Lembramos as pessoas por suas obras. Em Shakespeare “It is not in the stars to hold our destiny but in ourselves”. “A fool thinks himself to be wise, but a wise man knows himself to be a fool”. William Shakespeare foi poeta, dramaturgo e ator. Talvez o maior escritor do idioma inglês e, certamente, o mais influente dramaturgo do mundo.
De suas obras, restaram 38 peças, 154 sonetos e dois poemas narrativos. Suas peças foram traduzidas para todas as principais línguas modernas e são mais encenadas que as de qualquer outro dramaturgo. Muitos de seus textos e temas, especialmente os do teatro, permanecem vivos até os nossos dias, sendo revisitados com frequência, especialmente no teatro, na televisão, no cinema e na literatura.
Mais do que um dramaturgo do Sec. XVI, Shakespeare, um pensador, continua vivo em sua obra.
Mein Kampf (Minha Luta) de autoria de Adolf Hitler, expressa suas ideias antissemitas, racistas e nacional-socialistas então adotadas pelo partido nazista. “O homem que desconhece e menospreza as leis raciais, em verdade, perde, desgraçadamente a ventura que lhe parece reservada. Impede a marcha triunfal da melhor das raças, com isso estreitando também a condição primordial de todo progresso humano.” O primeiro volume foi escrito na prisão e editado em 1925, o segundo foi escrito por Hitler fora da prisão e editado em 1926. Mein Kampf tornou-se um guia ideológico e de ação para os nazistas, e ainda hoje influencia os neonazistas.
Sua “Mein Kampf” foi posta em prática com as leis de Nuremberg que retiravam a cidadania alemã dos judeus e os proibiam de se casar ou ter relações sexuais com pessoas de “sangue alemão ou seus descendentes” e com o extermínio de 6 milhões de judeus em fornos.
Esta foi a obra de Adolf Hitler, pela qual será lembrado.
O Coronel Brilhante Ustra é autor de dois livros: “Rompendo o Silêncio”, em que narra sua passagem pelo DOI/CODI, no período de 1970 a 1974, e “A Verdade Sufocada”, em que conta “sua versão” dos fatos que viveu durante a ditadura. Nestes livros, Ustra refuta as acusações de tortura.
Como se a tortura nunca tivesse existido.
Quando confrontado com um documento do próprio exército, listando a morte de pelo menos 50 pessoas dentro do DOI-CODI no período em que foi comandado por Ustra, o militar afirmou que o documento não provava que “essas mortes tinham realmente acontecido nas dependências do órgão”. Convidado a uma acareação com o atual vereador paulista Gilberto Natalini, que já havia dado seu depoimento sobre as torturas que lhe foram infligidas pessoalmente por Ustra naquela época, o militar recusou-se gritando que “não fazia acareação com ex-terrorista“. Ouvido também em audiência pública antes do coronel, o ex-sargento do Exército Marival Fernandes, que trabalhou na análise de documentos do órgão, entre 1973 e 1974, e quatro meses sob o comando de Ustra, testemunhou que o ex-comandante, então capitão, era o “senhor da vida e da morte” do DOI-CODI e “escolhia quem ia viver e ia morrer“.
Tenho relações de parentesco com um ex-oficial da PM de Santa Catarina que foi treinado à sua revelia, na prática de torturas durante o regime militar. Seu “treinamento” foi dado por militares americanos. O colega Marcos Cardoso, da Engenharia Elétrica, foi torturado pelo DOI-CODI, durante a operação “barriga verde”. E Marcos Cardoso nunca foi um terrorista.
Uma pesquisa coordenada pela Igreja Católica com documentos produzidos pelos próprios militares identificou mais de cem tipos de torturas usadas durante a ditadura. Contavam com a “assessoria técnica” de militares americanos que ensinavam a torturar. A coisa piorava nas delegacias de polícia e em quartéis, onde muitas vezes havia salas de interrogatório revestidas com isolamento acústico para evitar que os gritos dos presos fossem ouvidos.
Os instrumentos de tortura incluíam, a “cadeira do dragão”, o “pau-de-arara“, choques elétricos, espancamentos, o “telefone“, o pentotal sódico, afogamentos e a “geladeira“.
Poderia falar do ‘pau-de-arara‘ ou da “cadeira do dragão“, mas destaco o “telefone” por ser uma forma menos conhecida: com as duas mãos em forma de concha, o torturador dava tapas ao mesmo tempo contra os dois ouvidos do preso. Uma técnica que podia romper os tímpanos do preso e provocar surdez permanente.
“Os relatos indicam que os suplícios eram duradouros. Prolongavam-se por horas, eram praticados por diversas pessoas e se repetiam por dias“, afirma a juíza Kenarik Boujikain Felippe, da Associação de Juízes para a Democracia, em São Paulo.
Durante o governo militar, mais de 280 pessoas foram mortas sob tortura. Mais de cem desapareceram, segundo números reconhecidos oficialmente.
Mas os números oficiais mentem.
Foram muito mais.
E além dos mortos que nunca se teve notícia e dos desaparecidos mortos, os muitos que nunca mais conseguiram se reencontrar.
O que o Coronel em sua tumba deixou como obra além de sua intolerância doentia com a esquerda e o seu histórico de torturas e assassinatos?
Que os vermes se alimentem dela.
Paulo C Philippi
Professor do Departamento de Engenharia Mecânica