Entenda por que o nome do campus da UFSC em Florianópolis pode ser alterado

Decisão será discutida na reunião do Conselho Universitário desta terça-feira, dia 29

Nesta terça-feira, dia 29, o Conselho Universitário (CUn) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) discute a proposta de alteração do nome do campus de Florianópolis. O processo analisado decorre do relatório final apresentado pela comissão designada pelo CUn para dar encaminhamento às recomendações da Comissão Memória e Verdade (CMV) da UFSC. No documento, o grupo propõe que o nome de João David Ferreira Lima, o primeiro reitor (1962-1972), seja retirado do campus-sede por suas ações durante a Ditadura Militar no Brasil.

A recomendação de reavaliar homenagens concedidas a figuras que praticaram denunciações e perseguições durante a ditadura civil-militar foi feita, inicialmente, pela Comissão Memória e Verdade e aprovada por unanimidade na sessão do CUn realizada em 25 de setembro de 2018. Em 2022, a família de Ferreira Lima entrou com um pedido de contestação das medidas e, em 28 de março de 2023, foi criada a comissão do CUn responsável por avaliar os encaminhamentos, presidida por Daniel Castelan, professor do departamento de Economia e Relações Internacionais.

O que diz a comissão

O parecer final foi apresentado em março de 2025, num documento de 77 páginas avaliando cada umas das 12 recomendações iniciais da CMV. Entre elas, a comissão reafirma a sugestão de que o nome do campus seja alterado. “As perseguições e denúncias de estudantes, professores e servidores às autoridades militares citadas anteriormente e constando do Relatório Final da CMV-UFSC foram frequentemente perpetradas na UFSC por parte da administração central, em particular durante a administração do ex-reitor João David Ferreira Lima”, menciona o relatório. Nele, foram incluídas 60 páginas de anexos com documentos de comprovação das proposições. Entre elas, evidências de colaboração com o Serviço Nacional de Informações (SNI) e outros órgãos.

Sobre Ferreira Lima, a comissão afirma que “a documentação que comprova o comprometimento do ex-reitor Ferreira Lima com as violações de direitos humanos durante a ditadura militar, e a não defesa de seus administrados, professores, servidores e estudantes em situações perigosas, não o habilita mais em receber uma homenagem unânime e pacificada de parte da UFSC, tendo seu nome associado ao campus.”

Os exemplos citados pela comissão para evidenciar os fatos incluem casos de perseguição a docentes, como os professores José do Patrocínio Galotti, Henrique Stodieck e Armen Mamigonian, denunciados por Ferreira Lima em ofícios encaminhados aos militares, e a criação de uma Comissão de Inquérito dentro da própria UFSC, para realizar investigações sobre os de servidores e embasar demissões, dispensas, aposentadorias ou transferências, seguindo a autorização do Ato Institucional 1 (AI-1), de 9 de abril de 1964.

A partir de registros das comunicações entre o ex-reitor e a CI, a comissão declara que a participação de Ferreira Lima nas denunciações foi ativa. “No Ofício n. 863/6411, de 15 de maio de 64, o reitor João David Ferreira Lima apresenta um relato circunstanciado à Comissão de Inquérito, incriminando nominalmente lideranças estudantis, professores e o diretor da Faculdade de Direito por supostos atos de ‘subversão’, muitos anteriores a 1964, como o encontro da UNE em Florianópolis em 1963 […]. A delação nominal pelo reitor das lideranças estudantis Francisco Mastella, presidente da FEUSC (atual DCE), Rogério Duarte de Queiroz, presidente da UCE, e Eduardo Luiz Mussi, presidente do CAXIF, à Comissão de Inquérito foi repetida posteriormente, pelo Ofício n. 875/6412, de 20 de maio de 1964 […]”, demonstra um trecho do relatório.

A comissão ainda fala sobre as denúncias frequentes de lideranças estudantis ao SNI. Como exemplo: “Em carta de 14 de junho de 1968, endereçada ao General Álvaro Veiga Lima, Chefe do SNI-SC, e assinada pelo reitor João David Ferreira Lima, os estudantes Heitor Bittencourt Filho e Norberto Ferreira foram denunciados como lideranças do movimento subversivo. O primeiro citado era o presidente do DCE, que estava liderando a greve em curso para a moradia estudantil”.

Segundo Daniel Castelan, “a palavra que a comissão usa é uma colaboração ativa do João David com os agentes de repressão. Colaboração ativa porque uma coisa é se os órgãos de repressão, o Exército, a Marinha, perguntassem ao João David sobre o assunto. Se ele se nega a responder, ele se coloca como colaborador de um eventual subversivo. Mas ele fez mais do que isso. Antes de ser perguntado, quando o Ato Institucional número 1 falou que subversivos poderiam ser demitidos, teriam mandato cassado, o João David toma a iniciativa de enviar nomes”. Isso, ainda de acordo com ele, “não nega o fato de que João David teve uma participação muito importante no na construção da universidade.”

Castelan e outros membros da comissão também afirmam que as contestações da família de Ferreira Lima, bem como argumentações de sua advogada, foram levadas em conta na análise dos documentos e elaboração do relatório.

O que diz a família

O pedido de impugnação apresentado pela família de Ferreira Lima se baseia na argumentação de que o trabalho realizado pela Comissão Memória e Verdade apresentou uma visão enviesada e unilateral dos fatos, privilegiando determinados relatos e ignorando outros. Segundo eles, o objetivo seria apagar a memória do ex-reitor no processo de criação da UFSC.

Um trecho da contestação diz que “A demonização que a CMV/UFSC faz do ex-Reitor não reflete parcimônia, ponderação, distanciamento exigido do sujeito epistêmico, diante do seu objeto de estudo. A CMV/UFSC, antes de mergulhar na análise das evidências, deveria ter refletido sobre que tratamento dar a elas, embasada na ideia de que a administração da UFSC na década de 1960 era composta de pessoas que talvez tivessem uma forma de agir, própria daqueles tempos.”

Entre as demandas da petição, está a de que nenhuma homenagem a Ferreira Lima, incluindo o nome do campus de Florianópolis, seja retirada “sem que seja aberto processo específico com decisão colegiada do Conselho Universitário, ouvida a parte interessada, seu procurador(a) ou familiar próximo.”

Com o documento, a família busca apresentar uma versão em oposição àquela apresentada pela CMV, compilando documentos que embasariam essa narrativa. Há, inclusive, o pedido de que o texto e as evidências coletadas na impugnação sejam recebidas e divulgadas com o mesmo peso do relatório final que pede a retirada das homenagens ao ex-reitor. Isso englobaria, por exemplo, a publicação da peça em formato de livro pela Editora da UFSC, e a inclusão do conteúdo no Acervo da Memória e dos Direitos Humanos, encaminhado, também, ao Instituto Memória e Direitos Humanos (IMDH).

Em 2023, a advogada de Ferreira Lima, Heloisa Blasi Rodrigues, apresentou uma petição do processo para “corrigir ilegalidades flagrantes” na formação da comissão. Ela questionou a composição contar com integrantes que não são conselheiros do CUn e a participação de três membros que também fizeram parte da Comissão Memória e Verdade da UFSC. Segundo ela, é “um contrassenso três membros da CMV/UFSC avaliarem, por meio de comissão especial que integram, as suas próprias sugestões e recomendações ao CUn.”

O que diz a reitoria

A reitoria da UFSC não adotou uma posição oficial em relação ao assunto. Os encaminhamentos serão debatidos e votados na sessão do CUn.

Confira o parecer final da CMV na íntegra

Imprensa Apufsc