O grande nó

Os professores da UFSC estão sendo solicitados em seus departamentos e centros a discutirem uma proposta de reforma de sua associação, a Apufsc, elaborada pelo Conselho de Representantes e cujos princípios básicos são: i) a exigência de um quorum para as assembléias tanto de instalação quanto de deliberaçãod+ ii)  a exigência de uma completa independência do Conselho Fiscald+ iii) que as decisões de greve envolvam a maior participação possível dos professores que estão no efetivo exercício do magistériod+ iv) um Conselho de Representantes forte atuando como o centro de decisões da Apufsc e v) a exigência de que as deliberações em todas as instâncias da Apufsc obedeçam aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economia e eficiência.

São princípios básicos de uma associação, considerada como uma entidade de direito privado, dotada de personalidade jurídica e caracterizada por um agrupamento de pessoas que, aqui, envolvem os professores da UFSC, do ensino fundamental, médio e superior que estão no efetivo exercício do magistério ou aposentados.

Sendo princípios básicos por que a ênfase sobre coisas óbvias?…

A primeira observação é que esses princípios não estão sendo atendidos na Apufsc. Não há quorum para as assembléias, decisões importantes sendo tomadas por um número muito pequeno de associados, incluindo as de greve. O Conselho Fiscal e a Diretoria são eleitos numa mesma chapa e num mesmo dia. O Conselho de Representantes não existiu durante mais de 20 anos e as convocações de assembléias pela Diretoria da Apufsc são feitas sem qualquer consulta prévia ao Conselho, como se ele continuasse a não existir e com o mesmo resultado: assembléias vazias. As prestações de contas são feitas com itens amontoados em rubricas achatadas que nada informam, não se dando publicidade a gastos específicos que seriam do interesse do associado e sobre os quais ele gostaria de opinar e os nossos representantes na Andes e em outros lugares voltam sem os relatórios que precisamos ler.

A segunda observação é que as pessoas que detiveram o poder da Apufsc, durante todos esses anos, acostumaram-se a este poder e estão reagindo e irão reagir contra este processo de reforma.

Além disso, o presente processo de discussão da nossa proposta de reforma do regimento geral da Apufsc deixam aparentes certos “nós” no trânsito sindical que estão à origem de um esforço de resistência à proposta de um novo sindicalismo universitário.

O grande nó se baseia no temor do “congelamento” político da Apufsc quando o poder de decisão passar a ser do Conselho de Representantes e em conseqüência do professor, em sua individualidade.

O professor é um ser acadêmico individualista. Suas preocupações são a “sua” pesquisa, as “suas” idéias, o seu conhecimento, a “sua” atividade de criação, a “sua” comunidade científica e os “seus” alunos com quem ele também aprende e dos quais a sua atividade de criação depende.

O sindicato pressupõe a renúncia à esta individualidade por uma causa coletiva.

E a grande questão que os nossos oponentes estão colocando ao processo de reforma que estamos propondo para o sindicalismo universitário é esta: “Como entregar o sindicato nas mãos de pessoas, que são intrinsecamente individualistas?…”

Esta preocupação foi o norte da Apufsc durante toda a sua existência de 30 anos… e de todas as associações de docentes que se formaram nas décadas de 70 e 80 no Brasil, em resposta ao regime militar.

As decisões em AG vêm de lá. Tínhamos, todos, motivações comuns: a liberdade de expressão, os direitos dos trabalhadores, o combate às elites que dominavam o país (e que ainda dominam), a reforma agrária (que ainda não foi feita)… e os professores iam em massa às AG”s sob uma motivação comum a todos.

De lá para cá muita coisa mudou.

O muro de Berlim caiu, a União Soviética ruiu e o PT compreendeu que governar um país pressupõe uma importante renúncia ideológica, acordos e pactos. E o de sempre: virou um partido como todos os outros, trocando a cesta básica pela bolsa família.

E as nossas AG”s ficaram vazias. Os professores ficaram mais maduros e mais individualistas em uma comunidade mais plural sem uma causa de combate comum. Dividiram-se em “acadêmicos”, e “sindicalistas”…mas não só. A universidade entrou em crise de prestígio e o empreendedorismo passou a ser um predicado importante e uma condição de sucesso.

O professor empreendedor é estimulado, caçado e bem pago em países como os Estados Unidos, Inglaterra…e outros que não estão no meu dicionário. É o agente que carreia recursos para a instituição e que transforma chumbo em ouro.

A diferença entre lá e cá é que, lá, o empreendedorismo fica sob o controle da instituição. E, aqui, não.

Além disso, a universidade em crise perdeu a sua unidade e transformou-se num amontoado sem conceito.

E quando você está num amontoado sem  vínculos  institucionais você rapidamente passa de empreendedor a “empresário”.

