Duas verdades

Os acontecimentos que envolveram a assembléia geral para a fundação do Sindicato dos Professores das Instituições Federais de Ensino Superior de Porto Alegre, sob duas versões na web, são bastante significativos e revelam o estado atual de profunda crise vivida pelo Movimento Docente no país. A primeira versão é a oficial da própria AD: http://www.adufrgs.org.br/conteudo/home.asp e a segunda da Associação dos Servidores Técno-Administrativos da UFRGS: http://www.assufrgs.com.br/site2006/site/?inc=noticia_mostraEampd+noticia_id=1515 .

Como são duas as versões, vou pressupor que ambas são verdadeiras.

Isto é: i) que a assembléia foi tumultuada durante duas horas e meia por manifestantes que se opunham à desvinculação da ADUFRGS da Andesd+ ii) que a assembléia foi realizada com a presença de seguranças que limitaram o acesso à assembléia aos professores associadosd+ iii) que aceitou-se o voto por procuração e iv) que os manifestantes que se opunham à fundação estavam em minoria na assembléia e em função disso decidiram virar a mesa, arrancar microfones e sair bufando, o que justifica que a fundação tenha recebido apenas 4 votos contrários contra 436 a favor.

Mas admitindo-se essas duas verdades, o que isso significa?…

Um dos argumentos que encontrei na web foi de que a decisão estaria contrariando o Art. 47 do Regimento geral da ADUFRGS (http://defenderadufrgs.wordpress.com/2008/11/21/esclarecimentos/) uma vez que a desvinculação da Andes estaria desfigurando aquela AD e, portanto, pressupostamente, dissolvendo-a, o que exigiria para isso um quorum de 2/3 de todos os associados da ADUFRGS.

Ser seção sindical significa, de acordo com os próprios estatutos da Andes, que os professores individualmente são sindicalizados, devendo contribuir com 0,2% de seus ganhos brutos para a Andes, de modo a poderem beneficiar desta condição (para a Apufsc isso significa que a cada mês enviamos R$ 26.640,00 para lá). O que as AD”s fazem é, sindicalizar os professores, isto é, repassar esta contribuição ao sindicato, fazendo assim, idealmente, com que esta AD possa usar o Sindicato (Andes) como substitutivo processual em ações coletivas.

Com a suspensão do registro, nada disto está valendo, desde 2003.

Mas, antes de sermos uma seção sindical da Andes, somos uma Associação de Professores. Em nosso caso, por exemplo, a Apufsc foi constituída como Associação em uma assembléia e como Seção Sindical da Andes em outra assembléia, posterior à primeira. Essa mudança ocorreu pela modificação de seus estatutos, transformando-o em Regimento Geral, numa assembléia cujo quorum e regras foram o que estava estabelecido nos seus estatutos. Naquela assembléia não se dissolveu a Apufsc-Associação para transformá-la em Apufsc-SSind. De fato, isso seria impossível, pela regra acima imposta nos estatutos da Apufsc-Associação, extremamente exigente quanto ao quorum para dissolução. E, da mesma forma, assim como uma assembléia transformou a Apufsc- Associação numa SSind da Andes, uma mesma assembléia pode reverter a decisão, bastando para isso mudar o regimento e transformá-lo em estatutos, seguindo as regras e as leis do mesmo regimento existente.

Sem essa de dissolução (isso é “conversa para boi dormir”… e como não somos “bois”…).

E após essa transformação, em nossa condição de Associação, seremos livres para seguir a opção que se nos apresente como a melhor.

Voltando à AG da UFRGS.

De uns “bons” anos para cá, o movimento docente perdeu a unidade em função, sobretudo, dos descontentamentos dos professores com a forma como a Andes está tratando os nossos problemas mais cruciais: salários, condições de trabalho, ações trabalhistas,…e por aí adiante.

Essas duas verdades significam também que este processo de transformação, retratado nas manchetes pelos movimentos que estão ocorrendo na UFRGS, UFMG, UFSCAR, UFBA, e outras (incluindo a UnB e a UFSC), não está sendo suficientemente discutido… que o frango está sendo retirado do forno antes do tempo.

Deste modo, vejo com maus olhos quando uma associação de professores do ensino superior precisa recorrer à seguranças para garantir uma assembléia. Da mesma forma, ainda que, acreditando que o voto por procuração é legalmente válido em qualquer associação civil, acho-o moralmente incorreto e, sobretudo, inconseqüente. Enfim, em minha opinião, consultas eletrônicas terão sempre o valor de consulta, mas não podem ser fórum de deliberação.

No outro extremo, não há como negar a total desvinculação entre a Andes e os professores das universidades, o uso dessa estrutura como um aparelho para objetivos político-partidários (e mesmo pessoais) e a extrema incompetência com que nossos problemas estão sendo tratados no âmbito da Andes.

Também não há como negar que este divisionismo só é agravado por nossos religiosos-fundamentalistas que acabaram parados no tempo e que, ainda que idealistas, apegados que são a um passado glorioso, estão sem entender as transformações que precisamos, em função das mudanças ocorridas, surdos que são aos ruídos que os contrariam.

Isso é também agravado por colegas nossos que não estão dispostos a dedicar uma parte do seu tempo para discutir com pessoas, colegas seus, sobre idéias que não são as suas.

Desse modo, o que aconteceu na UFRGS foi, em minha opinião, o resultado da falta de amadurecimento de um processo que para ser conseqüente exigiria: a) o envolvimento pessoal de cada um dos professores da UFRGS dispostos a este processo de mudança e b) um intenso processo de discussão entre pessoas que, não sendo extremistas, eventualmente “não se gostam”… mas cujas opiniões precisam ser respeitadas.

Também em minha opinião, é necessário que este processo de transformação nasça do conjunto de professores e não sobre decisões de gabinete (sobre meia dúzia de “iluminados”).

E, que os extremos sejam ignorados… os de lá e o de cá. Não há lugar para extremos neste processo de reconstrução.

Nosso patrão, o governo federal, precisa não só nos ouvir, mas ter o interesse em nos ouvir. Para isso precisamos ter força em nossa condição de segmento do Estado. Força em um sindicato significa a união em torno de objetivos que nos sejam comuns a todos e não à meia dúzias, ou aos nossos extremos.