“Sindicalismo” banguela

*Por Armando Lisboa

“Quando elefantes brigam, quem para o pato é a grama”¹.

É um engodo argumentar “falta de recursos” para negar reajustar salários, demonstrou mais uma vez o prof. Roqueiro²! Mas, além deste blefe, equívocos conceituais/ideológicos bloqueiam a percepção das sinérgicas possibilidades político-econômicas postas. Dogmatismos fiscalistas e monetários nos castram e dificultam sair dos pântanos de estagnação onde atolamos.

O recente “Auxílio Emergencial” (que beneficiou praticamente 70 milhões) durante a Pandemia evidencia que, havendo capacidades ociosas, a injeção de poder aquisitivo pelo Estado é benéfica para a economia. O que vimos na Pandemia repetiu o visto na grande crise financeira de 2008, quando bancos centrais dos países mais ricos multiplicaram seus passivos mais de 10 vezes sem qualquer sinal inflacionário. Ambos experimentos são semelhantes ao que transcorre numa “economia de guerra”, onde gastos do Estado, libertos das restrições fiscais, fermentam as atividades produtivas.

O problema não é fiscal, mas de luta por recursos. Dinheiro existe, mas vai para quem faz pressão. As categorias que se mostrarem fracas, ficarão a “ver navios” … Recuar, diante das dificuldades, que não são poucas, ressoará o poema: “a vida é combate, que aos fracos abate …”.

Em verdade, a maior parte da arrecadação é para pagar o serviço da dívida pública. Vai direto para a Faria Lima. Esta dorme feliz, nem precisa fazer pressão.

Para a direita, melhor que um pretenso governo de esquerda contendo aumentos salariais e investimentos nas universidades, é um sindicalismo defendendo a austeridade.

Este é o caso do artigo “Demagogia e irresponsabilidade”³. Para este, afirmar que “dinheiro tem” é coisa dos “arautos do radicalismo de plantão”. Como se fosse um texto advindo do Ministério da Fazenda, é uma distorção no mínimo controversa. Mas, sendo um artigo de cinco lideranças sindicais da Apufsc, trata-se duma perspectiva carente de sensatez! Os que subscrevem acusam o “reajuste salarial” de ser uma “falsa tese” e “aventura política”: como lideranças sindicais, elas merecem respeito ???

O tom do artigo gravita em torno dos “limites do ajuste fiscal”, das cautelas e preocupações (“evitar o impeachment”) que conduzem a ação do governo federal. Ao invés defender o interesse dos docentes (e servidores públicos), “Demagogia e irresponsabilidade” entra no jogo escandalosamente do lado patronal.

Haddad não se defenderia melhor!

O sindicato está diante do processo de luta por salários – atividade que é o âmago desta instituição de trabalhadores. O “reajuste zero” gestou um forte sentimento de indignação entre os colegas. Há que alimentar e cozinhar a atual indignação, transformá-la em algum tipo de reação política capaz de influenciar Brasília.

É momento de informar e mobilizar a base, de juntar forças para fazer pressão política. Esta dinâmica converge, naturalmente, para uma Assembleia Geral que definirá a(s) via(s) de luta a ser(em) trilhada(s). Como sabemos, uma boa AG não cai-do-céu: é o ápice de um esforço de construção. Precisa ser aquecida com materiais reflexivos, com convites para reuniões entre os colegas por centro de ensino, tudo chamando para a AG do dia 27/3.

Mas … nada disto circulou. Nem como aperitivos dos “cafés de boas vindas”. “Cafés de boas vindas” … a Apufsc comporta-se como um mero clube que abandonou a luta, desprovida de qualquer tipo de “faca entre os dentes” …

Neste momento de luta, lideranças da Apufsc prezam por “responsabilidade política”: “de nossa parte, é necessário saber a disposição da categoria em enfrentar o problema das perdas salariais …” (in: “Demagogia e irresponsabilidade”).

Ora, a categoria não é informada/chamada/mobilizada, não há discussões sobre que instrumentos temos para este enfrentamento. Como saber “a disposição da categoria” sem uma ampla AG? Sequer a AG desta quarta adveio da Diretoria. Ela foi, literalmente, arrancada na reunião do CR de 8/3, quando os representantes dobraram as resistências postas pelos diretores para realizar esta AG. Se isto não é adotar uma postura passiva e imobilista – e, portanto, antisindical – então é o que ???

Chega de humilhação. A trégua com o governo federal acabou. É momento das IFES reverter a imagem de impotência e demonstrar sua importância. É momento de enfrentar os interesses privatistas (Fundação Lehmann). Isto pressupõe um mínimo de ativismo e mobilização. Existem muitos instrumentos para tal: artigos de opinião na imprensa, protestos em Brasília, ocupar espaços públicos, e até indicativo de greve…

¹Ditado popular, válido para a disputa entre Andes e Proifes sobre como conduzir o
sindicalismo docente hoje.
²https://www.apufsc.org.br/2024/03/21/no-hay-plata/
³https://www.apufsc.org.br/2024/03/15/demagogia-e-irresponsabilidade/

*Armando de Melo Lisboa é professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais do Centro Socioeconômico (CNM/CSE) da UFSC e ex-diretor da Apufsc-Sindical (2006-2010)