*Por Fábio Lopes
Um dos truques mais frequentemente acionados pelos burocratas é fazer com que as pessoas acreditem que as funções que desempenham são cercadas de riscos, segredos, mistérios e dilemas metafísicos. A bem da verdade, nem é preciso muito esforço para convencer os outros de que de fato é assim. Quase todo mundo está atualmente propenso a entrar nessa conversa mole. Isso, afinal, é uma ótima desculpa para que nos dispensemos de assumir cargos e responsabilidades. Deixemos aos magos e aos sacerdotes a tarefa de lidar com os desafios supostamente insondáveis da vida institucional.
Outro dia, em reunião com o reitor, tive a pachorra de contar quantas vezes ele repetiu as palavras “complexo” e “difícil” em suas dissertações sobre temas como o malfadado contrato com a Unimed ou as licitações que a sua gestão simplesmente não consegue organizar. No caso de “complexo”, foram nada menos do que 16 usos. Já o termo “difícil” mereceu 15 ocorrências.
Fiquei eu me lembrando de que, na campanha eleitoral, tudo que se relacionasse a esses assuntos lhe parecia bem mais fácil de resolver. Os leitores hão de se recordar de um vídeo produzido pela candidatura vencedora no qual se mostravam cenas da universidade em frangalhos. Enquanto isso, em tom ao mesmo tempo solene e terno, a voz em off da atual vice-reitora informava que a UFSC estava daquele jeito porque a gestão Ubaldo não lograva “celebrar os contratos necessários à manutenção de nossa infraestrutura”. O problema é que lá para cá, nada mudou. Ou melhor: mudou sim, mas para pior.
Mercê do fato de que boa parte dos contratos ainda não foi providenciada, os nossos equipamentos e instalações se encontram ainda mais deteriorados.
Outra transformação assaz curiosa no discurso do reitor foi a sua posição sobre o orçamento da universidade. Desde que assumiu o cargo, ele não perde oportunidade de alegar que o problema da UFSC é falta de dinheiro. Também nessa matéria, tudo agora é “muito complexo, muito difícil”. Mas já houve um tempo em que ele pensava justamente o contrário: que entre nós, por má gestão, os recursos até sobravam, tanto que, a cada fim de ano fiscal, acabavam muitas vezes devolvidos à União. Ouvi-o repetir isso ao longo de suas quatro campanhas a reitor.
Existem coisas complexas e difíceis, não há dúvida. Mas existem também os problemas simples, que podem ser imediatamente atacados. Querem exemplos? Talvez vocês não saibam, mas, no apagar das luzes de 2024, a Reitoria desembolsou R$ 45 mil para pagar o cachê de uma apresentação da banda Dazaranha. Ora, que tal se, em vez disso, a instituição se planejasse para investir esse montante no que realmente interessa? Demandas urgentes relacionadas às nossas atividades-fim não faltam.
E aos que acham que R$ 45 mil não fazem diferença, sugiro que analisem outros gastos autorizados por nossos dirigentes, começando pelas viagens da turma do andar de cima. Será que tudo que se consumiu com passagens e diárias do reitor e sua equipe se justifica de fato? Não ocorreu à Reitoria que uma parcela generosa das atividades realizadas por seus globetrotters poderia se dar remotamente ou simplesmente não acontecer? As juras de amor pelo teletrabalho – que resultaram na proposição de uma normativa completamente irresponsável sobre o tema – só se aplicam ao andar de baixo? Teria a Reitoria coragem de divulgar os resultados pretendidos e os obtidos em todas as viagens realizadas, com seus respectivos custos? Bem, o diretor do CCS e eu oficiamos um pedido dessas informações há cerca de um ano, mas estamos até agora sem resposta.
Chutaria que o valor das viagens realizadas pelo primeiro escalão da Administração Central gire em torno de uns R$ 700 mil. E eu me surpreenderia muito se me provassem que algo como a metade desse total fosse mesmo indispensável.
