“Sociedade é resistente à presença de mulheres em espaços de destaque”, diz secretária da SBPC em SC

No Dia Internacional das Mulheres e Meninas nas Ciências, Maria Elisa Máximo, que é professora da UFSC, cita fatores estruturais como causas da desigualdade de gênero na ciência

A secretária regional em Santa Catarina da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Maria Elisa Máximo, considera o fator estrutural como uma das principais causas de distorções entre os espaços e os papeis ocupados por homens e mulheres na produção do conhecimento. “A desigualdade no meio científico é, antes e acima de tudo, consequência de uma sociedade desigual, excludente e violenta para meninas e mulheres”, pontua.

Professora Maria Elisa Máximo é secretaria regional da SBPC, mãe e cientista (Foto: Arquivo Pessoal)

A adoção de linhas de financiamento e editais específicos para mulheres cientistas em diferentes estágios da carreira, os incentivos para a formação de grupos de pesquisa voltados aos estudos de gênero e diversidade e os programas de formação que incluam o letramento em gênero são citados por ela como algumas das possibilidades para acelerar o processo de equidade.

Em entrevista à UFSC no Dia Internacional das Mulheres e Meninas nas Ciências, celebrado neste domingo, dia 11, ela, que também é professora do Departamento de Antropologia da universidade, mãe e cientista, citou aqueles que considera os maiores desafios para as carreiras científicas das mulheres: a maternidade e a hostilidade do meio acadêmico associado ao machismo institucional.

Leia a entrevista completa

Segundo o relatório da Unesco sobre mulheres na ciência de 2023, 33,3% é a porcentagem média global de pesquisadoras e apenas 35% de todos os estudantes das áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática são mulheres. O que explicaria esses percentuais?

O que mais chama a atenção nesses dados é que, embora muito sutil, a presença de mulheres nas chamadas “ciências exatas” é maior do que nas ciências de modo geral. Se já tivéssemos alcançado mais equidade na média global, mas ainda estivéssemos em minoria nas ciências exatas, poderíamos tratar como um problema mais pontual e localizado de um campo científico tradicionalmente ocupado e dominado por homens.

Mas os números gerais ainda apontam uma grande desigualdade e isso não deixa dúvidas de que estamos tratando de um problema estrutural, que transcende o meio acadêmico-científico e diz respeito à estrutura da sociedade, ainda patriarcal, machista e resistente à presença das mulheres em espaços de destaque, de produção de status, de exercício de poder, de construção de conhecimento, etc. Ou seja, a desigualdade no meio científico é, antes e acima de tudo, consequência de uma sociedade desigual, excludente e violenta para meninas e mulheres.

Em um dos pontos mais altos da carreira de uma mulher cientista no Brasil, que seriam as bolsas de produtividade, dados de 2022 registram que apenas 27% das beneficiárias são mulheres. Quais seriam as principais barreiras para mulheres ascenderem ao topo da carreira na mesma proporção que homens?

São muitas as barreiras, mas eu citaria duas que considero centrais e que já passou da hora de termos estratégias e políticas públicas efetivas para enfrentá-las. A primeira delas está relacionada à maternidade, que efetivamente “atrasa” ou desacelera a produção científica das mulheres em um mundo acadêmico cada vez mais regido pela lógica produtivista. E, nesse ponto, nossa atenção e crítica devem recair sobre a falta de acolhimento e de estratégias de promoção da equidade para cientistas mães, mas também temos que ser críticos ao produtivismo acadêmico que, de forma geral, vem adoecendo e precarizando a vida daqueles e daquelas que produzem ciência no país.

Nesse contexto, mulheres – e mulheres mães – são triplamente atingidas pois elas acumulam todas aquelas tarefas e obrigações inerentes ao trabalho de reprodução social, seja dos próprios filhos e filhas, seja de outras pessoas da família (idosos, doentes etc).

A outra barreira, mais subjetiva, é a persistente hostilidade do meio acadêmico para as mulheres em face do machismo institucional que, infelizmente, ainda é uma realidade. São casos de assédio, de tentativas de tutela, de deslegitimação e de pouca valorização que, muitas vezes, afastam jovens mulheres dos espaços de produção da ciência.

A imagem do “cientista universal” é, ainda hoje, a do homem, branco, eurocêntrico e isso faz da academia um lugar ainda regido por uma “gramática” masculina e heteronormativa, centrada no homem cisgênero. E isso cria, sem dúvida alguma, uma série de barreiras para a ascensão das mulheres nas carreiras acadêmicas.

