UFFS resiste ao interventor de Bolsonaro

Reportagem da Carta Capital mostra a luta da comunidade universitária para destituir o reitor indicado por Bolsonaro  

Dependesse apenas da canetada de Jair Bolsonaro, o cargo de reitor da Universidade Federal da Fronteira Sul teria sido ocupado por Marcelo Recktenvald sem maiores problemas. O escolhido tem uma lista de predicados que agrada ao ex-capitão: declara-se cristão conservador e defensor da família. A vontade divina do mandatário não tem sido, no entanto, suficiente para estabelecer a paz.

A nomeação de Recktenvald é alvo de uma intensa resistência na UFFS desde o primeiro segundo. A articulação de professores, estudantes e funcionários levou à formalização de uma proposta de destituição do reitor recém-nomeado. Após pressão dos alunos, o pedido seria avaliado em uma sessão especial do Conselho Universitário nesta segunda-feira 30. São necessários 36 dos 54 votos dos conselheiros para reverter a nomeação.

A comunidade acadêmica está otimista. Segundo os articuladores da destituição, 28 conselheiros manifestaram publicamente apoio à proposta. Em uma carta aberta divulgada no domingo 15, eles afirmam que a indicação viola a autonomia da universidade e pedem o restabelecimento da democracia institucional, “o que só pode ser conseguido quando o senhor Recktenvald deixar o cargo de reitor, que hoje ocupa de maneira indevida”.

Nas eleições internas, o reitor nomeado por Bolsonaro ficou em terceiro lugar, com 21,4% dos votos, e não foi ao segundo turno. O presidente da República, registre-se, não tem a obrigação legal de seguir o resultado das listas tríplices, opção que havia se tornado tradicional durante os governos do PT. 

Primeiro colocado da lista tríplice, Anderson Alves Ribeiro afirma que não se trata apenas de escolher um nome ou outro. “O que se estabelece para a composição da lista tríplice é um programa de gestão e prioridades institucionais. No fim das contas, falamos de uma escolha administrativa que a comunidade acadêmica entende ser a mais adequada.”

Pesa ainda o posicionamento político de Recktenvald. “Ele demonstra ampla adesão ao projeto do governo, que representa sistematicamente o ataque às universidades federais, a defesa da redução de verbas e uma clara tentativa de mudar as características em favor da privatização. O programa Future-se, apoiado pelo reitor, é um caso claro dessa lógica. O único compromisso dele é com o governo, o que o coloca em uma posição de interventor”, reclama Vicente Ribeiro, representante docente no Conselho Universitário. 

Pedido de destituição em análise

Um dos primeiros feitos do reitor foi pendurar em sua nova sala um quadro de Jair Bolsonaro. Recktenvald notabilizou-se no mundo acadêmico por conta do livro Jesus Coach, no qual mistura espiritualidade e liderança, nome, aliás, de uma disciplina optativa que ministrou no curso de Administração.

Homem de fé, o reitor precisará de todo o apoio dos céus. Tão logo seu nome foi divulgado no Diário Oficial da União, em 30 de agosto, um levante acadêmico formou-se na tentativa de impedir a sua nomeação. Estudantes ocuparam salas da reitoria, em Chapecó, e mantiveram um acampamento até a sexta-feira 20. O protesto foi interrompido depois de o Conselho Universitário se comprometer a votar o pedido de destituição de Recktenvald.

Trata-se, em grande medida, de uma luta inglória. Mesmo se o conselho afastar o reitor, caberia a Bolsonaro acatar a decisão, o que é pouco provável. A comunidade acadêmica espera, ao menos, expor ao País o caráter intervencionista da nomeação. “Estamos otimistas, uma vez que o presidente tem conhecimento da instabilidade que causou na instituição, nomeando um interventor que não tem apoio em nenhum dos segmentos da comunidade universitária. Como consequência, não há ninguém disposto a assumir cargos na nova gestão, e aqueles que assumiram em geral não têm a competência necessária para a boa gestão do patrimônio público”, afirma uma nota do coletivo de estudantes. “Além disso, a autonomia universitária deve prevalecer frente à sua vontade. Assim sendo, da mesma maneira que Bolsonaro não tem amparo para escolher arbitrariamente um reitor da lista tríplice sem violar os princípios constitucionais da publicidade, da moralidade e da impessoalidade, também não o tem para destituí-lo, cabendo esta decisão tão somente à própria universidade. Nosso entendimento é que, se a universidade discricionariamente resolver que a indicação anterior não é conveniente para o serviço público, pode solicitar a destituição do reitor. O reitor é cargo em comissão, indicado pelo conselho. E cargo em comissão pode ser nomeado e exonerado sem motivação. No fundo, quem manda é quem indica, e quem efetivamente indica o reitor é o conselho.”

 

O grupo aposta em outras estratégias para enfrentar o que classifica de “desmonte e aparelhamento das universidades federais”. “Seguimos cada vez mais articulados após a bem-sucedida ocupação da reitoria, tanto entre os estados em que a universidade está presente quanto com instituições e movimentos sociais de todo o País. Logo, esse pedido de destituição de Marcelo Recktenvald tende a ampliar a nossa visibilidade, além de abrir oportunidade para mais laços em escala nacional e internacional. Se por um lado podemos encontrar novos obstáculos, por outro estamos traçando uma luta que poderá servir de inspiração a outras pessoas e instituições”, conclui a nota dos alunos.

Procurado, o reitor preferiu não se manifestar.

As informações são da Carta Capital