Quais os sentidos da greve da Andes e Sinasefe no sistema federal de educação – pra defender o “carreirão”?

*Por Remi Castioni e Bernardo Walmott Borges

Até aqui Andes e Sinasefe cumpriram a velha cartilha que empregam há décadas. Primeiro se reúnem em torno de uma entidade inexistente, o Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais (Fonasefe). Um fórum que reúne de tudo que há no serviço público federal, com os mais diversos interesses. Com o passar dos meses, as categorias literalmente esgotam sua paciência, e vão cuidar das suas vidas e resolver os problemas das suas bases. Gradualmente as categorias que reúnem visão de longo prazo e tino para a negociação, partem para resolver seus problemas. Ou seja, Andes/Sinasefe “engrossam” os interesses das outras carreiras e gradativamente vão se isolando e para justificar sua equivocada estratégia, passam a atacar os governos, pessoas, entidades e tudo o que vêm pela frente, passando a ideia de que a revolução já está dobrando o quarteirão. É engraçado que este espírito leonino só está presente quando governos democráticos e populares se instalam.

Durante Bolsonaro, Andes/Sinasefe não abriram a boca e foram correia de transmissão para sua eleição. Tudo amplamente comprovado. Como dói aos andesinos recordar, é bom citar as campanhas: Não vai ter Copa, Contra tudo e contra todos, Contra o REUNI e uma centena de decisões equivocadas dos últimos anos, particularmente da Andes. Entidade esta que está à margem de qualquer grande debate sobre educação no Brasil. Foi contra a Conae, é contra o PNE, não integra o Fórum Nacional de Educação (FNE). Literalmente a Andes foi e é tigrão contra Lula e Dilma, e foi tchutchuca contra Bolsonaro/Paulo Guedes.

O mesmo de sempre – o carreirão da Andes

Os professores federais devem mesmo serem duros contra o governo e não devem aceitar reajuste ZERO. Mas para isso é preciso vencer as etapas do processo negocial. Esta fase pressupõe três momentos: uma fase de apresentação de propostas, uma fase de negociação e avaliação, uma fase de decisão e de assinatura de acordos. A fase de apresentação de propostas recém começou. É assim que se processa qualquer processo de negociação salarial. O que ocorre com a Andes. Ficou 25 anos sem assinar um acordo salarial. Seu último acordo, há ¼ de século, foi num momento crucial do movimento docente. A duríssima greve de 1998 no governo FHC, onde o presidente da ANDES à época, por ter assinado o
acordo da Gratificação de Estímulo a Docência (GED), é perseguido até hoje. Para aquele momento foi uma difícil decisão, mas tinha que ser tomada.

Voltando ao nosso caso, a Andes deliberou no seu 42º Congresso, realizado no final de fevereiro, pela deflagração de uma greve. Novamente o equívoco. No seu tour turístico sindical nacional, onde é deliberado de tudo, a Andes opta pela realização de uma greve. A cúpula sindical baseada nos seus argumentos decide fazer a greve. Na reunião das federais, realizada no dia 22 de março, deliberou pela realização de assembleias nas universidades e marcou a greve para 15 de abril.

Nestes 25 anos, a Andes pouco se importou com a carreira. Se opôs à criação da Classe de Associado, que permitiu a vazão dos professores represados, em 2005, para Associado, em 2012, foi contra a passagem ao nível de Titular por dentro da Carreira, foi contra a incorporação da GED e da GAE ao Vencimento Básico. Ou seja, a Andes nunca prezou na defesa da carreira.