O enfrentamento dessas barreiras depende, por isso, não apenas de questões objetivas (mais bolsas, editais específicos, regras – e réguas – distintas para mulheres mães etc), mas depende também de uma vontade política de todos – incluem-se aí os homens – de promover mudanças na própria cultura acadêmica e científica.

Você observa alguma mudança de cultura nestas disparidades de gênero na Educação Básica e no Ensino Médio? É possível vislumbrar um futuro próximo com mais equidade?

A resposta anterior já responde, de algum modo, essa pergunta. Estamos mudando e avançando devagarinho, mas eu não arrisco dizer que essas mudanças já se refletem na estrutura. Isso não nos impede de vislumbrar um futuro próximo com mais equidade. Pelo contrário, tem muita gente se movimentando e construindo esse futuro.

Mas fatos recentes como o posicionamento do atual presidente do CNPq sobre movimentos como o Parent in Science nos mostram, de forma muito evidente, como ainda temos um caminho longo e árduo pela frente até conquistarmos mudanças estruturais.

Quando um homem em posição de liderança e de poder decisório sobre bolsas, financiamentos de pesquisa etc, diz publicamente que movimentos como o Parent in Science “atrapalha muito” a gestão de uma agência de fomento à pesquisa, temos a materialização dessa estrutura masculina e machista da ciência no Brasil. Se “atrapalha” é porque expõe e coloca em risco esse poder dominante. Se estamos atrapalhando, é porque, de algum modo, estamos mudando o estado das coisas. Mas, por outro lado, quem está lá, com poder de decidir, de liderar, ainda é um homem, um homem branco.

Do ponto de vista das políticas públicas, como os governos e suas instituições poderiam se comprometer com a equidade de gênero na ciência?

Em primeiro lugar, colocando mais mulheres nos espaços de liderança e de decisão. Precisamos de mais ministras, secretárias de estado, prefeitas, reitoras, pró-reitoras nos espaços e posições onde as políticas de ensino, pesquisa e extensão são definidas, onde as estratégias de financiamento são elaboradas etc. De forma mais específica, critérios diferenciados para bolsas produtividade, considerando licenças maternidade; linhas de financiamento e editais específicos para mulheres cientistas (jovens e seniors); incentivos para a formação de grupos de pesquisa voltados aos estudos de gênero e diversidade nas diferentes áreas do conhecimento; programas de formação de gestores e docentes que incluam o letramento em gênero, etc.

Como a sociedade, independente do gênero, pode se aliar à busca da equidade de gênero nas ciências?

Na sociedade, a ação é essencialmente política. Precisamos de mais mulheres na política sensíveis à promoção da igualdade de gênero. Todos esses aspectos que cercam nossas carreiras acadêmicas são, antes de tudo, norteados por leis que também são majoritariamente elaboradas e votadas por homens. Então, precisamos de mais vereadoras, deputadas, senadoras sensíveis e comprometidas com a urgência de se promover a igualdade e equidade de gênero nos diferentes níveis da educação.

Além disso, não podemos esquecer que precisamos de um enfrentamento cada vez mais ostensivo a toda e qualquer tentativa de retroceder nas conquistas já realizadas.

Vivemos hoje um momento de ascensão de grupos reacionários, conservadores e fundamentalistas religiosos que insistem nesse retrocesso e usam de todo um aparato midiático – favorecidos sobretudo pela infraestrutura das redes digitais – para gerar adesão e engajamento. Por isso, concordo muito com quem defenda que, hoje, ciência e política são dimensões inseparáveis e que precisamos atuar como cientistas engajados na luta por uma academia mais justa, igualitária e livre de preconceitos e discriminação de gênero, de raça, de etnia.

Além dos desafios de paridade de gênero, a Ciência ainda precisa lidar com os desafios de pensar nas várias especificidades/identidades que atravessam as mulheres (maternidade, identidade de gênero, raça, classe, etc). Como lidar com esses recortes?

Sem dúvida, falar em gênero hoje significa considerar diferentes formas de existência. Portanto, quando falamos de equidade de gênero na ciência, estamos tratando da presença de todas as mulheres, de todas as mulheridades: mulheres negras, mulheres indígenas, mulheres trans, não-binárias, mulheres periféricas, dentre tantas outras.

Isso significa dizer que a luta e a promoção da equidade de gênero nas ciências deve se dar numa perspectiva anticolonial, decolonial, contra colonial, sem reproduzir padrões éticos e estéticos do processo civilizatório que está nas bases da nossa sociedade e que respalda todo o patriarcalismo e o racismo estrutural que estamos, justamente, criticando e problematizando.

Fonte: Notícias UFSC