A Universidade-República

“Selfishness is not living as one wishes to live, it is asking others to live as one wishes to live.”

Oscar Wide (1854-1900)

Importante o artigo do professor Nildo Ouriques em nosso Boletim 642, quando, ainda que com a sua sempre inigualável habilidade discursiva, ele deixa bastante aparentes as verdadeiras raízes do seu conceito de universidade-república. Esse conceito tinha sido “adocicado” em sua última campanha para Reitor, considerando a natureza do processo eleitoral e a necessidade dos votos.

Neste artigo ele volta com tudo, dividindo a universidade em dois campos: o dos ingênuos, fracos, historicamente derrotados e sem mais chão, representados pelos sindicalistas e o dos “homens maus” representados pelos empreendedores, de antemão já transformados, em seu discurso, em “docentes-empresários”, sem preocupações com a causa pública.

Sua tese baseia-se em transformar a minha defesa ao individualismo em uma intenção de projeto de “universidade-empresa”, não sem antes chamuscar o conceito com conotações depreciativas, mais próprias a confundir do que a esclarecer.

Tenho consciência de que o professor Ouriques acostumou-se a usar palavras para distribuir pancadas  e que todo o seu texto foi escrito movido unicamente por seu temor ao perigo representado por um projeto de fortalecimento acadêmico da universidade, sobretudo quando este está sendo proposto ser levado a termo no próprio sindicato dos professores. 

A Universidade como ambiente acadêmico, a criação de mecanismos que estimulem a procura do mérito acadêmico e o processo de produção do conhecimento são importantes para uma Universidade em qualquer sertão do mundo.

Isso, aparentemente, não convém ao projeto político do professor Ouriques pois o deixa sem votos para as próximas eleições a Reitor.

Melhor que ela seja uma república.

O INDIVIDUALISMO

A universidade politicamente atuante, libertadora e geneticamente latino-americana do professor Ouriques é um conceito que agrada muito a estudantes e a docentes jovens, ainda ingênuos, mas cheios de energia, numa fase em que se sentem capazes de transformar o mundo em uma só rodada. 

Em sua defesa desta utopia, o professor Ouriques invoca o saudável sindicalismo dos anos 80, como se hoje os motivos fossem os mesmos, ainda que enfraquecidos por um “projeto de transformação da universidade em fábrica”,  representado pela pressão “produtivista” dos editais.

Uma “bela utopia” a do professor Ouriques, o que faz com que, ainda que ela não tenha a pena de Thomas More, não possamos deixar de gostar de alguma de suas idéias, mas é uma “utopia” e o professor Ouriques sabe disso.

A Universidade é uma instituição do Estado e mesmo quando completamente  autônoma, isso não lhe dá soberania. Somos professores e a sociedade que nos paga espera que, em nossa função, encontremos as soluções para os seus problemas e para a realização de suas aspirações.

Que sejamos capazes de contribuir para a geração de empregos e aumento do PIB e que não sejamos vulneráveis ao crescimento chinês ou aos sobressaltos da bolsa. Mas espera também contar com uma boa educação para os seus filhos em matemática, em física, e… em literatura. Que geremos multidões de Cesar Lattes mas também de van Goghs. E que a gente possa ir ao teatro num final de semana para ouvir Sheakspeare ou Valdemar de Oliveira. 

E essas soluções só virão quando desempenharmos bem em nossas funções, dentro do que sabemos fazer.

E há aqui uma grande confusão cujas origens são várias, desde a falta de interesse de nossas elites da importância de nossa universidade para o desenvolvimento econômico e social do país até a falta de  compreensão do papel que cada um de nós tem neste processo. 

O professor confunde-se com o cidadão e traz o cidadão aqui para dentro. E, aqui dentro, age como cidadão. E, como cidadão, deixa de ser professor.

Abraça a causa do sopão e não se dá conta que em mantendo-se professor… não haveria sopão.

Esse professor precisa ser individualista, isolar-se em si mesmo e fazer evoluir a sua percepção do universo, isolar-se em seu mundo, com os seus alunos e seus pares…e prometer-se ir atrás do Nobel.

Aqui e acolá, em qualquer lugar. A Universidade é uma só.

Uma instituição que precisa ser elitista, não sobre ricos e pobres, negros ou amarelos… mas sobre cabeças pensantes.

Como em qualquer lugar.

O SINDICALISMO UNIVERSITÁRIO

Em minha opinião, a função do sindicato é proteger e fazer crescer este perfil de professor.