Durante a madrugada do dia 23 de março, a Andes fez circular uma proposta conjunta com o Sinasefe. A proposta reproduz a velha proposta do “carreirão” da Andes, que foi derrotada por três vezes na UnB, duas durante a vitoriosa greve de 2012 e a terceira, em 2015, quando a Andes dizia que preferia não ter reajuste a ter seu “carreirão”. Isso não é nenhuma invenção, consulte: http://t.co/Aa4UPBR6. Ou ainda os comentários: https://encurtador.com.br/eiGOS; https://encurtador.com.br/ilwJX

Primeiro, um esclarecimento

O formato da carreira do magistério federal é complexa, mas dialoga com os principais sistemas de países que tem alguma tradição no ensino superior. Na Inglaterra, por exemplo, existe a figura do Lecturer, que é a posição de entrada na carreira. Depois vêm o Senior Lecturer, o Reader e, por último o Full Professor. Nada muito diferente do que existe em outras nações com tradição acadêmica desenvolvida. Basicamente, há em geral 3 ou 4 grandes classes, que correspondem ao estágio de desenvolvimento dos docentes nas respectivas carreiras, Mundo afora: 1) iniciante; 2) já com uma área definida de publicações; 3) docente com liderança em sua área; e 4) professor titular, que, espera-se, seja uma referência importante nessa área. Isso para falar só no âmbito da pesquisa, cabendo paradigmas semelhantes no que se refere às atividades de docência, extensão, por exemplo.

É também, guardadas as proporções, o que se têm no sistema paulista de universidades com a USP, Unicamp e Unesp. Nessa estrutura de classes e níveis, outro importante avanço. O professor na atual carreira, graças ao acordo firmado pelo Proifes em 2012, que resultou na Lei nº 12.772, da qual a Andes foi contra, alcança o topo da carreira em 19 anos, em oposição a proposta do carreirão, sem classes, que empurra em seis anos pra frente o topo.

Isso tem um aspecto importante na aposentadoria dos docentes que ingressaram no sistema a partir das últimas reformas previdenciárias. Quanto mais cedo o docente atingir o topo da carreira, melhor será a sua média de composição das remunerações. Como no serviço público, quem ingressou a partir de 2004, já não tem mais paridade e integralidade e sua aposentadoria é pela média, limitada ao teto, este é um fator muito importante.

Mas porque o Carreirão da ANDES é ruim

i) A proposta apresentada pela ANDES na madrugada do dia 23 de março (https://encurtador.com.br/cjMX6), elimina as Classes e a Titulação. A eliminação das classes cria um fosso entre as instituições federais brasileiras e todas as demais, nacionais ou estrangeiras – todas as que são de excelência, no Brasil e no exterior, são estruturadas em classes. Esse fato, por si só, já seria suficiente para abandonar a proposta da Andes de acabar com as classes. Entretanto, uma carreira sem classes prejudicaria também os professores que viessem a ser contratados futuramente. A razão para isso é elementar: na proposta da Andes, que prevê 2 anos de interstício, um docente doutor levaria 8 anos para chegar ao quinto ‘degrau’ da carreira, uma vez que para chegar ao topo seu tempo para progredir passaria de 19 para 26 anos. Em resumo: se aceita a proposta da Andes, um professor doutor ficaria, por quase toda a sua vida acadêmica, 5 anos defasado, com imensos prejuízos, tanto de progressão quanto financeiros. Esses últimos somam, ao longo da carreira, quase um milhão de reais.

ii) A incorporação da Retribuição por Titulação (RT) ao Vencimento Básico (VB) proposta por Andes e Sinasefe e prevista no seu ponto 3 (https://encurtador.com.br/cjMX6) quebra a isonomia entre os docentes contratados após 1998 e os professores mais antigos, ao prever uma ‘uma única linha no contracheque’. Ou seja, a proposta da Andes prejudica os professores aposentados, que ela diz tanto representar;

iii) A proposta da Andes desestrutura completamente a malha salarial nos seus aspectos de mérito e beneficia com seus “princípios”, quem hoje está fora da universidade, além de carrear recursos para a base da pirâmide da carreira, que hoje não representa a realidade das universidades;

iv) Como a Andes alcança essa façanha. Isso ocorre por causa do valor de partida do piso para auxiliar-20h, DE e do impacto que a incorporação da RT ao VB tem sobre a folha dos aposentados e também daqueles que até 1998 recebiam anuênios. Ao linearizar o sistema da carreira a partir da absorção por dentro do Vencimento Básico – VB da Retribuição por Titulação – RT, a Andes diminui os salários da diagonal onde estão os professores mais titulados, em torno de 62% dos professores no Brasil, para a diagonal onde estão os menos titulados;

v) Na UnB, por exemplo, 96% dos professores são doutores e na classe de adjuntos, associados e titulares e dos quais 98% em regime de DE. Quantos professores são auxiliares com graduação hoje no Brasil? Exatos 157. E na UnB? São 6. Quantos seriam os doutores, 76.712. Dessa forma, teríamos um reajuste que vai contra o critério do mérito e da excelência acadêmica. (dados retirados do Painel Estatístico de Pessoal, de fevereiro de 2014).

