Somos uns Zés-ninguém

*Por Alessandro Pinzani

Vou declarar de antemão que votei Lula nos dois turnos e que ainda o faria, considerando a alternativa moral e politicamente inaceitável representada por Bolsonaro. Isso, contudo, não me impede de sentir-me abandonado e desprezado pelo governo atual.

No dia 18 de dezembro, o governo federal informou que em 2024 não concederá reajuste salarial aos servidores do Poder Executivo (entre os quais estão STAs e docentes das universidades federais). Os servidores dos poderes Legislativo e Judiciário, pelo contrário, estão recebendo um reajuste de 18% (6% em 2023, 6% em 2024 e 6% em 2025). O governo promete aos servidores do Executivo o mesmo reajuste até 2026, mas de forma parcelada, sendo que em 2023 recebemos 9%, em 2024 “receberemos” 0%, em 2025 receberemos 4,5% e em 2026 4,5%.

Quando este governo assumiu o poder, prometeu restituir à ciência aquele prestígio e apoio moral e financeiro que o governo anterior, povoado de negacionistas científicos, lhe tinha subtraído. De fato, Capes e CNPq receberam mais dinheiro, as bolsas para discentes foram reajustadas e se começou a respirar outro ar nos corredores das universidades. Mas o respeito à ciência se manifesta também no respeito a quem produz ciência e forma futuros cientistas. Em nossa sociedade capitalista, onde o valor das coisas e das pessoas se mede com base no seu valor monetário, isto é, com base em quanto estamos dispostos a pagar por elas, o valor que o governo dá aos produtores e disseminadores de ciências se reflete nos salários que está disposto a pagar-lhes. Salários que, basicamente, são os mesmos de 2016 mais o recente reajuste de 9%, diante de uma inflação acumulada que levou a uma perda real de salário calculada no mínimo em 35%. Em outras palavras, nosso valor para o governo é negativo e não merecemos atenção. Somos uns Zés-Ninguém.

Claro, existem outras prioridades, como o combate à pobreza e a retomada dos programas sociais. Eu acetaria um reajuste zero se o dinheiro fosse exclusivamente para estas áreas. Mas por que, então, o governo concedeu reajustes diferenciados aos membros dos três poderes? Ou bem não há dinheiro para conceder reajuste salarial a todo e qualquer servidor público – e então ninguém deveria ganhar reajuste. Ou bem, se há dinheiro para um reajuste (por mínimo que seja), que seja dado a todos de maneira isonômica. Ao decidir privilegiar dois poderes, o governo deixou claro o que ele pensa dos servidores do terceiro que, repito, compreende as pessoas que produzem aquela ciência que o governo diz prezar tanto: nós, docentes, e as e os STAs.

Haverá reação por parte dos sindicatos? Veremos. Mas fica a mensagem de desprezo por parte do governo.

*Professor do departamento de Filosofia da UFSC