Cientistas fogem do Brasil após ataques de extremistas sem punições

Profissionais que atuam em pesquisas sobre a Covid-19 e outros temas considerados sensíveis relatam ameaças e dificuldade para trabalhar, mostra reportagem do Metrópoles

Fazer ciência sobre alguns temas no Brasil tem sido um desafio que vai além dos cortes orçamentários: a crescente barreira ideológica que se manifesta em ameaças e perseguição a cientistas vindas até de órgãos públicos. Entre os estudos que esse entrave tenta interditar, estão pesquisas na área que o país mais necessita no momento: o coronavírus.

Desde o início da pandemia, os ataques a cientistas que produzem material que desagrada grupos radicais de apoiadores do governo se intensificaram. Não é, porém, um fenômeno novo nem restrito a pesquisas médicas. Em 2018, a antropóloga e defensora dos direitos das mulheres Debora Diniz, da Universidade de Brasília, teve de deixar o país por causa de ameaças de morte.

Na última semana, a geóloga Larissa Mies Bombardi, da Universidade de São Paulo, lamentou em forte desabafo ter de tomar a mesma decisão como uma das consequências de suas pesquisas sobre agrotóxicos.

A saída de alguns estudiosos do país é o efeito mais extremo de um fenômeno que ameaça a pesquisa como um todo. Há casos igualmente graves de cientistas que ficaram no Brasil, mas tiveram seus trabalhos abalados pelos ataques. Como no caso do infectologista Marcus Lacerda que coordenou, no início do ano passado, estudo sobre a eficácia da cloroquina contra o coronavírus.

Ele e os colegas, ligados à Fiocruz e à Fundação de Medicina Tropical em Manaus, foram atacados nas redes num movimento promovido até pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

Ameaçados até de morte, Lacerda e a família tiveram de circular com escolta. A polícia iniciou uma série de apurações para tentar descobrir os responsáveis pelos ataques. “Mas foram rapidamente arquivadas, não seguiram adiante. As que demoraram foram as investigações contra mim”, relata o infectologista em entrevista ao Metrópoles.

A guerra cultural contra a ciência

Cientista social da Rede Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade e professor na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Rafael Evangelista avalia que o volume de ataques a cientistas no Brasil é um problema ligado à crescente força da extrema direita.

“Nas redes bolsonaristas, é constante encontrar esse tipo de mensagem, algumas de sujeitos radicalizados incitados por autoridades. A ideia de ‘matar esquerdistas’ ou persegui-los de alguma forma é constantemente aventada. Aí, se os cientistas ou divulgadores se alinham na defesa da vacina ou na condenação ao kit Covid, são logo colocados na categoria esquerdistas. A perseguição é para quem discorda politicamente, categoria em que os cientistas acabam se encaixando por defenderem medidas racionais”, analisa o docente.

Evangelista afirma também que o negacionismo que estimula as ameaças é amplificado na internet por veículos extremistas que apoiam o governo. “São veículos predatórios que vivem de produzir sensacionalismo para esse público. É com esse tipo de veículo que o presidente se comunica quase todos os dias no cercadinho. Alguns desses canais chegam a ter 500 mil views em uma semana, e a maioria tem pelo menos algumas dezenas de milhares. Produzir desinformação científica alinhada à extrema direita virou negócio atrativo”, alerta o cientista social.

Uma resposta

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) mantém um grupo de trabalho sobre direitos humanos, que, segundo a vice-presidente da entidade, Fernanda Sobral, finaliza um apelo pelo respeito à liberdade de expressão dos pesquisadores.

“Está havendo uma penalização do trabalho científico, dos professores e da própria prática de pesquisa”, afirma Fernanda Sobral. “Vemos isso de várias formas. Há monitoração da coleta de dados, há restrições à livre apresentação dos objetos de pesquisa, como ocorreu com o doutor Ricardo Galvão”, pontua a vice-presidente da SBPC, em alusão à demissão, em 2019, do diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), sob a acusação de simplesmente divulgar dados públicos sobre o aumento do desmatamento da Amazônia.

Fernanda Sobral aponta que essa interdição a seu trabalho está sistematicamente obrigando pesquisadores a saírem do país. “Muitos cientistas estão tendo que se asilar. Verdadeiramente, esse é o termo. Porque são ameaçados, como foi o caso da Debora Diniz, da UnB.”

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