Indo atrás de melhores salários e de melhores condições de trabalho. Uma atividade política, sem dúvida, importante para todos nós, mas que precisa ser levada a cabo por cada um de nós. Sem segregações ideológicas. Sem divisões de trabalho, sindicalistas aqui e acadêmicos ali, mas diluindo a atividade política entre todos.

E isso começa com um Conselho de Representantes forte. E daí o nosso trabalho sobre a reforma do regimento da Apufsc…não pretenso, mas um trabalho honesto que procura fazer cada professor da UFSC responsável por sua associação-sindicato.

Ainda que mantendo-se indivíduo, por que é assim  que a gente quer que ele seja.

Um Conselho com poderes significará um Conselho disputado  sem que isso represente um “esforço muito próximo do heroísmo”, mas uma necessidade de equilíbrio político, evitando-se que ele acabe hegemônico. Como hegemônicas foram as sucessivas diretorias colegiadas da Apufsc durante os últimos anos.

Que todos sabem no que deu.

O PROFESSOR-EMPRESÁRIO, O SINDICALISTA E AS FUNDAÇÕES DE APOIO

O professor empresário e o sindicalista são ambos, frutos do mesmo mal. E isso eu procurei deixar claro em meu texto “O grande nó”, que o professor Ouriques fingiu não entender (ou não ler).

Mas são extremos em nosso universo e não os seus dois campos.

E o professor Ouriques sabe disso.

Associar  a defesa do crescimento individual acadêmico de cada professor a um “projeto de transformação da universidade em fábrica” é uma manobra discursiva sorrateira do professor Ouriques sem argumentos (e incluo aqui os teóricos) cuja origem é, aparentemente,  o seu medo, a sua angústia e a sua frustação pensando na possibilidade de perder adeptos de um projeto de universidade que só cabe em sua cabeça,  nas de nossas crianças e no sonho idealista de cada um…por ser um sonho (ainda que alimentado por um projeto político). 

Não costumo dar pancadas com palavras ou me servir de “palavrões” mas o adjetivo “sorrateira” é aqui adequado, pois qualifica um discurso fácil e vazio pois, sem argumentos, ou com argumentos ligeiros. O projeto de universidade do professor Ouriques todos conhecem  e ele está aparente em seu texto. Que se o defenda com argumentos e não com pancadas prosaicas.

Quanto às fundações de apoio, em um debate que tivemos no CSE sobre a a proposta de reforma do regimento geral da Apufsc procurei deixar claro ao professor Ouriques e a todos presentes àquela reunião, que, enquanto ela não tivesse autonomia financeira, caberia à universidade usar as fundações de apoio em seu próprio benefício.

Para promover equilíbrios e não desequilíbrios.

Isso é feito na PUC de Curitiba e na PUC do Rio. Por que não numa universidade pública?…

O papel do sindicato é trabalhar para  que este processo seja desencadeado na Universidade. Não aos berros, mas através de um processo de convencimento político, que conduza a uma mudança cultural.

Se não somos capazes de fazer isso em nossa universidade, o que esperar em nosso país?…

Acho injusto que dois professores igualmente importantes para a nossa instituição, considerando os seus objetivos fins,  tenham ganhos diferenciados, este por estar aqui e aquele por estar ali. Este por ser empreendedor e aquele por não ser.

Assim como acho injusto que estes professores tenham a mesma paga quando os seus méritos são visivelmente diferentes. 

Aquele desenvolve pesquisas de ponta, promove a produção do conhecimento, participa da administração da universidade, areja o ambiente acadêmico, lidera um grupo de pesquisas, inova, consegue atrair os recursos financeiros que a instituição precisa e… dá boas aulas. 

E, este… dá aulas

EPÍLOGO

Estamos tentando reconstruir um Conselho de Representantes, inexistente, sim, há mais de 20 anos e refazer uma asociação-sindicato em ruínas. Todos esses anos fazem do Conselho uma coisa nova para quase todos nós e muitos de nós ainda não têm plena consciência da importância da função representação… que não nos autoriza como delegados mas também não nos reduz a moleques de recados.

Estamos aprendendo. Trata-se de uma tentativa de mudança na cultura de nosso sindicato e isso não se dá do dia para a noite.

É importante que todos os professores da UFSC participem deste esforço. E faço aqui um convite ao professor Ouriques para que ele nos ajude neste processo.