Outra versão para o grande nó

Sucessivos artigos têm sido publicados no boletim da Apufsc, cujos objetivos são discutir os “novos tempos e novos caminhos” a serem trilhados pelo sindicato. O momento é de reflexão e debate. Neste contexto, se insere o artigo intitulado “O grande nó” de autoria do professor Paulo Philippi (Boletim 639, 02/06/08). 

Um artigo interessante e importante neste momento de redefinições, pois traz ao debate algumas questões e fatos que eu também considero “grandes nós”, porém, tenho uma leitura profundamente diferente da que foi explicitada no referido artigo no seu conjunto, embora concorde com algumas colocações pontuais. 

E este é um dos pontos centrais claramente evidente a partir do artigod+ existem diferentes visões e conceitos sobre a Universidade, sobre o trabalho docente e sua inserção na realidade do país, sobre o que é coletivo e o que é interesse individual e inclusive sobre o conceito de sindicato. Ressalte-se aqui que este fato é normal e salutar em um ambiente universitário. 

Aqui começam as nossas diferenças. A tentativa de desqualificar as posições diferentes, particularmente, as posições dos integrantes das diretorias da Apufsc, reduzindo este debate à simplesmente “uma disputa pelo poder”, é lamentável, pois não condiz com a propalada condição acadêmica

A tentativa, no entanto, é  recorrente. Prossegue ao querer desqualificar academicamente os que têm estado em torno do sindicato, colocando-os como indivíduos que se movem por interesses alheios à vida acadêmica, como se não tivessem alunos, trabalho de pesquisa, não orientassem, em suma, como se não tivessem todos os mesmos compromissos e rotina na Universidade. 

O autor do artigo usa de deslealdade e manipulação ao tentar se antecipar dizendo “eu sou portador da verdade, falo em nome dos professores e, cuidado, aqueles que estão agarrados ao poder vão me contestar.”  E que fique claro, não estou aqui abrindo uma série cansativa de artigos para polarizar ou fazer discussão pessoal com o autor do texto. 

Trata-se, isso sim, de fazer um debate sobre a natureza do trabalho docente e que tipo de organização devem ter os docentes, obviamente, articulada com a discussão de um projeto e concepção de Universidade Pública. Sim, vamos fazer um debate dentro de um contexto político amplo, coerente com a nossa condição de educadores, formadores de opinião, intelectuais, pesquisadores. Devemos ser capazes não apenas de gerar um produto tecnologicamente interessante do ponto de vista do mercado, mas, para além, devemos ter um compromisso com as políticas públicas, nas áreas de educação, saúde, organização política e tantas outras. 

“Ah”, alguns vão dizerd+ “esse não é o papel do sindicato. “Queremos um sindicato livre de ideologias políticas””, para usar uma expressão do próprio professor Paulo Philippi. Ora, como se fosse realmente possível. Sindicato é essencialmente uma forma de organização política de trabalhadores para tratar de questões também essencialmente coletivas. 

Outro grande equívoco é o fato do professor Paulo Philippi, repetidas vezes, caracterizar e justificar o surgimento do movimento docente e todas as nossas reivindicações simplesmente como resposta ou enfrentamento à ditadura militar. E num raciocínio bem simplista, diria até pueril, como a ditadura militar não existe mais, não há mais a necessidade do sindicato se organizar e fazer os enfrentamentos que faz. Sem comentários.

Mais curiosa, surpreendente, e até mesmo contraditória, é a posição assumida por esse mesmo grupo de docentes que se sente afrontado quando é chamado de trabalhador, denominação que colide com sua condição intelectual. Ao mesmo tempo em que se sentem indivíduos diferenciados, querem um sindicato com um papel bastante limitado, que mais tem a cara de um escritório de assessoria, prestador de serviços, que encara a questão salarial e de condições de trabalho simplesmente como um problema técnico e não político. 

