Imposto rende R$ 102 milhões para centrais sindicais

Imagine um grupo de seis entidades que divide entre si R$ 100 milhões sem precisar prestar contas do que faz com o dinheiro e tem força para influenciar medidas do governo federal. Beneficiárias do aumento da formalização da mão de obra, as seis maiores centrais sindicais brasileiras receberam, no ano passado, R$ 102,2 milhões referentes aos repasses feitos pelo governo federal do dinheiro arrecadado com a contribuição sindical – cobrada, compulsoriamente, de todo trabalhador com carteira assinada e descontada no mês de março. Em 2010, as seis centrais receberam 20,8% mais que em 2009, quando já tinham colocado nos cofres 21,6% mais que em 2008, ano em que os repasses começaram. Ao todo, as seis centrais – CUT, Força Sindical, UGT, NCST, CTB e CGTB – receberam R$ 246,2 milhões do governo nos últimos três anos.

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Na lei em que aprovou o repasse de 10% do total arrecadado anualmente com a contribuição para as centrais, em abril de 2008, o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva liberou as entidades da prestação de contas do dinheiro. Por isso, órgãos como o Ministério Público (MP) e o Tribunal de Contas da União (TCU) não estão autorizados, por lei, a investigar o que é feito com o dinheiro. Os repasses respeitam o tamanho das centrais, num critério de representatividade que leva em conta o número de sindicatos ligados às entidades e o número de trabalhadores filiados aos sindicatos.

Assim, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), com 2 mil sindicatos, e a Força Sindical, com 1,5 mil, são as maiores receptoras: embolsaram R$ 31,9 milhões e R$ 28,9 milhões, respectivamente, no ano passado. O critério de representatividade fica claro diante do caso da terceira e quarta maiores receptoras. A União Geral de Trabalhadores (UGT), com 901 sindicatos, recebeu R$ 17,3 milhões, enquanto a Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST) recebeu R$ 5 milhões a menos, mesmo contando com 850 sindicatos filiados – a UGT conta com entidades grandes, como o Sindicato dos Comerciários de São Paulo, que representa 480 mil trabalhadores.

As entidades, com exceção da CUT, defendem o repasse dos recursos como “crucial” para a manutenção de suas ações. Segundo José Calixto, presidente da NCST, “não sai de graça organizar grandes manifestações, promover assembleias e manter estruturas regionais”. Para ele, o crescente espaço dado às centrais no debate público “é uma conquista que deriva do poder econômico alcançado com o dinheiro do imposto sindical”. De acordo com as centrais, os repasses do imposto sindical representam entre 90% e 95% do orçamento das entidades – no caso da Força, segundo Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, presidente da entidade, representa todo o orçamento.

O principal gasto das centrais foi a compra ou reforma de sedes regionais, além de gastos com formação de quadros e realização de congressos. Duas entidades, UGT e CGTB, realizarão congressos nacionais em julho e iniciaram em março expedições às sedes regionais para convocação de dirigentes ao evento – a UGT estima gastar, ao todo, R$ 3 milhões em passagens aéreas para as 26 sedes regionais, gastos com hospedagem, e aluguel para o espaço do evento que receberá entre 2,5 e 3,2 mil dirigentes sindicais em São Paulo. “Serão, então, mais gastos para abrigar todo mundo, ou seja, hospedagem e alimentação”, afirma Ricardo Patah, presidente da UGT.

Como o repasse de imposto sindical é condicionado ao número de sindicatos filiados, e como a parcela de dinheiro repassado aumenta conforme aumenta o número de sindicatos, as centrais também tem empenhado recursos no “convencimento” de sindicatos independentes e daqueles que estão filiados a outras centrais.

Algumas centrais desenvolveram equipes regionais, treinadas nas sedes nacionais, cuja missão única é visitar sindicatos espalhados pelo país, com o objetivo de filiá-los. Os congressos – como os que serão realizados pela UGT e CGTB – servem para, segundo um líder sindical, “dar uma cara semelhante à geleia de sindicatos que fazem parte de cada central”. Entre janeiro de 2010 e o mês passado, a UGT, que conta com uma equipe de 60 pessoas para a “abordagem sindical” filiou 235 sindicatos – menos apenas que os filiados por CUT e Força, que registraram 325 e 327 sindicatos em igual período.

Gastos com formação de quadros também têm aumentado. Segundo Paulinho, o nível dos dirigentes é “muito ruim” e os cursos de cada central, “servem para mostrar ao cara que sai do chão de fábrica e assume cargo no sindicato como se negocia salário, como se administra uma entidade”. A CGTB, que recebeu R$ 11,3 milhões desde 2008, criou o Instituto Dante Pellacani para coordenar e organizar cursos para formação de quadros. Para Antônio Neto, presidente da entidade, os cursos são “prioritários” pois deixam os dirigentes aptos a discutir “com inteligência” questões trabalhistas.

Entre as centrais com mais recursos, a vedete dos últimos anos tem sido a inauguração de sedes. Enquanto a Força inaugurou mais de oito sedes regionais nos últimos dois anos, além de adquirir sua sede nacional em São Paulo por R$ 6 milhões, no ano passado, a UGT inaugura em abril sua sede nacional – um prédio de sete andares, em São Paulo, cuja reforma consumiu R$ 4 milhões e o aluguel é de R$ 70 mil mensais. “Não queríamos imobilizar tanto capital numa casa própria, e o aluguel, mesmo sendo alto, deixa mais dinheiro disponível para as lutas”, diz Patah, presidente da UGT.

Já a NCST, que embolsou quase R$ 30 milhões nos últimos três anos, não tem planos de ter uma sede nacional – está instalada em um andar em prédio comercial em Brasília – e também não fará congresso neste ano. Segundo uma fonte sindical, a NCST tem usado o dinheiro do imposto sindical “para comprar sindicatos de outras centrais, oferecendo bens e cargos”. Calixto, presidente da NCST, nega. “Já fui procurado por todas as centrais, exceto a CUT, e todas ofereceram uma fusão conosco. Uma delas chegou a me prometer autonomia total para administrar a parcela de dinheiro que nossa central recebe hoje”, diz.

Procurada, a CUT não se manifestou sobre o repasse recebido em 2010 e o destino dos recursos.


Reportagem publicada no dia 4 de abril de 2011