Andifes se mobiliza contra corte de R$ 1 bi no orçamento de 2021 e defende R$ 200 milhões a mais

Novo presidente da entidade conversou com a Apufsc sobre as dificuldades das universidades na pandemia, agravadas pela deficiência orçamentária

Em entrevista à imprensa da Apufsc o novo presidente da Andifes, professor Edward Madureira Brasil, avaliou como “desastroso” o corte de 18,2% na verba de custeio e capital (investimento) das universidades federais de todo o país, anunciado pelo Ministério da Economia e confirmado pelo MEC nesta semana. Do total de R$ 4,2 bilhões previstos para serem cortados para a pasta, cerca de R$ 1 bilhão deve ser suprimido do orçamento de custeio das universidades, conforme prevê o Projeto de Lei Orçamentária Anual que chegará ao Congresso no final de agosto.

Em um contexto em que o orçamento deste ano já havia sofrido redução em relação ao ano passado, o novo corte, caso se concretize, inviabiliza o funcionamento das universidades, uma vez que a pandemia as obriga a gastar mais, salienta o presidente da Andifes.  A entidade está se articulando junto ao Executivo e também junto aos parlamentares para tentar impedir este novo corte e também para garantir mais R$ 200 milhões às universidades para despesas com o retorno presencial no ano que vem.  

Confira a entrevista

O MEC anunciou um corte de 4,2 bilhões no orçamento da pasta em 2021. Desse total, 1,4 bilhão atinge as universidades. Quais serão os impactos dessa redução?

Essa redução de mais de 1 bilhão de reais  do orçamento de 2021 das universidades inviabiliza completamente o funcionamento do sistema, porque nós estamos falando de despesas de manutenção das instituições, ou seja, é aquele recurso que a gente utiliza para pagar a energia, a limpeza,  segurança, serviços terceirizados como transporte, diárias e passagens, assistência estudantil. Isso tudo num cenário de três anos consecutivos de orçamento congelado, um orçamento sem reajuste por três anos e os nossos contratos todos de serviços que mencionei foram reajustados. Então as universidades já passam por um estrangulamento, tanto é que muitas universidades fecharam 2019 com contas em aberto. Então imagine mais 18% em cima do recurso que já não dava para passar o ano. É desastroso. Nenhuma universidade consegue funcionar plenamente com um corte desses.  

Segundo os reitores, com a volta às aulas presenciais no próximo ano a previsão é que haja aumento dos gastos com a adequação aos protocolos sanitários, entre outros ajustes. Quanto as universidades estimam de recursos necessários para cobrir esses gastos adicionais?

A gente não tem uma estimativa desse impacto, mas vários estudos estão sendo feitos. Convivemos com algumas incertezas, por exemplo, como será esse retorno presencial? Nós já teremos vacina? Nós já teremos tratamento? Se não tivermos nem vacina, nem tratamento, nem teste, muito provavelmente o que vai acontecer será um retorno na forma híbrida com partes de atividades presenciais e partes a distância no ano que vem. Isso gera um impacto enorme com necessidade de ampliação de horários, redução do número de alunos por sala de aula, isso implica em mais professores, em mais limpeza, em equipamentos de proteção individual, adequações de espaço e tudo isso irá impactar. Na nossa defesa do orçamento, solicitamos a correção no orçamento de 2021 em 1,2 bilhões a fim de pelo menos retornar o orçamento de 2020 e estimamos pelo menos mais 200 milhões para questões nessa linha que falei. A gente sabe que é insuficiente, mas também não vemos espaço para avançar mais do que isso. 

Qual é a situação da Federal de Goiás que o senhor comanda? Vocês chegaram a fazer esse levantamento? 

O nosso corte foi de 16,5 milhões de reais. 

Como a Associação tem se articulado para reverter esse corte anunciado pelo MEC?

Nós estamos buscando os mais diversos interlocutores. Vamos esgotar a possibilidade dentro do Executivo, já tivemos uma reunião com o Ministro da Educação, Milton Ribeiro, e estamos argumentando. O ministro está chegando, talvez não conheça com profundidade o sistema e até para ele poder ter condição de buscar recursos adicionais começamos a mostrar os números que as universidades estão produzindo. No Congresso Nacional, cada reitor já está trabalhando com os seus parlamentares. Como a lei chega no Congresso no final de agosto, em setembro nós já teremos que fazer um trabalho grande no Congresso, caso a gente não consiga isso no Executivo. Mas nós vamos tentar ainda no Executivo, estamos buscando formas de diálogo e convencimento      

Das 69 universidades federais, cerca de 26 já iniciaram as atividades de forma remota e outras estão se organizando para isso. Qual tem sido a maior dificuldade das instituições?

São muitas as dificuldades. Numa ordem decrescente eu diria que a maior dificuldade é com o acesso dos alunos de baixa renda. Como resolver, nós temos no sistema 25% aproximadamente de estudantes que vêm de famílias com renda per capita inferior a meio salário mínimo e por uma dedução lógica a gente entende que essas famílias dificilmente têm condições de absorver a despesa com a compra de um equipamento para acompanhamento das atividades remotas. Na minha opinião esse é o problema número 1. 

