A UFSC NO FUNDO DO POÇO: a farsa das eleições para reitoria

Por Helton Ricardo Ouriques*

A conjuntura da pandemia Covid 19, que nos assola desde o início de 2020, evidenciou o fundo do poço institucional de nossa universidade: a par de todos os esforços da comissão de segurança sanitária, que nos orientou internamente e colaborou com a sociedade catarinense nos protocolos de enfrentamento da doença, tivemos o desprazer de assistir a falta de atuação de uma reitoria marcadamente pífia em termos de gestão, com uma atuação na maior parte das vezes emudecida diante dos ataques externos e com um reitor absolutamente ausente. Tudo isso com o sepulcral silêncio de um Conselho Universitário confuso, marcado por debates meramente politiqueiros (para usar uma palavra suave!) e pouco resolutivo, com muitos de seus membros mais interessados em obscuros interesses eleitorais, que agora se manifestam.

Chegou-se ao absurdo de aprovar um parecer que votou a regulamentação da consulta “informal”, abrindo uma janela para intervenção do governo federal quando da nomeação da candidatura eleita. Aliás, essa convivência e mesmo confusão entre o “informal” (da consulta à comunidade universitária pelas entidades sindicais dos três segmentos) e o formal (a eleição no conselho universitário) é também fonte de muitos problemas. É um verdadeiro laisser-faire, onde tudo pode, como o uso ilícito de meios e cargos institucionais para fazer campanha, pressionar pessoas e mesmo ingerências de organizações externas, como partidos e lojas maçônicas¹. A vigência histórica desse tipo de “eleições informais” já mostrou tantas ilicitudes que daria um livro em três tomos, caso as mesmas fossem contadas. Dois exemplos, somente nessa semana: a) a coordenação do curso de medicina envia mensagem aos docentes pedindo voto para chapa da reitoria; b) a diretora do CED, em reunião formal da unidade que preside, fez campanha aberta para a chapa da qual é candidata a vice-reitora. Exemplos de abuso de poder, recorrentes nessa universidade em períodos eleitorais.

A proposta de calendário das eleições “informais” feita pela ComeleUFSC é um absurdo. Foram apenas 4 dias para inscrição de candidaturas, com uma divulgação feita às pressas. E com um primeiro turno para ocorrer no dia 22 de março, com o feriado de carnaval no meio!  Portanto, menos de 15 dias úteis para que as candidaturas dialoguem com os eleitores, pois a campanha será em regime remoto e em pleno final de semestre. Os autointitulados representantes da democracia e da participação é quem estão por trás disso! Eleição para reitoria é coisa séria, e deveria haver um tempo hábil para exposição de ideias e ideais e debate qualificado na universidade, para que a comunidade pudesse conhecer efetiva e minimamente as propostas das candidaturas e as próprias candidaturas, aliás.

É vergonhoso que representantes de categorias de estudantes e TAES na comissão eleitoral estejam por trás desse calendário (a APG, pelo menos, teve a decência de defender os dois turnos de forma presencial!), que não permite que a comunidade acadêmica de toda a UFSC sequer conheça as candidaturas. Quem defende democracia deveria defender eleição presencial para a reitoria (dada sua dimensão!), e não um calendário atropelado, que só favorece interesses já consolidados: a) da atual gestão, do grupo que costumeiramente administra a UFSC e que tem a máquina a seu dispor; b) da candidatura placebo, eterno plano B de parte de personagens ligados à maçonaria e apoiada por uma deletéria e esquizofrênica federação partidária. O escopo é sempre o mesmo: convivência mútua e divisão de poder dentro da universidade. Danem-se os fins da instituição!

Mas a responsabilidade maior é do Conselho Universitário, que permitiu essa situação (e dela foi cúmplice, obviamente). Um Conselho Universitário sério já teria pautado o assunto com vagar e responsabilidade político-administrativa desde o início do ano passado, chamando para si a responsabilidade de termos um calendário decente, com tempo de campanha, debate de ideias etc.  Seria um ato de decência mínimo garantir que os dois turnos ocorressem no regime presencial, para pelo menos manter as aparências de um processo eleitoral razoável.  Mas a ambição desmedida, os interesses corporativos escusos e de forças alheias à universidade sempre prevalecem na UFSC.

O fato é que a política universitária passa por uma longa e progressiva degradação, com grupos e pessoas que há tempos transformaram a política interna em interesses de poder, acúmulo de benefícios pessoais e pautas partidárias. As políticas e projetos acadêmicos, ligados às atividades de pesquisa, ensino e extensão foram e continuam sendo colocadas em último plano. Interesses corporativistas e particularistas imperam e a universidade se afastou e continua se afastando da discussão fundamental: como contribuir para o futuro do país? Óbvio que, a despeito disso, coisas boas acontecem (não dá para mencioná-las todas aqui!), fruto da pesquisa e extensão de parte importante dos docentes, estudantes e técnico-administrativos, além da dedicação administrativa também de parte importante do corpo técnico-administrativo, apesar da má-gestão que impera nas instâncias da reitoria e muitos centros de ensino.

Esse calendário eleitoral maquiado, atropelado e propositadamente construído para favorecer duas candidaturas (que expressam as verdadeiras forças do atraso intelectual, moral e acadêmico de nossa instituição), é apenas mais um elemento dessa longa trajetória de distanciamento da UFSC do caminho da seriedade e das suas funções estatutárias. Esses pseudodemocratas perderam efetivamente todo o pudor, toda a compostura. Embusteiros que degradam a universidade, motivados por coisas muito distantes da disseminação do conhecimento, da produção da ciência, tecnologia e inovação, coisas que deveriam sempre ser o Sul de uma instituição universitária.


¹ É oportuno deixar registrado que não tenho nada contra filiações a  quaisquer instituições ou mesmo contra afinidades religiosas ou políticas. Tenho vínculos de amizade com pessoas  que pertencem a maçonaria, ao PT e outros partidos e a variadas religiões, por exemplo. Obviamente que eu mesmo possuo minhas identidades, no sentido aqui colocado. O problema não é a identidade (ou pertencimento) de qualquer um de nós com quaisquer grupos sociais. Em se tratando de UFSC, a crítica que faço é quando interesses ligados às distintas identidades pessoais se sobrepõem ao interesse público, que a universidade, instituição do Estado, deveria representar.

Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais – CSE/UFSC