Em terra de olho, quem tem um cego… errei???

“A presente ascensão do movimento indígena, negro, dos sem terras, das mulheres, ecológico, corporificados em Rigoberta Menchu, Hugo Chávez, Evo Morales e Chico Mendes, está a colocar em cheque o padrão colonial de poder na América.(…) Nosso papel sindical, especialmente numa universidade pública, é vinculá-la aos interesses da população e, portanto, da nação brasileira. A Universidade, destituída da idéia de nação, desvinculada dos interesses do povo e das maiorias populares, torna-se instrumental às forças cegas da economia.

A vida é feita de máscaras, vivemos figurinos (esta é a origem latina da palavra “pessoa”). Logo, quando estou (…) tentando desvencilhar-me das máscaras sociais e penetrar no mistério de mim mesmo, é a máscara de presidente da Apufsc que me chega. (…) Muitos se relacionarão comigo em função do status de “presidente da Apufsc” e não se aproximarão verdadeiramente de mim, e isto é inevitável. O problema será vestir esta máscara e me deixar levar pelo cargo.”

(Frases extraídas do discurso do Presidente da Apufsc, Armando Lisboa, por ocasião da posse da atual Diretoriad+ sem grifo no original)

Quando fui convidado a compor a chapa da atual Diretoria da Apufsc, compreendi que assumiria não apenas um cargo administrativo, mas sim uma missão importante junto a um movimento social – o movimento docente. Na composição da chapa contávamos com pessoas experientes nesta e em outras formas de militância, dentre elas o atual Presidente, pessoa que, embora ainda não conhecesse, aprendi a admirar por sua postura corajosa e controvertida de defesa da greve de 2005, cuja participação no Boletim e nas assembléias foi de fato destacada. Outros me contaram sobre suas incursões junto ao Movimento Sem Terra, na fundação do PT em Santa Catarina e seus trabalhos na economia solidária.
Com a Diretoria eleita, logo na sessão de posse, observei atentamente o discurso do Presidente e conclui que, ao lado de tantos companheiros e companheiras valiosos, muito teríamos a compartilhar e a enfrentar. Em minha avaliação, a UFSC, a exemplo de outras universidades federais brasileiras, vivia momento de forte crise de identidade, ou seja, confundia-se freqüentemente o público com o privado. Isto repercutia fortemente na concentração e abuso de poder, na deterioração de valores e no acirramento das relações de trabalho, dificultando a concretização de aspirações coletivas no que se refere a “produzir, sistematizar e socializar o saber filosófico, científico, artístico e tecnológico, ampliando e aprofundando a formação do ser humano para o exercício profissional, a reflexão crítica, solidariedade nacional e internacional, na perspectiva da construção de uma sociedade justa e democrática e na defesa da qualidade de vida” (Missão da UFSC). Então, enxergava na Apufsc uma das possibilidades de resistir coletivamente a uma avalanche que, a bem da verdade, não só vinha destruindo a vocação de nossa Universidade, mas também as vidas daqueles docentes que, de uma forma ou de outra, consciente ou inconscientemente, trabalhavam submetidos ao império do mercado e de seus prepostos no Estado brasileiro, em elevado grau de colonialismo científico e de produtividade acadêmica.

Após um ano da posse, ensaiei minhas primeiras análises a respeito do que vivíamos no contexto da Diretoria, tendo escrito um artigo no Boletim intitulado “Desesperar, Jamais!” (Boletim 616, de 29/10/07). Sem a pretensão de vaticinar sobre os destinos da Seção Sindical, tentei alertar com vistas à correção de rota, buscando contribuir para a reconstrução de nossa unidade interna, e também para resgatarmos nosso acordo coletivo tornado público na forma de “Manifesto da Chapa Autonomia, Democracia e Participação”. Pois, para aqueles que atuam junto aos movimentos sociais, há um princípio fundamental e salutar que ajuda a preservar os grupos, a saber: aquilo que é acordado no coletivo, só deve ser desacordado coletivamente.

Estando agora em final de mandato e passado um ano da publicação do texto mencionado, gostaria de voltar a ele e reapresentar apenas um de seus itens, o de número 6 (reproduzido ao final deste artigo), para que possamos verificar se os problemas da atual gestão da Apufsc foram corrigidos ou se, de fato, algo se perdeu.
No texto discuto sobre o personalismo. Lembro-me bem de como nas primeiras reuniões buscávamos superar a noção burocratizada do presidencialismo, na medida em que apostávamos na história de vida dos colegas e também na vulnerabilidade de se estabelecer liderança evidente. Pois nos movimentos sociais, cabe bem o princípio de que “mais vale errar no coletivo do que acertar sozinho”. Neste contexto de democratização da palavra e equiparação de poderes, ocorriam frequentemente verdadeiras aulas e debates sobre ciência política, nas quais discutíamos profundamente como lidar com os limites e desgastes do movimento docente na UFSC, desgastes estes que desagradavam a todos nós.
Além disso, era forte a preocupação em articular o local com o global, ou seja, cuidar bem dos associados próximos e de seus problemas concretos, bem como nos interessava saber quais as estratégias possíveis para fortalecer a luta comum dos trabalhadores docentes da UFSC com as demais categorias profissionais, buscando inclusive maneiras de empreendermos ações conjuntas com o Sindicato dos Trabalhadores da UFSC.

