Política de cultura na UFSC

A criação da Secretaria de Cultura/UFSC é uma novidade auspiciosa que configura, no mínimo, uma oportunidade para fortalecer a agenda da área de cultura, artes e humanidades dentro da UFSC.

A designação da profa. Maria de L. Borges para dirigir a Secretaria indica que ela não está destinada para figurar como a cereja do bolo da nova administração. Neste momento de gênese, há que precisar a compreensão de Cultura com a qual esta Secretaria trabalhará, pois isto definirá a agenda de ação da mesma para os próximos quatro anos.

Cabe não se aprisionar do enquadramento culturalista, onde a cultura é tratada apenas como elemento estético e decorativo. Opondo-se a isto, na América Latina a teoria da dependência foi para outro extremo, descartando a importância da dimensão cultural: ao acentuar, obviamente, o fenômeno da dependência, insiste em definir a identidade latino-americana através do marco econômico, como se a dependência fosse nossa particularidade.
Se é na eterna busca de sentido – quem somos nós? – que a cultura está imbricada, ela não pode abstrair os dramáticos dilemas contemporâneos, ignorar que a extrema desigualdade, os graves conflitos e os jogos de poder redefinem os significados, fazendo dos mesmos instrumentos de luta política.

As atuais transformações societárias acentuam a importância da cultura no metabolismo econômico (Weber revive, ainda que às avessas) e do imaterial. Mesmo a estetização disseminada demonstra uma transformação na natureza do capitalismo, conclui Eagleton (in “A idéia de cultura”). Na globalização, uma determinada cultura estendeu-se pelo planeta. A luta da “civilização contra a barbárie” (Sarmiento ecoa …) continua forte nas políticas imperiais hegemônicas. Contra a estandardização dominante surgem tanto reações superparticularistas, quanto a busca dum genuíno universalismo não eurocêntrico.

Numa perspectiva pós-colonialista, cabe adotar não a política cultural como linha de atuação para a Secretaria (reduzindo-a apenas a fomentar o consumo de bens culturais, como teatro, cine …), mas a política da cultura. Ou seja: a cultura é também um elemento constitutivo da política, redefinindo-a, contribuindo decisivamente para a conformação dum projeto nacional aberto à uma perspectiva cosmopolita.

Celso Furtado, nosso economista maior e tendo sido o primeiro Ministro da Cultura, defendeu que a primeira condição para liberarmo-nos do subdesenvolvimento é assumir nossa própria identidade, exortando para “que exorcizemos os fantasmas de uma modernidade que nos condena a um mimetismo cultural esterilizante” (in “Brasil, a construção interrompida”, 1992). O gênio inventivo de um povo, sua criatividade vital, apenas é liberado quando o padrão de desenvolvimento adotado apóia-se na identidade cultural nacional, a qual jamais é unitária em si mesma, nem puramente autêntica e fechada a outras tradições.

Os países tropicais, enquadrados colonialmente, adotaram técnicas inadequadas à sua exuberante realidade ecológica e diversidade cultural, desprezando a abundância de luz, calor e umidade, seus povos mestiços, misturados e “impuros”.

Nossa condição colonial deriva do pensamento eurocêntrico (inclusive de esquerda), que estigmatizou nossa natureza e nossa cultura. Mas, isto está a mudar, pois Gilberto Freire (que criou a “tropicologia”) frutifica em Köln, Alemanha, onde existe um Instituto para a Tecnologia nos Trópicos (www.tt.fh-koeln.de). Quantos Institutos semelhantes existem na América Latina?

O divórcio entre as políticas econômicas desenvolvimentistas e nossa matriz cultural barroca tem gerado uma modernização dependente, modernismo sem modernização, modernidade sem desenvolvimento integral.
Cabe recusar o modelo único e pretensamente universal de modernização que confunde modernidade com mera industrialização mimética. Há múltiplas vias de construção da modernidade. Nossa forma de adentrar na modernidade não pode mais se pautar por tecnologias que ignoram nossas singularidades. Ou seja: podemos ser modernos e diferentes, sem deixar de ser “indios”.