Em respeito à História: o ‘aparelhismo’ no Movimento Docente

A Apufsc é uma sociedade civil, uma associação de professores fundada em 1975, como uma associação recreativa e refundada no período entre 1975 e 1980, ao final do qual teve o seu estatuto publicado no Diário Oficial do governo do estado de SC, em 12/09/1980. 

Em seu estatuto atual, que virou regimento interno em função de sua filiação à Andes em 1990, suas finalidades são a de congregar, representar e defender os interesses e direitos dos professores da Universidade Federal de Santa Catarina.

O ano de 1975 foi, também, o ano da “Operação Barriga Verde” quando foram presas 42 pessoas em Santa Catarina e quando pela primeira vez se usou a tortura sistemática como forma de obter informações e confissões para montar inquérito e abrir processo. Entre os presos estava o professor Marcos Cardoso do Departamento de Engenharia Elétrica.

Foi também nesse período (1976-1980) que o professor Caspar Erich Stemmer assumiu a Reitoria da UFSC estando à origem da instalação definitiva da UFSC em seu atual campus e do Hospital Universitário.

Em 1979, assumia a presidência da república o General João Baptista Figueiredo. Em 29 de agosto de 1979, foi aprovada a Lei da Anistia e em 22 de novembro a Lei Orgânica dos Partidos, que extinguia a Arena e o MDB e restabelecia o pluripartidarismo no país. 

Nos anos de 1978-1980, um intenso debate político propagou-se nas universidades, reflexo do momento histórico vivido pela Nação. Neste período surgem importantes Associações de Docentes (ADs). Em quase todas as Universidades do País, os docentes, se organizam. Neste período, os Encontros Nacionais de ADs  tiveram importância decisiva na integração e consolidação do Movimento Docente nacional. Assim, no final da década de 70 o Movimento Docente consolida-se nacionalmente.

 “A sociedade e os professores aí incluídos acabaram por chegar à conclusão de que se esgotara um ciclo de regime autoritário e que não era mais possível que a imposição pela força, que a falta de participação política, que a repressão, ditassem os rumos gerais de uma sociedade já então muito mais complexa, muito mais diferenciada, que havia evoluído de 1964 a 1978”. “Os professores se mobilizaram em três patamares. O primeiro patamar de mobilização, aquele que unia a todos, era o da luta política geral pela democracia, pela revogação das leis de exceção, pela reintegração dos docentes cassados pelo regime autoritário, pela anistia ampla, geral e irrestrita. O segundo patamar era o da luta sindical geral, que era parte da luta mais ampla. Muitos líderes do Movimento Docente estavam atentos ao surgimento do que se passou a chamar de novo sindicalismo, o “sindicalismo de massas” que aflorou na região do ABC paulista, no movimento dos metalúrgicos. O terceiro patamar era a questão da luta específica em defesa do ensino público e gratuito. Os docentes estabeleciam uma ligação profunda entre a luta pela democratização da sociedade e a busca de democracia interna, como um exercício do direito de cidadania. A universidade pública passou a ser defendida como a universidade democrática.” (Maciel, Osvaldo de Oliveira, Trabalhando a luta, construindo a história. Universidade e Sociedade, v. 1, nº 1, fevereiro de 1991, p. 68-75.).

No início da década de 80, as greves das IES Autárquicas, em virtude da redução do valor real dos salários dos professores marcaram o movimento, dando-lhe o caráter de confronto, cada vez mais aberto, com a política econômica e educacional do governo.A criação da Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior (Andes) foi marcada pelo confronto de duas concepções: uma que defendia uma federação de ADs  e outra que propunha uma associação nacional que propiciasse uma maior participação de base. No confronto entre estas duas concepções, federação versus associação nacional, venceu o segundo grupo, que havia defendido a deflagração da histórica greve de 1980. 

A partir do início da década de 90 nota-se o desgaste deste tipo de engajamento e o fortalecimento da individualidade e da identidade.

Com o retorno do país à normalidade democrática desapareceram as razões de mobilização a não ser na luta por melhores salários e por melhores condições de trabalho. O “sindicalismo de massas” enfraqueceu diante das lutas internas entre as esquerdas que dividiu os trabalhadores, fracionando os sindicatos e as organizações de classe e, também, os professores que, em sua maioria, retornaram às atividades acadêmicas, afastando-se das atividades sindicais.

Os poucos que sobraram, profissionalizaram-se na vida sindical e hoje, por serem minoria, controlam o movimento docente através de práticas de “aparelhismo” (isto é, de práticas segundo a qual o poder é um instrumento a ser conquistado e controlado por uma organização política submetida a regras e lealdades auto definidas e sobre o manejo dos recursos de poder, incluindo o financeiro).