Portanto, nossa vontade era realizar uma avaliação criteriosa dos problemas do sindicalismo como todo, estando dispostos a acompanhar o compasso de outras lutas sociais, dentre elas a de operários que ocuparam fábrica no contexto urbano (Cipla), de trabalhadores rurais Sem Terra, do Movimento Passe Livre em Florianópolis e até da resistência à construção irregular de Shopping Center nesta mesma cidade. Assim, com poucas discordâncias quanto às formas de agir, era impressionante como mantínhamos afinidade perante as adversidades enfrentadas.

Posso assegurar, com boa margem de segurança, que as coisas iam bem até a reação de colegas quanto às investidas do Ministério Público junto à Feesc. Naquele momento, obedecendo às necessidades concretas de preservação institucional e seus decorrentes benefícios, houve um súbito interesse coletivo e massivo em direção ao Sindicato. Decerto que havia no grupo antigos lutadores do movimento docente, mas foi mesmo curioso encontrar tanta gente dedicada a renová-lo, sendo que a grande maioria eu jamais tive o prazer de encontrar em assembléias ou outros espaços de manifestação pública em defesa da categoria.   

Fato consumado, intervenção feita, com a ofensiva dos opositores, a Diretoria foi se desmanchando em termos de sua constituição inicial. Alguns adoeceram, outros simplesmente não suportaram o acúmulo de tensões e o excesso de trabalho. Enquanto isso, os remanescentes se dividiram entre o Presidente de um lado, e todos os demais membros da Diretoria do outro. Muita coisa se passou, e não é o caso de recuperar aqui cada um dos muitos episódios que vieram a público. Faço questão apenas de ressaltar que os maiores conflitos surgiram justamente em casos que envolvem forte apelo para a preservação da vida, um deles relacionado ao plano de saúde e o outro à perda da URP.

Nesse processo de desmonte, como nos encontramos agora? Com muita chance de cometer exageros, mas sem medo de errar, posso concluir que hoje nossa Seção Sindical vive momentos difíceis, independente de quem venha a assumir as próximas diretorias. Pois tudo aquilo que era proposto no manifesto de nossa chapa, e que vinha assinado pelo Presidente da Entidade, vem agora sendo perdido em meio a negociações que engessam o sindicalismo combativo e criam uma pseudo-sensação de segurança sustentada numa pretensa “nova forma de participação dos docentes” – via representantes (que não costumam consultar os representados) no Conselho e através de listas e votações eletrônicas. Mudanças estas que, apesar de importantes, neste momento caracterizam-se mais como mudanças cosméticas, pois não foram criadas em processo maduro, mas sim através da imposição diuturna de grupos majoritáriosd+ e que pouco alteram aqueles problemas há tempos já identificados, comprometendo, dessa forma, a capacidade para dar respostas rápidas e consistentes perante as péssimas condições de trabalho da grande maioria dos docentes da UFSC, as quais, infelizmente, não se iniciam aqui e não serão resolvidas com bilhetes ou passeatas virtuais até Brasília. 

Não dá para fazer omeletes sem quebrar os ovos! Em algum momento, é preciso assumir francamente as posições políticas, caso contrário corre-se o risco de desagradar a todos e gerar verdadeiro clima de insegurança e desconfiança. Não é possível esconder-se atrás de conveniências, é preciso dizer qual é o projeto de sociedade que se defende, e na esteira deste anúncio, deve-se confessar a favor de quem e contra quem estará seu projeto coletivo. 

Para encerrar, neste clima de acirramento, é preciso delimitar com clareza aonde e com quem desejamos chegar. Nesse sentido, deixo aqui o trecho prometido, pensando ser útil para análise dos acertos e erros cometidos no contexto da Apufsc.

“6) Sobre confiança, esta não se oferece, tampouco se exige. Confiança se conquista! Líderes e representantes das bases não se forjam por decreto, tampouco do dia para noite. Movimentos sociais, inclusive o sindical, não se sustentam por muito tempo, ou tempo suficiente, com personalismo. Líderes cumprem seu papel na história, mas também são prejudiciais, pois anestesiam outras iniciativas e tornam-se mitos, inalcançáveis, portanto. Movimentos sociais com liderança evidente são vulneráveis ao oportunismo, tornando-se alvos fáceis de sedução, perseguição e atentados. Lideranças e representantes das bases enaltecidos e colocados artificialmente acima do coletivo e da história de lutas institucionais correm sério risco de envaidecimento, de serem movidos pelo orgulho, de se perderem em meio às tensões geradas por atores de ocasiãod+ de tratarem os diferentes/divergentes indistintamente como opostos, como inimigos, como inferiores, ao sinal de menor questionamento.”