Comandar a greve ou mandar na Apufsc?

*Por Bernardo Borges, Camilo Buss Araújo, Helton R. Ouriques e Rafael Gallina Delatorre

A greve foi aprovada aqui e em outras paragens, mas sua resolução se dará em Brasília, não aqui. Se dará na Mesa Específica de Negociação, começando pela resposta à última proposta do governo, que já deveria ter sido entregue. O Proifes já oficializou sua contraproposta no dia 30 abril, mas o Andes, que ainda não entregou sua contraproposta, parece querer protelar, dificultando o agendamento da mesa pelo governo e fazendo-nos ficar em greve permanentemente.

Com a resolução passando por Brasília, então para que tanto atrito aqui em nosso sindicato?

Porque o que aqui está em disputa e de modo canino é o poder. Aparentemente é o “comando” do movimento de greve, mas no fundo é a tentativa de acantonar a Diretoria da Apufsc e ditar os rumos da mobilização, usando velhos manuais (Tradição) de dirigismo político-sindical, para fazer com que a “Família-Andes” tenha a Propriedade da greve, tomando o “poder”; tudo isso via AGE esvaziadas, como sempre decidindo as coisas no seu final. Como expresso por uma professora membro desse grupo em uma reunião da Comissão de Mobilização: quando o Comando de Greve assume, a Diretoria da Apufsc desaparece!

O que discutimos não é o direito de existir, mas é a visão e a prática sindical dos chamados “andesianos da UFSC”, agora autodenominados Docentes em Luta, camuflados para fugirem da ilegalidade de um sindicalismo paralelo, um nome que arrogantemente tenta passar a ideia de que somente eles lutam. Esse grupo parte da aligeirada visão de que o docente universitário tem o DNA do “operário da educação”. Logo, o modelo e a prática sindical têm por base o velho sindicalismo operário, em estrutura e métodos. Por isso a greve é tenazmente defendida desde sempre, pois é o instrumento que possibilita o palco para a doutrina de libertação do docente-operário da opressão do patrão (privado ou governos) e abre espaço para a atuação dos intelectuais orgânicos e revolucionários da classe operária, que apontarão “o caminho” para as conquistas e a construção de um novo mundo. Há inclusive quem defenda os ensinamentos de Lênin – líder da Rev. Soviética -, de que mesmo na existência de um Estado do proletariado, é legitimo que o proletariado possa fazer greve. Por dedução lógica, significa dizer que é algo natural e necessário fazer greve contra o Estado brasileiro, ainda mais se dirigido por um governo (Lula 3) de tipo reformista. Portanto, segundo esse dogma, não é preciso ter receios de consequências e crise de consciência. A esquerda-radical, assim como a direita-radical, cada vez mais graça em nosso meio universitário e social.

A Diretoria da Apufsc, legitimamente eleita, tem a responsabilidade legal e política para coordenar a greve, zelando pelo cumprimento do Estatuto. As primeiras diretrizes da Diretoria têm ido nessa direção, com orientações sobre vários direitos dos professores em greve (substitutos, em estágio probatório e em função gratificada, etc), além de empoderar o Conselho de Representantes (CR) como comando de greve. O CR é mais representativo e plural (com mais e múltiplos departamentos/centros e campi nele representado).

Isso rompe com práticas de manipulação derivadas do assembleísmo, de AGs esvaziadas, onde tudo se aprova para satisfazer aos militantes profissionais e onde, depois, se faz de tudo para não sairmos de uma grave.

A última Comissão de Mobilização é o exemplo cabal. Tomada de assalto pelos “andesianos da UFSC” de plantão, publicou uma Carta de Apoio ao SIM à greve às vésperas da votação, numa distorção jamais vista, pois a função da comissão deveria ser a de mobilizar a categoria para votar eletronicamente, e não se tornar um comitê “eleitoral” de uma posição. Não bastasse isso, tal comissão, descontente com o reagendamento da AGE do dia 7, realizou uma “AG” paralela, o que é estatutariamente ilegal, expondo a categoria a riscos políticos e legais (Lei de Greve). O propósito? Agir e jogar a categoria contra a Diretoria, pura e simplesmente. O resto é discurso para “boi dormir”. Lamentamos que docentes desavisados/as caiam neste canto de sereia.

Estes são alguns exemplos do que está em curso em nosso sindicato nesse momento de greve. Repetimos: o objetivo imediato é “mandar” no sindicato e na greve, e depois as eleições da Apufsc. Portanto, nada tem a ver com o essencial da paralisação e com a solução de nossa pauta de reivindicação (particularmente reajuste de salário e da carreira, mas também recomposição orçamentária das universidades).

Devíamos estar organizando e oferecendo um conjunto de atividades à categoria, como por exemplo, sobre o futuro (função) da universidade pública diante aos avanços da tecnologia (e da EaD), do aumento da pobreza e de mudanças no mundo do trabalho; sobre o negacionismo da ciência diante das catástrofes socioambiental; sobre o crescimento da violência ideológica, social e política, via a ascensão do fascismo; sobre a desfuncionalização do papel e do trabalho docente frente às plataformas digitais; entre tantos outros assuntos, alguns mais específicos, como sobre a carreira docente, sobre nossos aposentados, sobre mudanças urgentes e profundas no sindicalismo docente, etc.

Estamos nos consumindo em lutas fratricidas, usando a mesma violência verbal e política que condenamos em outras facções ideológicas em nossa sociedade. Defendemos que todas as visões tenham o direito de se expressar na greve, de modo democrático e civilizado, sob coordenação de nosso sindicato. Mas cuidado: já estamos dando um péssimo exemplo aos mais jovens, afastando-os do sindicato e da política.

*Bernardo Borges é professor da Coordenadoria Especial de Física, Química e Matemática da UFSC Araranguá;
Camilo Buss Araújo é professor do Colégio de Aplicação e ex-vice-presidente da Apufsc;
Helton R. Ouriques é professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais do CSE/UFSC;
Rafael Gallina Delatorre é professor do Departamento de Engenharias da Mobilidade da UFSC Joinville.