Carta aos Estudantes da UFSC

Há movimentos estudantis e Centros Acadêmicos na UFSC que defendem a “universidade popular“, o voto universal para Reitor e a isonomia nos conselhos deliberativos. Celebraram como vitória a deliberação do CUn do dia 17/março/2015 que “formaliza” as eleições paritárias “informais” para Reitor, contrariando, de uma só vez, a Lei, a Nota Técnica nº 437/2011 do MEC e o princípio da Legalidade que deve reger as administrações públicas.

Mas, ainda que importante, não é a questão legal que me preocupa neste momento.

O voto universal é praticado informalmente aqui na UFSC no Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH). Questões importantes passam antes por uma assembleia, cabendo ao Conselho de Unidade a atribuição (não escrita) de referendar o que é decidido em assembleia. O maior argumento dos que defendem o voto universal (e que se contentam com o paritário) é o princípio constitucional da igualdade de direitos aos “cidadãos universitários“. Cidadão é um conceito republicano e, portanto, se aplica à repúblicas: o cidadão elege o vereador e, também, o Presidente, não havendo distinção entre cidadãos nos seus votos, todos iguais nos seus pesos.

Todavia, a universidade é uma instituição do Estado e está muito longe de ser uma república. Da mesma forma, a universidade pública brasileira não é gratuita e é mantida pelo povo: cada aluno da UFSC custa, ao menos, cerca de R$ 15.000,00/ano ao povo brasileiro.

Isto faz com que qualquer instituição pública precise ser eficiente. Eficiência em uma universidade pública é medida, não pelo balanço entre receitas e despesas, mas por sua capacidade em cumprir suas metas e missão. O domínio, produção e difusão do saber é a grande missão de uma universidade em qualquer lugar do mundo. E eficiência na questão do domínio, produção e socialização do saber passa pela valorização do mérito É o que fazemos quando, como mestres, estimulamos os estudantes ao aprendizado de uma disciplina, quando, como orientadores, corremos atrás de uma bolsa de Iniciação Científica para aqueles que nos surpreendem e quando, como Instituição, promovemos um professor ou um servidor. O que não podemos fazer é aprovar um estudante em uma disciplina, quando o seu aproveitamento mostra-se insuficiente. Isto seria injusto com ele mesmo e com os demais. Aprovar ou reprovar um estudante é não só direito, mas dever do professor. De fato, o termo Eacuted+atribuiçãoEacuted+ deve ser visto em seus dois sentidos, como direito, mas, também, como dever. Da mesma forma, é do professor a atribuição (direito e dever) de criar disciplinas e programas de graduação e pós-graduação e estabelecer linhas de pesquisa. Enfim, planejar a universidade.

E não há como ter eficiência em uma instituição, qualquer que seja ela, quando os direitos não são ou deixam de ser proporcionais aos deveres.

é verdade que não é o diploma que faz um professor (nem mesmo um diploma de Doutorado) É também verdade que um professor se constrói ao longo de sua carreira e muito aprende no contato com os seus alunos de disciplina ou estudantes em tese. E que o Paulo Freire tem razão quando afirma que “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo“. Mas é igualmente verdade que quem acumula este aprendizado em uma universidade é o professor. E não o aluno em sua disciplina ou o estudante em sua tese. Isto faz com que, enquanto os seus alunos se formam e são absorvidos pelo mercado de trabalho, a disciplina deste professor continue e acabe ficando melhor a cada semestre. Isto também faz com que o seu tema de pesquisa fique cada vez mais focado sobre problemas não resolvidos: os que valem a pena, os que estão na fronteira do conhecimento e/ou os que ainda constituem desafios tecnológicos.

De fato, ainda que o conhecimento tenha uma história frequentemente entrelaçada com o poder e mesmo com a política, é o puro e latente desejo de saber, que se afigura como o nosso bem mais precioso em uma universidade. Neste sentido, não há, como afirmam alguns colegas da UFSC e grupos estudantis um “isolamento da universidade em relação à sociedade” como resultado do excesso de especialização, mas uma busca de comunicação entre pares de aqui e de lá fora que se debruçam sobre os mesmos desafios, sejam eles científicos ou tecnológicos.

Sem dÚvida, é sobretudo deste processo de interação, deste diálogo entre pares, que resulta a produção do saber e o avanço no conhecimento.

O primeiro nó da questão é que este processo de interação só é possível e frutífero entre pares quando estes detêm o mesmo nível de conhecimento. O segundo nó é a questão da valia deste saber de fronteira em uma sociedade com tantos problemas e com tanta desigualdade social como a brasileira.

