Desperdício inaceitável

Para aumentar sua eficácia institucional, a UFSC precisa oferecer contribuições cada vez mais significativas à sociedade catarinense e brasileira. Nos seus anos iniciais, nas décadas de 60 e 70, a oferta de bons cursos de graduação já se constituiu num grande passo neste sentido. Algumas áreas profissionais encontram-se atualmente nesta fase. Nas décadas seguintes, a preocupação maior voltou-se para a pós-graduação e a pesquisa. Iniciando pelo mestrado ou pela especialização, várias áreas já alcançaram bom desempenho no doutoramento nas décadas de 80 e 90. A UFSC entrou no século XXI em um elevado patamar de destaque em âmbito nacional. Para completar o tripé previsto na constituição federal, o foco seguinte situa-se na extensão. 

 As universidades brasileiras já apresentam expressivos casos de sucesso nas interações com entidades externas. O Plano Real, que conseguiu debelar a crônica e desafiante inflação nacional, foi concebido em universidades do País. As descobertas e a retirada de petróleo em águas profundas também tiveram e continuam tendo significativas contribuições da comunidade universitária. Os avanços nos biocombustíveis, que colocam o Brasil na vanguarda mundial, são igualmente bem respaldados nas universidades. A Embraer é outro exemplo de destaque internacional decorrente dessas interações bem-sucedidas. Em Santa Catarina, o desempenho, em dimensão nacional e internacional de empresas como a Weg e a Embraco, está diretamente relacionado com ações de extensão universitária envolvendo a UFSC.

Em meados da década de 80, a França fez a reforma de sua reforma universitária. O governo francês constatou que as universidades daquele País realizavam pesquisa de bom nível internacional, mas os conhecimentos resultantes acabavam sendo apropriados por empresas do exterior, não beneficiando adequadamente a sua população interna. A ênfase foi então colocada na extensão. Na década de 90 essa reforma foi completada com a legislação de apoio à inovação, que serviu de modelo inicial para a correspondente lei brasileira.
No caso do Brasil, por ser a pesquisa e a pós-graduação ainda muito recentes, constata-se que cerca de 80% do pessoal com competência para desenvolver novos processos e produtos está atuando no sistema universitário. Nas nações mais desenvolvidas e mesmo em países emergentes, como a Coréia do Sul, esse mesmo percentual está trabalhando nos sistemas produtivos externos, aumentando sobremaneira a eficácia dos processos de transferência de conhecimentos e inovação. Alem disto, até a década de 80, o Brasil utilizava um sistema de comércio exterior bastante fechado. Neste ambiente, as empresas não precisavam inovar. Bastava adquirir no exterior “know-how” de processos e produtos obsoletos e comercializar no mercado interno. Considerando esgotado o modelo de substituição de importações, o Brasil promoveu, na década de 90, a abertura de sua economia. A cultura de inovação ainda hoje encontra muitas resistências para ser efetivamente internalizada nas empresas brasileiras. 

Num contexto de competitividade cada vez mais acirrada, de dimensão internacional, a melhoria contínua da qualidade e o aumento da produtividade dos sistemas de produção, associados às inovações tecnológicas, tornam-se  imprescindíveis. Além disto, na atual era da informação e do conhecimento, a dinâmica dos processos de mudança acelera-se bastante. Os conhecimentos científicos são rapidamente transformados em tecnologias que modificam os sistemas produtivos de bens e serviços. As formações universitárias de graduação, com quatro a seis anos de duração, e mesmo as pós-graduações (mestrado e doutorado) tornam-se demasiadamente longas para propiciar o desejado repasse, com a adequada agilidade, de conhecimentos à sociedade que financia a universidade pública. Os ex-alunos também acabam ficando desatualizados. Em umas poucas áreas profissionais, como é o caso da medicina, alguns profissionais conseguem manter-se atualizados participando de congressos. 

A extensão apresenta diferentes conotações nas diversas áreas da Universidade. Algumas estão mais próximas dos sistemas produtivos, como é o caso das engenharias. As áreas básicas normalmente têm mais dificuldades de promover interações. As ciências humanas, atuando como instâncias críticas, também encontram restrições de apoios não-governamentais. A Universidade, por seu lado, ainda está demasiadamente compartimentada, dificultando uma atuação sistêmica mais eficaz. A realidade dos sistemas de produção é essencialmente interdisciplinar e orgânica. O maior desafio que se coloca na extensão é a formação de equipes multidisciplinares para gerar conhecimentos mais apropriados para resolver os problemas relevantes da sociedade brasileira. As universidades são as únicas entidades com efetiva capacidade de operacionalizar uma abordagem realmente holística. 

Para que a extensão ocorra com a efetividade e a eficácia almejadas pela sociedade, atendendo suas múltiplas carências, torna-se indispensável a existência de mecanismos apropriados de apoio. Os processos de aprovação acadêmica devem ser corretamente desenvolvidos. Os relacionamentos com organizações externas precisam ser bem definidos e formalizados através de convênios e contratos bem elaborados. A execução dos projetos exige a aquisição de materiais especiais e a contratação de serviços e de pessoas competentes. Os direitos de propriedade intelectual necessitam atenções especiais. As prestações de conta e a gerência financeira são, em geral, bastante trabalhosas. Os docentes não dispõem de tempo e de competência para realizar várias destas tarefas. 

Mesmo em universidades mais consolidadas e autônomas, como é o caso da USP, só se tem conseguido efetivar diversos desses apoios com o envolvimento de fundações de apoio especialmente estruturadas e organizadas para atuar nesse complexo contexto pluridisciplinar. Órgãos de fomento, como a FINEP do MCT, reconhecem a necessidade da interveniência de tais instituições. Cabe às instâncias estatutariamente competentes das universidades o estabelecimento  dos regulamentos necessários para que as atividades de extensão se enquadrem perfeitamente nos princípios que regem a instituição. Segundo relatou, em palestra na UFSC, a ex-reitora e ex-presidente da Andifes, professora Ana Lúcia Almeida Gazzola, a UFMG promoveu esta regulamentação. Os cuidados com a lisura e legalidade dos procedimentos devem ser redobrados no caso de universidades públicas como a UFSC.

O que definitivamente não pode acontecer é que ações indispensáveis de extensão não sejam realizadas por incompetência ou desídia na implementação dos mecanismos apropriados de apoio. Os docentes da UFSC foram capacitados com muito esforço pessoal e elevado investimento público em renomadas instituições do Brasil e do exterior. Ensinando, pesquisando, orientando alunos, participando de bancas e de reuniões científicas, os professores amealham um grande volume de conhecimentos que necessita ser eficazmente colocado à disposição da sociedade. O extraordinário potencial de geração e de acesso a novos conhecimentos altamente relevantes, em âmbito mundial, da comunidade universitária deve ser efetivamente socializado em tempo real para onde for necessário. Torna-se imperioso fazer cada vez melhor aquilo que é indispensável ser feito. A indissociabilidade constitucional tem de ser respeitada. Como bem afirmou o dirigente da Weg, ex-aluno da UFSC, em palestra sobre a cooperação universidade-empresa: “ O pior dos desperdícios é o desperdício do conhecimento”.