Decisão do TCU alivia drama dos últimos seis anos na UFSC: “Cancellier foi vítima”, diz reitor

Tribunal de Contas da União arquivou em 4 de julho o processo sobre supostas irregularidades na locação de veículos

Passados 2.120 dias da prisão do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Luiz Carlos Cancellier de Olivo pela Operação Ouvidos Moucos, o Tribunal de Contas da União (TCU) arquivou em 4 de julho o processo sobre supostas irregularidades na locação de veículos. No primeiro mês destes quase 70 meses, o reitor cometeu suicídio e a UFSC começava uma crise institucional sem precedentes na esteira de uma operação policial cujas irregularidades serão alvo de providências do Ministério da Justiça, de acordo com o ministro Flávio Dino.

Para o atual reitor da UFSC, Irineu Manoel de Souza, a decisão do TCU demonstra que “o professor Cancellier foi uma vítima; a prisão dele foi um ato arbitrário. Ocorreram fatos realmente absurdos, sem constatação de irregularidades, um ato muito violento, um episódio lamentável que vai ficar sempre na história da nossa Universidade. Pena que ele (Cancellier) não está aqui para comemorar essa decisão de fato”. A decisão do TCU é “uma forma de realmente restabelecer a verdade e temos certeza que a Universidade e as pessoas que foram muito prejudicadas terão a sua imagem restabelecida”, aponta Irineu.

Assista ao vídeo com a declaração do reitor da UFSC sobre o caso:

O então chefe de gabinete e amigo do reitor Cancellier, Áureo Mafra de Moraes tem sentimentos parecidos com os de Irineu, de a justiça estar no caminho. “Há a certeza de que não havia um milímetro que se sustentasse quanto às acusações, ainda que isso não atenue a revolta ou a saudade pela violência que acometeu particularmente o Cancellier”, conta Áureo.

O drama pessoal da família de Cau, como o reitor era chamado por parentes e amigos, não diminui com a decisão do TCU, mas é mais uma das formas de reconhecimento das arbitrariedades a que foi submetido, conforme Acioli Cancellier de Olivo, irmão mais velho do reitor: “Eu e a família estamos muito emocionados e satisfeitos que, pela primeira vez nesses seis anos, nós passamos da fase do Estado opressor; nós temos o vislumbre de estarmos diante de um estado protetor”.

Desde 14 de setembro de 2017, quando o reitor e outros professores foram conduzidos coercitivamente pela Polícia Federal (PF), Acioli destaca ter assumido uma batalha cujo objetivo é mostrar que seu irmão é inocente. “Essa luta começou quando entreguei (em outubro de 2017) ao então ministro da Justiça uma representação questionando os métodos que foram empregados e pedindo a responsabilização daqueles que promoveram aquela operação e, em última análise, responsabilizando-os também pela morte do meu irmão”, diz, salientando que nunca teve resposta.

Formado em Matemática pela UFSC em 1975, Acioli entende que o Estado brasileiro é responsável por erros cometidos na condução da operação da PF – uma opinião defendida ao longo dos últimos seis anos, não uma acusação, ressalta: “meu irmão foi morto, mas eu não quero vingança contra os responsáveis, eu quero justiça, e justiça da maneira mais completa, com todos os procedimentos, argumentos, todas as provas possíveis, e com o julgamento imparcial. E que se julguem essas pessoas. Se eles forem considerados inocentes eu acatarei, porque eu sou um democrata. Eu acredito na justiça, acredito no estado de direito e acredito nas instituições”.

Direitos de defesa e do processo legal foram negados, diz ex-chefe de gabinete

Áureo também compartilha a crença de não esperar vingança, mas justiça, por meio de práticas que não foram utilizadas há época como o devido processo legal, direito ao contraditório e à ampla defesa que foram sonegadas ao reitor Cancellier. “Com isso a gente teria a devida reparação do Estado para as pessoas”, afirmou.

A imagem da UFSC foi devastada por uma cobertura midiática sem checagem e que posteriormente foi alvo de muitas críticas, ao seguir apenas as informações da PF, critica Acioli. “A Polícia Federal, naquele momento, estava condenando o reitor e a organização criminosa por ele liderada por ter desviado R$ 80 milhões de reais, sem nenhuma comprovação. E se caracterizavam por ter uma ação espetaculosa, midiática, ao mesmo tempo por um elemento punitivo, que subverte a questão da justiça que é investigar, coletar provas”.

Cancellier participou de ato pelo fim da violência contra a mulher, em 2016 (Foto: Pipo Quint/Agecom/UFSC)

Professor do Departamento de Jornalismo da UFSC, Áureo adverte que a Universidade precisa sempre falar sobre o tema. “As pessoas que não viveram o episódio precisam saber o quanto aquilo nos foi prejudicial. Talvez nos primeiros meses ou nos primeiros anos depois (a instituição) não conseguia sublimar tudo isso. E não tenho dúvidas que nós continuamos alcançando e mantendo as posições de destaque dessa instituição pela pesquisa que faz, pela formação que promove e pela colaboração com a sociedade”, exalta Áureo. Ele destaca também que “essa decisão do TCU, no fundo, consolida aquilo que a Universidade já sabia”.

“O reitor Cancellier foi vítima de medidas violentas, injustas e desnecessárias”

O professor João dos Passos Martins Neto, do Centro de Ciências Jurídicas (CCJ/UFSC), que também é procurador do Estado (PGE/SC), explica que independentemente do que se venha a concluir após o esgotamento das apurações o reitor  Cancellier foi uma vítima. “Seja em âmbito administrativo ou judicial, ou mesmo na absurda hipótese da imputação de ilicitude, o fato é que Cancellier foi vítima de medidas violentas, injustas e desnecessárias – prisão temporária e afastamento cautelar do cargo”. 

Conforme o professor, na época da operação, ainda não pesava qualquer acusação formal contra o reitor. Inexistia, até àquela altura, qualquer denúncia dos órgãos estatais de persecução penal (Ministério Público). A fase era apenas de investigação. Assim, o professor avalia que as decisões tomadas eram dispensáveis. “Foram expedidos, segundo as assertivas do próprio juízo, em razão da suposta necessidade de prevenir a obstrução de procedimentos administrativos de apuração de infrações, e não de procedimentos de investigação policial ou de instrução penal, estes os únicos aptos a justificar as medidas deferidas em âmbito processual penal, segundo a legislação então vigente”, enalteceu.

Ainda de acordo com o professor, tudo ocorreu em um contexto em que não houve recusa em prestar depoimento ou fornecer informações e em que os processos e documentos obtidos por busca e apreensão poderiam ter sido simplesmente requisitados. Para o professor João dos Passos, mesmo diante de qualquer responsabilidade administrativa, Cancellier jamais poderia ter sido tratado de maneira abusiva, “jogado numa cela da penitenciária e impedido de exercer a função pública naquelas circunstâncias”. Diante da inexistência de acusação, condenação ou culpa formada, não havia evidências e não houve contraditório. “Providências menos gravosas e mais eficazes poderiam ter sido adotadas com a finalidade de investigar o quer que fosse. É preciso entender que tentar implicar Cancellier em alguma ilegalidade hoje, após anos de apuração, não fará desaparecer o abuso praticado na fase de investigação da Operação Ouvidos Moucos”, concluiu.

Fonte: Notícias da UFSC