoas de forma personalista e clientelista, de forma inclusive a prejudicar terceirosd+ seja influenciando a nossa instituição (inclusive em eleições para reitor, direção de centro, ou mesmo de centros acadêmicos) em função dos interesses particulares de um pequeno grupo.

Neste sentido, cabe garantir a isenção no uso dos recursos que são repassados através das fundações, e isto se alcançaria mais facilmente se houvesse impedimento de acúmulo de cargos de direção de uma fundação e de direção de uma unidade universitária, evitando-se uma ambígua duplicidade, a confusão e o acúmulo de poder. Há que depurar! E isto não será fácil nem indolor, dado o entranhamento que existe entre o CTC e a Feesc, como está posto estatutariamente.

No caso do professor Julio Szeremeta, ele, como qualquer outro docente, tem todo o direito de defender a Feesc, e, se preciso for, brigar contra a intervenção, inclusive na justiça. O problema todo é a duplicidade de funções que o professor Julio vive: por ser diretor do CTC, sua atuação para reverter ações impetradas pela interventora acaba por ter uma ampla repercussão política. Porém, ele era exatamente o presidente da Feesc que foi afastado pela intervenção, e que deveria, portanto, se manter nesta condição para que os trabalhos de investigação seguissem normalmente sem obstáculos. Portanto, sua ação, por não se primar pela transparência em relação às causas da intervenção, demonstrando certa impaciência para com a mesma, resulta ser prejudicial à própria Feesc e, conseqüentemente, ao CTC.