Atenho-me de início ao segundo nó, pois aqui pinta uma questão ideológica que divide a universidade em dois segmentos distintos. O primeiro defende que é responsabilidade direta da universidade dar uma solução para os nossos problemas sociais. Esta é a tese defendida por nossos partidos e movimentos da esquerda radical envolvendo, entre outros, os prestistas, os trotskistas e os bolivarianos, tão presentes não só na UFSC, mas em todas as nossas universidades públicas. O segundo segmento defende que cabe à universidade ser o que ela sabe ser: uma instituição voltada para o domínio, produção e difusão do saber. De fato, há uma confusão, uma mistura, um erro ao se considerar a universidade como “um agente direto de transformação da sociedade“. A universidade deve, sim, contribuir para isto, mas nunca poderá ter uma participação direta nesta transformação.

Somos filósofos, físicos, matemáticos, engenheiros e o que a sociedade espera de nós é que tenhamos competência suficiente para a solução de seus problemas, seja de aumento da competitividade, de empregos, melhoria de vida e possibilidade de acesso ao consumo.

Mas o que um matemático sabe fazer é matemática. Que não se queira transformá-lo em um ativista preocupado com questões sociais, mas, antes, que se lhe dê a oportunidade de vencer os desafios da matemática pura, dos teoremas não-demonstrados, da lógica atrás dos limites e dos limites da lógica. O que um físico sabe fazer é física. Se o que lhe dá tesão é a teoria das cordas, que ele se sinta livre para isto. Que nossos professores se sintam estimulados a vencer os desafios do conhecimento e derrubem paradigmas.

Isto é bom para o PIB, gera conhecimento, produz ciência, contribui para a independência da nação, incentiva as atividades culturais e gera empregos. E daí a importância, em uma universidade, de procurarmos valorizar o mérito individual dos professores, servidores e estudantes. Fora disto seremos qualquer outra coisa, não uma universidade, uma instituição concebida para o ensino, a pesquisa acadêmica e a extensão.

A universidade nunca se isolou da sociedade e está nela inserida pelos quadros que forma. Quando estes quadros são bem formados, eles são capazes de promover a inovação, a geração de patentes, aumentar o valor agregado de nossos produtos, gerar empregos e melhorar a qualidade de vida das pessoas.

Neste ponto retorno ao primeiro nó: o da competência. O diálogo só é possível quando formamos nichos de excelência capazes de conversar de igual para igual com os nossos pares de aqui e de lá fora. De fato, ainda que os problemas sejam locais, não existe conhecimento relativo num mundo globalizado pelo comércio e pela comunicação. Um exemplo: dada a grande diversidade de nossa biota amazônica é importante que se priorize o desenvolvimento das ciências farmacêuticas no Brasil, mas a química e a biologia são patrimônios universais. Da mesma forma, não existe uma “hidrodinâmica para as águas brasileiras“, ainda que o desenvolvimento da indÚstria naval não possa deixar de ser uma política de Estado em um país com tamanha extensão de costas e abundância de rios navegáveis.

Todas estas razões fazem com que defendamos a priorização da participação do professor no processo de consulta à comunidade visando à escolha do Reitor e a formação da lista tríplice. Eu e mais 768 colegas, professores da UFSC que assinaram o manifesto exigindo o cumprimento da lei e onde nos recusamos a participar de qualquer outro processo que não tenha amparo legal (veja o manifesto em https://sites.google.com/site/manifestoeleicaoreitorufsc/)

A consulta feita na base paritária acaba gerando o populismo e os candidatos precisam ceder diante de pleitos corporativistas porque querem ganhar a disputa e precisam dos votos dos segmentos. Os servidores querem jornadas de 30h. Os estudantes exigem a liberação de festas no campus e regras menos rígidas para manterem suas bolsas-permanência. A perspectiva de funções gratificadas estimula a formação de “cabos eleitorais” em cada “campanha“, tanto entre professores quanto servidores.

E o nosso Reitor deve ter um Único compromisso: o com a instituição em sua missão e não com os interesses corporativistas dos seus segmentos. Para isto ele deve passar, sobretudo, pelo crivo de seus pares (os professores) e demonstrar um profundo conhecimento da universidade em sua missão.

E o que pensam os nossos 30.000 estudantes de graduação e 15.000 estudantes de Pós-Graduação sobre esta questão?….O que conhecemos são as opiniões de seus representantes no CUn, mas esta questão nunca foi antes discutida entre os estudantes.

Todos os anos vemos uma disputa pelo DCE e representação no CUn entre chapas estudantis com visões nitidamente divergentes da universidade. Em 2014 foram 04 chapas e 6.275 votantes. Muito em função dos acontecimentos de março de 2014 envolvendo a “Revolta no Bosque” e a “Ocupação da Reitoria“, os estudantes resolveram sair de seus cantos e votar. Em consequência, a chapa 4, Eacuted+Dias melhoresEacuted+, teve 309 votos a mais do que todas as outras chapas somadas. Uma quebra de paradigma em relação aos anos anteriores, quando os movimentos Prestistas, Trotkistas e Bolivarianos dominavam o pedaço da representação estudantil.

*Paulo Cesar Philippi
Professor Titular do Departamento de Engenharia Mecânica da UFSC