‘Mundo gira por causa do progresso científico, não da economia’, diz presidente da Fapesp

Segundo Marco Antonio Zago, pandemia revela poder da pesquisa em oferecer respostas

Não há como se falar de desenvolvimento e de uma retomada verde sem investir em ciência e tecnologia, defende o presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP), Marco Antonio Zago. “O mundo gira, muda, por causa do progresso do conhecimento científico, não da economia”, disse ao Estadão.

Ele é otimista sobre o envolvimento das novas gerações na pauta ambiental e acredita que a pandemia do novo coronavírus reforça que a ciência é capaz de dar respostas para os desafios – desde que haja recursos suficientes. Leia os principais trechos da entrevista ao Estadão:

A pandemia muda como a ciência é vista? Ela sairá fortalecida? 

A pandemia revolucionou o modo de vida ou, pelo menos, colocou breque na vida que tínhamos. E apareceu que as soluções não estavam prontas. Você se defronta com o problema, vê o que já existe a respeito, propõe solução, testa, analisa, vê se foi eficiente – nem sempre é, tem outra melhor -, e a ciência caminha. A sociedade passou a usar intensamente o método científico, muitas vezes até desconhecendo isso. Disciplinas ganham importância: epidemiologia, medicina, biotecnologia. Quando se imaginaria ser possível pôr no mercado vacina para uma doença nova em menos de um ano? A ciência ganhou relevância. Vai continuar? Vai. O mundo gira, muda por causa do progresso do conhecimento científico, não da economia. A economia vem após o progresso científico e dos meios de produção. China, Coreia, Japão inovaram e promoveram forte desenvolvimento da ciência. Em um quadro de como o País se desenvolver, quatro desafios fundamentais: reforma da educação básica e universitária; ampliação racional da infraestrutura: porto, estrada de ferro, ao invés de estádio; reforma do Estado e administração pública; ciência e tecnologia como base do desenvolvimento. 

Tem havido cortes de bolsas e outras ações que criam reação na comunidade acadêmica. Há enfraquecimento da academia? 

Não é enfraquecimento da academia, são decisões dos que dirigem o País. Quando a Fapesp dá bolsas, cria massa crítica altamente qualificada, capaz de fazer o Estado desenvolver. O que acontece se suprimir bolsas? No primeiro ano, nada. Não terá bolsista, muita gritaria, mas a economia não será bruscamente afetada. Mas, em dez anos, o Estado perde capacidade de competição. É desse segmento que surgirão empresários, lideranças, e, para isso, precisam de educação. A academia sofre com corte de verba? O País sofre com cortes, já evidentes na área federal, uma redução importante de recursos da pesquisa. O quarto componente do menu para desenvolver o País está prejudicado.

Para alterar esse cenário, são necessárias muitas mudanças? 

O mais importante é vontade política. É preciso uma concertação de lideranças políticas, qualquer que seja o partido: reformas administrativa e tributária não resolvem a longo prazo se o País não tiver educação, ciência e tecnologia. Não é um gasto que pode cortar porque está apertado e precisa pagar salário. É o que faremos para aumentar a produção – para ter mais ICMS e poder pagar mais salário.

As relações da universidade com empresas e Estado já ocorrem de modo suficiente no País?

Precisa ser fortalecido. Mas, nos últimos dez anos, houve grande fortalecimento. A produção de vacinas é um exemplo fantástico da interação entre setor acadêmico – que produz pesquisa básica e rotas biotecnológicas -, empresas, quem investe, faz fábricas, contrata -, e o governo, que atua em regulação e distribuição. É necessária a interação entre os três setores, e isso ocorre com evidência. O setor da agropecuária é um dos mais bem-sucedidos na economia do País e resulta de associação próxima de iniciativa privada, governo e academia. Grande parte dos melhoramentos para produção de soja, feijão, arroz e gado se origina de universidades. 

Leia na íntegra: Estadão