Juntamente com esse no mesmo nível de importância o acesso a um pacote de dados para dividir com o público. E a partir desses dois problemas nós temos estudantes que estão em locais remotos onde não há sinal, estudantes com deficiências que a gente precisa adequar o ensino. Além disso, do lado dos docentes temos algumas dificuldades, principalmente com familiaridade com as tecnologias, mas isso está sendo muito trabalhado pelas universidades. A gente entende que para a segurança da comunidade universitária e da sociedade como um todo essa é a alternativa (ensino remoto) mais factível que se tem para esse momento em que não conseguimos enxergar ainda a possibilidade de retorno presencial com segurança. Temos problemas estruturais também, faltam de recursos para algumas dessas coisas, inclusive para nossas redes e isso é um problema que a gente vai conviver e vai descobrir o tamanho quando tudo estiver rodando.                          

As universidades têm sido criticadas pela demora em implementar o ensino remoto. Até que ponto parte dessa lentidão está relacionada à falta de recursos, ao sucateamento das federais nos últimos anos? 

Não concordo com as críticas em relação à lentidão. Nesse momento ainda não há uma relação direta com a falta de recursos. A falta de recurso pode impactar inclusive neste ano, mas não é isso que tem impossibilitado. As universidades são muito cuidadosas, criteriosas e comprometidas com a qualidade, com a segurança e com a isonomia do tratamento dos estudantes. E as instituições também nesse período de pandemia não pararam nem um minuto e mergulharam completamente no enfrentamento da pandemia na pesquisa, na assistência. Praticamente de todas as universidades, uma parte já começou e a outra já definiu quando começa e outras ainda estão decidindo. Então há o movimento de todo o sistema para retornar e é claro que vamos nos desdobrar para regularizar o calendário acadêmico.  

Qual a maior necessidade das universidades neste momento? 

Continuo achando que o orçamento inadequado que a gente vem convivendo a vários anos é o fator mais limitante que temos hoje. Além das questões ligadas a Autonomia Universitária que volta e meia é desconsiderada. E isso, sem dúvida nenhuma, atrapalha muito o desempenho das universidades.   

Com essa limitação do orçamento insuficiente, como as universidades vêm conduzindo esse momento, na sua avaliação?  

De forma exemplar. As universidades se desdobraram, os docentes, os técnicos, os estudantes, todos demonstraram e colocaram todo o conhecimento, toda a ciência em favor da vida, da sociedade, trazendo estudos, reflexões, desenvolvendo novos produtos, testes, entre outros. As universidades, não tenho dúvidas, juntamente com o Sistema Único de Saúde (SUS), são os grandes protagonistas no enfrentamento da covid-19. Imagino que a sociedade brasileira reconhece, porque as universidades tiveram um papel preponderante em todas as ações, seja na realização de testes, na produção de equipamentos, no desenvolvimento de equipamentos, produção de insumos, tratamento das pessoas, estudos sobre a evolução da doença e tudo mais. Então as universidades se colocam como essenciais na construção e reconstrução da economia do país e da nossa sociedade.   

No último ano e meio, o MEC já teve dois dirigentes e agora é comando pelo terceiro ministro da Educação desta gestão. Como a Andifes se coloca diante dessas mudanças que provocam instabilidade no Ministério?

A Andifes espera que o Plano Nacional de Educação seja executado e que tenhamos políticas seguras para o avanço da educação brasileira. A Associação se coloca sempre disposta a dialogar e a contribuir com o país desde que seja respeitada o princípio da Autonomia Universitária e da democracia e do compromisso de se fazer justiça social a partir da educação.    

Como tem sido o diálogo com o novo Ministro da Educação, Milton Ribeiro?  

Nós fizemos uma reunião remota com ele e com o secretário executivo e eu digo que a forma de tratamento é bem diferente do que a gente viveu nesse ano anterior. Tivemos a possibilidade de conversar, de argumentar, de mostrar nossas preocupações. Ele (ministro) se mostrou uma pessoa que quer contribuir efetivamente para a educação. Então, a primeira impressão é de que temos possibilidades concretas de diálogo com o MEC. 

Qual foi a participação do MEC até esse momento para viabilizar a continuidade das atividades? 

O MEC está empenhado em viabilizar um pacote de dados para os estudantes de baixa renda. Já foram duas chamadas com esse objetivo. Esperamos um apoio do MEC em todas essas questões.  Há uma constatação de um orçamento do MEC insuficiente para investimentos neste ano ainda, mas percebemos da secretária de educação superior um empenho e uma tentativa de entender a situação e em tentar viabilizar os recursos. Mas é preciso que haja uma decisão de governo de priorizar a educação, que é a única porta de saída dessa crise.     

Emily Menezes