O que justifica essa posição? Apenas conservadorismo político? Obviamente, não. Neste ponto, o artigo “O Grande Nó” traz uma grande contribuição. No fundo ou em resumo, as palavras do autor do texto querem dizer: o sindicato não pode se confrontar com os interesses individuais dos docentes. E aí o texto faz um grande discurso sobre a nossa natureza individualista e a maneira como ela se expressa na Universidade, caracterizando muito bem a figura do professor empreendedor que desemboca na figura do professor empresário. Destaca-se: O professor é um ser acadêmico individualista. Discordo em gênero e grau. O individualismo é a negação do espírito acadêmico, universitário. 

Individualismos e/ou interesses pessoais devem ser tratados em instituições privadas, não se encaixam ou combinam com os interesses que devem ser tratados nas Instituições Públicas. Mais do que o embate entre o individual e o coletivo, o artigo explicita a grande confusão conceitual e de práticas organicamente assimiladas pelos docentes, que deixam evidentes o embate entre o público e o privado e o quanto estes conceitos e práticas avançaram dentro da comunidade universitária. E num raciocínio lógico e coerente, o sindicato ganha outra conotação. 

Adicionalmente, não vejo os docentes como seres intrinsecamente individualistas. Estamos jogados (literalmente) em uma estrutura bastante complexa, onde somos obrigados a gerar e gerir a nossa própria condição de trabalho. Somos obrigados a nos comportar como profissionais liberais, com metas cada vez mais apertadas, não definidas na e pela nossa Instituição, que devem ser cumpridas com recursos institucionais escassos. Obviamente, essa estrutura cria ou criou um ambiente extremamente competitivo, com conseqüências extremamente danosas para as relações profissionais e pessoais dentro da Instituição. Na minha avaliação, são as dificuldades de lidar com essa realidade que traz as contradições entre “somos parceiros ou somos concorrentes” e qual a nossa relação com a Instituição – Universidade Pública, que nos dá as costas, o nosso grande desafio. Ou seja, embora o nosso dia-a-dia nos imponha atitudes individualistas, tenho clareza que a única possibilidade de sobrevivermos nele, continuando a ser docente e pesquisador de uma Universidade Pública, é termos uma organização coletiva que faça enfrentamento político por melhores condições de trabalho, mas que vá além, que seja capaz de preservar o caráter realmente público da Instituição. 

Neste ponto, acho que o artigo do professor Paulo trouxe para o debate, embora não aprofunde, uma questão importante – a ausência de um projeto institucional. Um projeto que seja capaz de olhar a Universidade como um todo, ou em outras palavras, que seja capaz de aglutinar, de fazer essa Instituição funcionar realmente como Universidade na sua essência. Que seja capaz de harmonizar as relações entre as várias unidades, administrativamente e na produção de conhecimento integrado, articulado, tirando-as da condição atual de grandes condomínios que concorrem entre si, com interesses que não convergem. 

Neste contexto, não apenas praticaríamos um ensino ainda mais diferenciado e qualificado, do ponto de vista científico e técnico, mas seríamos capazes de oferecer aos nossos alunos uma formação humanística, ética e de cidadania essencial para o seu desempenho profissional. 

De quebra, quem sabe, resgataríamos a nossa noção de respeito pelas diferenças, além de aproximarmos os nossos interesses. Certamente criaríamos um ambiente que possibilitaria encontrar novos caminhos para a nossa organização, livres de estigmas e chavões. Neste aspecto, o artigo do professor Paulo também é bastante ilustrativo, em que pesem as chuvas e trovoadas, o novo ainda não nasceu. 

Como já fiz diversas vezes, quero ressaltar que necessitamos de mudanças para enfrentar as condições adversas em que nos encontramos como servidores públicos federais num contexto de desmoralização e desmonte dos serviços públicos, propositalmente e cuidadosamente articulados. Mudanças que resgatem a nossa unidade, também atacada com estratégias ardilosas, hábeis em explorar as contradições, até porque têm sido executadas por “companheiros” de outrora, que conhecem a dinâmica da nossa movimentação. Esses conceitos de individualidade e adaptação da nossa organização a eles me parecem na contramão das nossas necessidades.