Surge o Proifes-Federação – que de fato defende os docentes

Conforme descrito é bom ter presente que existe vida fora do mundo das sombras de Andes/Sinasefe. O Proifes nasceu Fórum dos Professores das Instituições Federais de Ensino Superior, em 2004. Naquele ano, um grupo de professores de várias universidades brasileiras resolveu criar uma organização sindical que reunia várias associações docentes que à época, eram filiadas à Andes. Foi uma legítima iniciativa e uma reação dos professores universitários do Brasil, que concluíram, depois de seguidas derrotas do movimento docente e da penúria pela qual passava a Universidade Pública no Brasil, que era necessária a construção de uma entidade que os representasse, não apenas de direito, mas de fato. Uma entidade que fosse capaz de ser propositiva, que defendesse os interesses da categoria, e não os interesses de grupos ou partidos.

Algumas conquistas importantes:

Em 2005, foi o responsável pela criação da Classe de Professor Associado, que extinguiu um represamento de progressão para os professores doutores da Universidade, muitos há mais de 20 anos presos no topo da Carreira, que, à época, se encerrava em Adjunto IV.

Em 2007, assinou sozinho o acordo para o Magistério Superior (MS), que nos três anos seguintes recuperou os salários dos professores, nos melhores patamares em duas décadas, e, mais que isso, recuperou a paridade entre ativos e aposentados, desde 1998 tratados de forma desigual quando o assunto era salário.

Em 2008, assinou a criação da Carreira de Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT), fazendo a inédita equiparação entre os professores do Ensino de 1° e 2° graus com os do Magistério Superior, algo que parecia impossível.

Em 2011, compreendendo os limites da ação sindical e da conjuntura, assinou, novamente respaldado por ampla consulta direta aos professores, acordo emergencial no qual, além de reajuste de 4%, houve a incorporação da última gratificação que tínhamos no contracheque – a GED.

Em 2012, depois de convocar os docentes das federais à greve, o que não acontecia desde 2005, o Proifes assinou Termo de Acordo que nos assegurou reajustes acima da inflação (de 13% a 32% em 2013; de 19% a 36% em 2014; e de 25% a 44% em março de 2015). O reajuste médio para toda a categoria, em março de 2015, foi de 32,5%, muito superior ao que obtiveram as demais categorias de servidores públicos federais (15,6%) (Lei nº 12.772, de 28 de dezembro de 2012).

Em 2015, após a segunda Greve Nacional a Federação assina o Acordo 19/2015 que vigora entre 2016 e 2019, com a reestruturação das Carreiras do MS e EBTT. Obteve um reajuste de 10,8% para todos os cargos e níveis e retomou o equilíbrio entre os steps da carreira, que foram sendo desestruturados com a incorporação da GED ao Vencimento Básico. Posteriormente, mesmo durante o período em que os demais servidores não tiveram reajustes, por conta do reequilíbrio da malha salarial, os professores voltaram a ter uma carreira simétrica, baseada no piso de formação da carreira (LEI Nº 13.325, DE 29 DE JULHO DE 2016).

Em 2023, novamente o Proifes assinou o acordo que garantiu os 9% para toda a categoria (LEI Nº 14.673, DE 14 DE SETEMBRO DE 2023).