E os “sindicalistas”?…

Os sindicalistas estão lá fora, junto com os sem-terra e com os sem–nada. Achando que o pesssoal que planta tomates é que está com a razão. Plantam tomates com a camiseta do Conlutas e não enxergam a diferença entre um trabalhador que aperta botões e um “trabalhador da educação”.

Vive-se então dois extremos. Num extremo, os “empresários” transformando as suas salas em “escritórios de negócios”. No outro extremo, os “sindicalistas” transformando a nossa associação num “aparelho” de poder, mais preocupada com o que se passa lá fora do que com o que se passa aqui dentro.

Para ambos os extremos interessa a crise de conceito que vivemos. A universidade em crise muito pouco pode exigir desses dois extremos, a não ser que as aulas sejam dadas, que não haja faltas…e que não haja escândalos.

E a Universidade?…Onde ela fica em toda essa história?…

A universidade depende dos acadêmicos, a grande parte de todos nós, aqueles seres, sim, individualistas, mas que estão aqui porque não poderiam estar em outro lugar. Que respiram este ar daqui e que não podem viver sem ele. Que trabalham durante a semana e corrigem provas durante os feriados.

E aqui, voltamos ao nó: “Como entregar o sindicato nas mãos de pessoas, que são intrinsecamente individualistas?…”Como fazer com que o sindicato não acabe reproduzindo a própria universidade, sem vida política?…”

Em minha opinião, a primeira condição para isso é que este professsor seja solicitado a dar a sua opinião sobre as questões do sindicato.

E este é um outro nó.

As AG”s foram feitas para que este professor não dê opinião. Quando elas são cheias a sua opinião fica abafada pelo tempo e pelos encaminhamentos e questões de ordem em fila com uma sequência de oradores que se alternam sobre uma mesma idéia. Quando elas são vazias é porque ele já cansou de não ser ouvido e não está lá.

E elas foram feitas assim pelos motivos acima: “Aqui só dá opinião quem se dispõe à causa coletiva. Quem veste a camiseta do sindicato. Quem dedica a sua exclusividade institucional para ele. Quem concorda em fazer barraquinhas para arrecadar dinheiro. Quem se dispõe a sentir o cheiro do suor do trabalhador. Quem tem coragem de peitar o governo no peito.”

Todos sabemos que este modelo esgotou-se. Temos uma série quase infinita de AG”s vazias mostrando isso.

O professor cansou de não ser ouvido, não vai mais às AG”s e não dá qualquer importância ao seu sindicato a não ser para o seu plano de saúde e para as questões trabalhistas, quando ele precisa de uma Assessoria Jurídica.

O plano de saúde está mudando de banda, indo lá para o prédio da Reitoria e a questão da URP não está recebendo o apoio das pessoas que controlam a associação, indo talvez exigir a organização individual das pessoas que se sentem prejudicadas, numa ação jurídica contra o governo, considerando a existência de uma causa transitada em julgado, redescoberta pelo professor Armando Lisboa.

A Andes está sem o seu registro sindical… e a Apufsc e o Movimento Docente estão numa m.

Vamos continuar com este modelo ou vamos tentar reerguer a Apufsc, como associação de docentes e quiçá como um sindicato?…

E aqui voltamos ao grande nó: “A opinião do professor acadêmico, individualista, em sua sala, vai modificar alguma coisa?…”

Vários partidos políticos no Brasil desaparecem quando morrem os seus líderes. É o partido do líder e não o partido dos filiados. As idéias são as do líder e os filiados estão ali mas poderiam estar em outro lugar.

A Apufsc é a associação dos sindicalistas e as AG”s foram feitas para mantê-la em suas mãos.

Precisamos que a Apufsc seja a associação dos professores da UFSC e, em minha opinião, a solução para o nosso “grande nó” passa por um caminho de duas vias: i) você precisa fazer os problemas da Apufsc (e do Movimento Docente) chegar ao professor em sua salad+ ii) você precisa fazer a opinião deste professor ser respeitada.

Quando este professor sentir que a sua opinião estará influindo sobre os destinos de sua associação ele se sentirá responsável por ela.

E estará motivado para uma causa coletiva.

Quando isso acontecer, o nosso necessário esforço de ação política ficará diluído entre todos os professores e não mais precisaremos segregar “sindicalistas” e “acadêmicos”.

Mas isso precisa acontecer.

Como criar este caminho de duas vias?…

Criando vasos de circulação entre os professores e o sindicato, através dos seus representantes no Conselho.

Essa não é uma idéia nova e é tão antiga quanto o regimento atual cuja origem é a década de 80, mas a “cultura” sindical que aqui se desenvolveu considerou os seus representantes mais como “moleques de recado”, como agentes para a “mobilização” dos professores sobre as idéias e as práticas dos sindicalistas. Um caminho só de ida.

E isso fez com que a Apufsc ficasse por mais de 20 anos sem CR.

E isso ninguém mais aceita.