Esse conjunto de práticas afastou o “movimento docente” dos docentes das IES. 

Os objetivos para os quais as AD”s e a Andes foram criadas como uma força de representação desses docentes são, hoje, em essência, a “defesa do ensino público e gratuito”, o apoio aos “movimentos sociais organizados” e a “luta contra o imperialismo” contrapondo-se aos anseios bem mais concretos de “melhores salários” e “melhores condições de trabalho” da grande massa dos professores das universidades.

Uma de suas bandeiras recentes é a “contra-reforma universitária”.

Os “sindicalistas” que, presentemente, controlam o Movimento Docente condenam: a) a “meritocracia”, alcunhando-a pejorativamente de “produtivismo”d+  b)  as fundações de apoio, considerando-as como mecanismos de “privatização” da universidade públicad+ c) o CNPq e a sua política de apoio à pesquisa nas universidades considerando-o como fonte de “pressão produtivista”d+ c) a Finep, considerando a sua política de financiamento à pesquisa excessivamente direcionada pelos “interesses do setor de produção”.

A valorização do mérito e a utilização de recursos de empresas para o financiamento da pesquisa nas universidades são práticas correntes em todos os países desenvolvidos (e em vários outros países não tão desenvolvidos) e os “sindicalistas” sabem disso. 

Mas, ignorar o que está nos jornais é um exercício “aparelhista”. 

Assim como o é o fato de ainda não se dispor de uma lista de discussão entre os associados da Apufsc, que aproxime os professores das diferentes áreas sobre as preocupações que lhes são comuns.

Assim com são “práticas aparelhistas” as deliberações de meia dúzia sobre assembléias vazias. 

O texto abaixo foi publicado em 2000, por Célia Regina Otranto citando Pedro Rabelo Coelho (1996). Estamos em 2007, mas o texto continua atual.

“Para a refundação do movimento sindical universitário, o desafio que parece estar claramente colocado hoje, é o de superar a distinção na atividade dos docentes, entre o campo “sindical” e o campo “acadêmico”. Trata-se de entender que a preservação da identidade do trabalho acadêmico não se contrapõe à defesa do salário e de melhores condições de trabalho.  Pelo contrário, o Movimento Docente terá mais força política à medida que integrar a luta salarial com a atuação acadêmica institucional. Do contrário, se o Movimento Docente restringir sua luta exclusivamente ao aspecto econômico corporativo, ele perderá muito de sua força junto à sociedade e então, mesmo contra a sua vontade, acabará absorvido na lógica dominante do sistema econômico político vigente.” (Otranto, Célia Regina, Movimento sindical docente: história e crise, Revista Universidade Rural – Série Ciências Humanas, volume 22, número 02, jul/dez 2000, Coelho, Pedro Rabelo. Sindicalismo na Universidade: um estudo do movimento docente.Santa Maria: Sedufsm/Andes, 1996). 

O “sindicalismo de massas” foi muito importante ao final da década de 70 para a reconstrução da democracia e o professor Oswaldo Maciel e os líderes do movimento docente, neste importante final de década, terão sempre o nosso reconhecimento, sobretudo daqueles professores que viveram a ditadura militar em nosso país, sem direitos humanos. Mas os tempos presentes são outros.

O sindicalismo do professor não é, hoje, o mesmo sindicalismo dos operários do ABC. Greve no ABC significa milhões de reais de prejuízo a cada dia. Greve de professor significa “reposição de aulas” nas férias.

O professor, como cidadão, vai às reuniões da sua associação de bairro, tem preferências político-partidárias, luta pelo ensino público e gratuito de qualidade, para os seus filhos terem onde estudar, acompanha os movimentos sociais e tem opinião sobre o MST.

O professor, como Professor, deixa o seu partido político no portão da universidade e vem para cá para trabalhar em sua pesquisa e com os seus alunos, corre atrás de recursos e de bolsas nos órgãos de fomento e nas empresas, para montar o seu laboratório e para os seus alunos terem onde estudar.

O professor, como Professor não se vê como um “trabalhador da educação”, mas como um agente de transformação social de grande importância para o país.

O professor, como Professor, contribui, hoje, dessa forma, ao movimento docente, dando-lhe autenticidade e, sobretudo, uma identidade própria e não entende o que faz a sua associação, mantida com a sua contribuição, ser “contra” as fundações de apoio e “contra” as políticas de financiamento da Finep e as de incentivo do CNPq.

Este professor, também não entende o que faz a sua associação estar, em dias pares, de mãos dadas com a CUT e, nos ímpares, com o Conlutas.

A não ser como “manobras aparelhistas”.