Arte Bandida

“Toda arte é política”, afirma Moacir dos Anjos, um dos curadores da 29º. Bienal de São Paulo que acaba de abrir suas portas no último dia 20 de setembro.

E aqui na UFSC prende-se o performer Roberto Chaves, aluno de Artes Cênicas que atuava na Semana de Arte Ousada, evento da Secarte que, desde 2008, tenta trazer a arte para o interior da comunidade catarinense.

A arte atenta ao pudor e detida pelas forças da ordem confirma sua potência em um meio carregado de preconceito, falso moralismo e desinformação, afinal é para isso que ela existe. Ela transforma o cotidiano, a banalidade e provoca atitudes.


Por que o corpo nu?

Há poucos meses membros da fina flor da sociedade catarinense, usando de seu privilégio social, pratica atos de barbárie sexual, estupra e destrói a vida de uma jovem e foram punidos? A polícia cumpre o dever de prender bandidos e sua missão de proteger os cidadãos contra a marginalidade, o vício e os maus costumes?

É certo que as vanguardas envelhecem. Não é crime usar o corpo como mercadoria e imagem da banalidade no universo da publicidade capitalista, isto não é crime, mas é exatamente por essa razão que usar o corpo para provocar impacto e choque ainda parece funcionar na performance. Na verdade, outras seriam as excrescências a virar caso de polícia, mas essas são cuidadosamente guardadas sob o tapete da hipocrisia e de um velho moralismo.

O nu artístico é tão antigo quanto a humanidade e não foi para demonstrar conhecimento dos cantos fálicos que deram origem à comédia na Grécia que Beto se desnudou, nem inventou nada novo ao envolver-se na bandeira. Estudante de performance, ele conhece símbolos como o nacional e com o mesmo direito do campo esportivo, usou de sua liberdade para criar o jogo de uma profanação com o elemento sagrado para muitos. O futebol por ser  massivo e referendado pela mídia tem o direito à bandeira como arma dos intrépidos guerreiros da pós-modernidade ou sua torcida?

Onde é que nós estamos? Envergonho-me de pertencer a esse ambiente universitário que não se vê como aberto à esfera do desejo e da criação que a arte exige. Não vi a performance em si, mas não a condeno mesmo porque a arte do corpo é infinita e a  nudez  que está na revista, na pintura, na escultura incorpora o tempo e os limiares da imaginação humana, faz parte da cidadania e da cultura.

A performance agrada pelo que pode ter de inesperado, de efêmero, mas também pelo seu caráter marginal e em busca de um público que não foi preparado para participar de um evento. Não se avisa de antemão.

Sob a perspectiva das artes plásticas, a performance revela-se como arte não objetual, e atua contra o mercado, buscando alógicas segundo Maris Bustamante, artista mexicana.

Richard Schechner mostra como se pode entender a performance como repertório reiterado de condutas ( teatrod+ dança, ritos, esportes, etc.).

Vale aqui trazer um exemplo latino-americano, de 2001 na Cidade do México.  Emma Villanueva  caminha pintada pelas ruas, distribuindo panfletos sobre o descaso do governo quanto à greve de estudantes e professores da UNAM que teve a duração de dez meses.  Após um ano do fim daquela greve, nada do prometido fora cumprido. A performance de Emma atrai as câmeras de TV, vira fato, não só porque pede aos transeuntes que escrevam em seu corpo frases contra tal descaso, mas porque caminha nua por oito quilômetros nesse ato que envolvia Arte e Política.

O corpo pode vender objetos, vender-se, pode sofrer abusos, pode provocar risos e politizar-se como meio de prazer.

Usando como objeto seu próprio corpo, a auto-exposição de Beto envolve um substrato de auto-sacrifício e de rituais pré-colombianos no meio da UFSC e ao ser levado à delegacia como uma tatuagem na pele.

A uma  ordem obsoleta

em um espaço que não o deseja, que não o assimila, que não o admite como

o próprio curso de Artes Cênicas que fica em um entre-lugar e que tem que  cavar sua ágora no Redondo, contra o não-teatro que em seu desejo de atuar,  invoca uma outra  lógica,  a de  uma didática sensível que a falta de espaço no contexto dos 50 anos da UFSC ainda é fato. Nada novo, mas deixa uma memória do que se faz ou se desfaz ou que  existe ainda no limiar.