Professor universitário: decifrando o enigma

Não somos sindicalistas, mas professores. Na língua portuguesa há a maravilhosa e rara distinção lingüística entre ser e estar. “Estou presidente”, mas continuo professor com todas as atividades normais.

Nunca fui um militante sindicalista, apesar de sempre ter estado nas bases da Apufsc. Por opção, em geral estive na retaguarda. Venho de uma outra cultura política. Por um acidente, tornei-me presidente, e rapidamente percebi o isolamento da Apufsc do conjunto dos colegas. Isto pode e deve mudar na direção duma real democracia que permita a expressão de todos os sócios da Apufsc.

As mudanças tecnicamente não são difíceis. É relativamente simples ter uma instituição sindical que não exija “saco para batalhar” dentro dela, nem exija que quem queira dela participar se torne um profissional sindicalista (o que é imposto pela atual forma de praticar sindicalismo dentro da Apufsc), e tenha de renunciar à condição de pesquisador. Porém, não se trata meramente de reformar as formas e procedimentos, mas modificar hábitos, mentalidades e poderes cristalizados. E isto incomoda a um pequeno grupo que, como uma vanguarda sem retaguarda, se acha dono do pedaço.

Estamos no meio de um fogo cruzado: de um lado os que não querem mudar (reacionários, conforme a etimologia da palavra)d+ de outro os que querem até destruir o sindicato. Porém, a grande maioria quer mudança. Queremos mudar sem perder as raízes históricas, mas também sem deixar de olhar para o futuro. Cabe seguir para frente sem deixar que os extremos minoritários e antidemocráticos dominem.

Quem me conhece sabe que não estou aqui para aventuras nem vanguardismos. Está em curso um processo de mudança da Apufsc, pois muitos já discutem um novo Regimento. Ou seja: a Apufsc será refundada.

Obviamente, em toda a longa história da Apufsc já ocorreu algum tratamento dos reais problemas dos professores. Mas se isto fosse toda a verdade não estaríamos no isolamento e esvaziamento atual. Quando houve um debate sério na Apufsc sobre as exigências produtivistas da Capes? Quando o sindicato enfrentou a distribuição das verbas da Capes e do CNPq, a falta de verbas para as ciências humanas e sociais? A delicada e polêmica questão das fundações nunca foi objeto de uma única assembléia, em que pese o assembleísmo excessivo e asfixiante.

Por tudo isso, e muito mais, o sindicato ficou esvaziado e sem prestígio. Nele predominavam pessoas que se retiraram da vida acadêmica e optaram pela militância sindical, numa triste divisão de trabalho.

Face a pluralidade intrínseca à vida universitária, é fundamental que dentro do sindicato se realize um debate político democrático. Podemos ter um sindicato de fato representativo das suas bases, apto para os embates que são cada vez maiores. Em toda relação de trabalho sempre haverão lutas a serem travadas. Se decifrarmos o enigma da condição de professor universitário, se entendermos que tipo de trabalhadores somos, e construirmos uma forma institucional disto se expressar, temos grandes chances de ter um sindicato vivo e forte. Hoje tanto não entendemos quem somos nós, quanto não temos os canais adequados de expressão para esta militância que brota da nossa condição intelectual.

Ou seja: não trabalhamos todos sincronicamente, como a maioria dos operários que trabalham conforme o tocar de uma sirene ou batem ponto. Nossos ritmos de trabalhos não são homogêneos (como o é inclusive dos nossos companheiros servidores da UFSC). A não ser em ocasiões extraordinárias (como uma greve), não é possível reunir a todos os colegas para um encontro deliberativo num determinado instante. Isto vale seja para uma reunião de Diretoria da Apufsc, reunião de Departamento, ou para uma assembléia. 

Portanto, não basta repensar a forma das assembléias (de modo a torná-las objetivas), pois nunca conseguiremos que todos – e talvez nem mesmo a maioria – consiga estar presente simultaneamente num exato momento. Ou seja: no mesmo horário alguns estão lecionando, outros estão orientando, outros encaminhando um relatório cujo prazo está se esgotando, outros participam duma banca, outros fazendo um pós-doutorado, outros estão num congresso, outros estão seduzidos por uma leitura…

Neste sentido, cabe ter formas de consulta adequadas a esta não sincronicidade, a esta pluralidade de ritmos. E isto sempre foi perfeitamente possível, mas hoje é muito mais fácil com as tecnologias de comunicação que dispomos, que nos permitem dialogar em tempos diferentes. Isto não significa a eliminação das assembléias, mas compatibilizá-las com outros instrumentos que facilitem a participação de todos.

Mesmo os que resistem as mudanças reconhecem que há uma água suja para ser jogada fora (preservando, obviamente o bebê). A Apufsc vai mudar, com ou sem a atual Diretoria. Este processo de mudança pode ser mais ou menos conflitivo. Mas não dá mais para permanecer como está, com esta importante entidade isolada condenada à irrelevância dentro da UFSC.