Outro gasto estranho foi o da reforma da cobertura da Reitoria, realizada à luz do dia e à vista de todos, no centro da Praça da Cidadania. Tudo bem, os problemas por lá eram graves. Mas a verdade é que eles não são muito diferentes das encrencas que afetam a infraestrutura de incontáveis prédios da UFSC. Por que se escolheu essa obra em lugar de tantas capazes de beneficiar não o reitor e seu entourage mas as nossas atividades-fim?
Coisa semelhante pode ser dita de duas outras reformas acontecidas no ano passado: a do Templo Ecumênico e a da Igrejinha. Sou um homem temente a Deus, mas não a ponto de achar que sejam essas as prioridades da UFSC.
Juntem todos esses dispêndios. Eles somam quanto? Uns R$ 3 milhões? E se é assim, cabe perguntar: falta mesmo dinheiro para uma série de obras urgentes?
Vejam bem: o que fiz acima foi um exercício ao correr da pena, não um exame minucioso das contas da UFSC. É bem possível que muitos outros gastos duvidosos sejam detectados caso se passe um pente fino na forma como o dinheiro público foi usado na instituição. Isso sem falar em problemas decorrentes de mau planejamento, falta de contratos ou execução demasiado lenta das ações, que culminam em mais desperdício.
Se estou errado em minha suposição, que a Reitoria atire a primeira pedra e mostre que a universidade não devolveu recursos não utilizados à União neste ano.
Não, amigos, definitivamente nem tudo é difícil e complexo, assim como nem tudo depende da recomposição do orçamento (e aqui, por óbvio, não estou dizendo que a luta por mais dinheiro federal seja desnecessária).
Tenho a estranha mania de achar que a universidade à qual dediquei trinta anos de minha vida profissional merece coisa melhor do que isso que estamos vivendo. De resto, cultivo o mau hábito de considerar que, ao menos em parte, essa mudança de rota depende não da luta de classes ou do combate ao fascismo, mas de lideranças mais preparadas e responsáveis, que possam inspirar a comunidade universitária, em vez de deixá-la mais acomodada e dispersa.
Não quero terminar este breve artigo sem citar meia dúzia de ações imediatamente capazes de melhorar as coisas na UFSC sem que um centavo a mais precise ser gasto. Em tempo: a lista não é exaustiva, muito pelo contrário. É só um start para que outras pessoas, observando o que ocorre ao seu redor, possam acrescentar-lhe itens. Vamos a ela.
- Endurecimento das regras para a saída para pós-doutorado. Exemplos de mudanças possíveis: só poderíamos ir para uma das 200 melhores universidades do mundo, assim como seria obrigatório desenvolver durante a licença um certo número de produtos concretos a serem rigidamente definidos por normativas internas (artigos internacionais, acordos de cooperação, etc.).
- Endurecimento das regras de progressão funcional, hoje quase inacreditavelmente frouxas.
- Criação de um escritório de projetos que prospectasse editais e linhas de financiamento, além de fornecer modelos de apresentação de propostas e auxiliar na formatação delas.
- Proibição de uso de celulares e outros gadgets em sala de aula, salvo em casos em que esses equipamentos são material pedagógico indispensável às disciplinas.
- Estabelecimento de prazos para que cursos com baixa procura e/ou alta evasão apresentem propostas de melhoria dos seus índices.
- Instalação de secretarias integradas chefiadas por TAEs, com vistas à criação de ambientes mais eficientes, pró-ativos, propensos à socialização dos trabalhadores e aptos a garantir-lhes o direito a férias, licenças ou teletrabalho sem que o setor colapse.
- Vinculação obrigatória do teletrabalho à integração das secretarias e demais setores.
- Obrigatoriedade de que os chefes de departamento e coordenadores de cursos e programas de pós cumpram todas as horas de suas portarias presencialmente, nos seus locais de trabalho.
- Ponto eletrônico para professores nos horários de aula.
*Fábio Lopes é diretor do CCE/UFSC
Artigo recebido às 11h02 do dia 16 de janeiro de 2025 e publicado às 11h43 do dia 16 de janeiro de 2025