O que propõe o Proifes-Federação para a carreira do Magistério Federal em 2024

No último dia 25 de março, o Proifes-Federação apresentou o governo sua proposta, que pode ser consultada em (https://encurtador.com.br/grJK7). A proposta dá continuidade à estruturação iniciada com as Leis nº 12.772/2012, Lei nº 12.863/2013, Lei nº 13.325/2016, Lei nº 14.673/2023. Nesta proposta o Proifes apresentou uma proposta que se vincula a uma política do MEC para a educação básica, que vem sendo a responsável pela melhoria dos indicadores educacionais, o valor do Piso Salarial Profissional Nacional para a jornada de 40H para os professores da educação básica, que passou a ser de R$ 4.580,57, a partir de 1 de fevereiro pela Portaria Nº 61 de 31/01/2024, do MEC. Atualmente o salário do professor 40H graduado (sem tempo integral) do magistério superior é de R$ 3.412,63, ou seja, o próprio governo pratica um piso que está mil reais abaixo do que deveria ser. Assim, o MEC recomenda para os outros o que deixa de cuprir. Como mostrado anteriormente, este é um valor de referência para estruturar a malha salarial das classes e níveis superiores.

Além disso, a proposta do Proifes propõe (resumidamente):

i) Reajustes em 2024, 2025 e 2026 de modo que em 2026 a malha salarial cumpra com o Piso Salarial Nacional (Lei nº 11.378, de 16/07/2008), considerando-se a projeção do IPCA de 2024 em 4% e o de 2025 em 4%, em 2026, o salário de entrada do professor 40H graduado deveria ser de R$ 4.954,34;

ii) Os reajustes propostos são: 9,39% em 2024 (a justificativa para esse índice em 2024 é que na malha salarial da carreira proposta o Professor 40H, graduado, na Classe C/DIII, nível 1, teria o cumprimento do piso, ou seja, os aprovados no estágio probatório já teriam pelo menos o piso do professor), 6,82% em 2025 e 6,82% em 2026;

iii) Extinção das Classes A/DI e B/DII e criar uma nova classe de três anos, provisoriamente chamada de “Classe de Entrada”, que passaria a ser a nova entrada nas carreiras. Esta classe permitiria aumentar o salário de ingresso e atrair o professor para a carreira, mantendo a partir do estágio probatório os demais níveis e classes.

Sendo assim, os reajustes seriam o seguintes:

  • em 2024: 9,39% – repercussão financeira R$3,35bi (na folha)
  • em 2025: 6,82% repercussão financeira acumulada R$5,12bi (na folha)
  • em 2026: 6,82% repercussão financeira acumulada R$8,48 bi (na folha)

Síntese

O governo federal até aqui sinalizou com o reajuste dos benefícios. Estes valores estão congelados há 4 anos e estão previstos para serem aplicados a partir de maio deste ano. No ano passado praticou um reajuste de 9% linear para todas as carreiras. Atualmente, o valor é de R$ 658 de auxílio-alimentação e R$ 321 de auxílio-creche. A previsão do governo é, a partir de maio, reajustar o vale-alimentação do Executivo para R$ 1.000 e a assistência pré-escolar para R$ 484,90.

No orçamento de 2024 há uma previsão no Novo Regime Fiscal, que somente estará disponível em maio. O novo marco prevê que se a receita crescer mais que a despesa, o governo pode usar até 70% desta diferença para o custeio. Como a receita vem crescendo há uma margem de negociação, que precisa ser exercida, mas é preciso aguardar.

Dessa forma, é importante manter a categoria mobilizada, informada e pressionar a negociação, sem ela qualquer decisão neste momento é precipitada. A greve é um importante instrumento, porém ele não pode ser banalizado a ponto do próprio instrumento ser desacreditado.

É importante defender a carreira que valoriza o mérito na universidade e que até aqui permitiu com o árduo trabalho dos que nos antecederam construir um dos melhores sistemas universitários, comparado aos principais países do Mundo. 95% da pesquisa é feita nas universidades públicas. É preciso continuar apostando na valorização da carreira e isso se faz com negociação e com pressão constante. A Greve esvazia a universidade, torna a universidade o lugar do silêncio, quando deveria ser ela o lugar da constante inquietação.

Negociação Já!
Não aceitamos reajuste ZERO

*Remi Castioni é professor titular da Faculdade de Educação UnB
Bernardo Walmott Borges é professor da UFSC Araranguá