Um nome para o campus?

*Comissão para Implementação das Recomendações do Relatório da Memória e Verdade da UFSC

A Comissão Memória e Verdade da UFSC (CMV-UFSC), criada por unanimidade pelo Conselho Universitário (CUn) em 16/12/2014, foi composta por 9 membros/as nomeados/as, professores e servidores técnicos-administrativos (dos quais 4 já aposentados). Colaboraram com os trabalhos da Comissão 10 estudantes de graduação da UFSC, bolsistas de estágio (PIBE) durante os dois primeiros anos (2015-2016), e 3 estudantes durante a fase de finalização do Relatório (em 2017). No total, 18 estudantes participaram dos trabalhos no decorrer destes 3 anos. Além disto, 13 professores e estudantes colaboraram em algum momento com os trabalhos da Comissão

Durante seus trabalhos, a CMV-UFSC analisou um grande número de documentos sobre a UFSC e Santa Catarina, encontrados em Acervos Públicos. Entre eles, destacam-se os 1.500 documentos (alguns de até 100 páginas) recebidos do Arquivo Nacional, que continham os dados produzidos pelo Serviço Nacional de Informações e Contrainformações (SisNI) oriundos do Fundo do SNI, do Serviço de Inteligência da Polícia Federal e do Centro de Informações do Comando da Aeronáutica, entre outros.

Também foram acessados os arquivos públicos do Estado de São Paulo e do Estado do Paraná, onde estavam guardados os acervos do Deops. Além disso, uma fonte fundamental de informações resultou da farta documentação disponível no Arquivo Central da UFSC e no Arquivo do Gabinete da Reitoria.

Finalmente, uma pasta com documentos sigilosos intitulada “Assuntos sigilosos – 1965-1966” havia sido recuperada por um servidor técnico-administrativo em um contêiner de coleta de lixo, em frente à Reitoria, durante a década de 1980-1990. Esta pasta foi entregue à Comissão no decorrer de seus trabalhos, ainda em 2017.

A Comissão realizou também 20 coletas de depoimentos individuais (entre eles com dois reitores deste período), que foram filmados, recebeu 2 depoimentos escritos, e também organizou 3 audiências públicas: duas sobre Movimento Estudantil (em períodos diferentes) e uma sobre Movimento Docente. Nestas audiências, participaram como depoentes 13 pessoas, das quais 7 foram ouvidas pela primeira vez pela Comissão.

A Comissão Memória e Verdade da UFSC (CMV-UFSC) entregou seu Relatório Final ao CUn, que o aprovou em 25/09/2018, ficando decidida nesta sessão a criação pelo Conselho de uma Comissão para o Encaminhamento das 12 Recomendações Finais do Relatório. A Comissão para o Encaminhamento das Recomendações foi finalmente criada em 28 de março de 2023 pelo CUn, e entregou seu parecer/relatório final em 05/04/2024. Este parecer foi analisado por parecerista do CUn, que apresentou seu parecer na sessão do 29/04/2025.

Entre as 12 recomendações que visam manter viva a Memória deste período doloroso da Ditadura Militar, existem duas delas cujo objetivo é a reparação dos erros e das injustiças do passado, realizada a partir da retirada das homenagens dos colaboradores do Regime e do desagravo dos perseguidos e prejudicados por este.

A filósofa Hannah Arendt e o historiador Timothy Snyder, entre outros citados muito pertinentemente pelo parecerista do relatório da Comissão de Encaminhamento das Recomendações atualmente em discussão no CUn, entendem que um indivíduo comum, sobretudo quando atua com uma parcela de poder no meio de uma estrutura administrativa, pode ser parte fundamental de um sistema repressivo e da consequente manutenção de regimes autoritários. Uma reflexão aprofundada não apenas sobre indivíduos, mas sobre processos, decisões, pedidos e fornecimentos de informações que levaram a perseguições, denúncias e prisões é necessária para o aperfeiçoamento institucional da Universidade em termos de democracia e de direitos humanos.

O Relatório Final da Comissão, hoje disponível no livro “Memórias reveladas da UFSC durante a Ditadura civil-militar”, publicado pela editora da UFSC, é o resultado da análise da grande quantidade de documentos citados anteriormente e de sua confrontação com relatos orais. Este trabalho é uma grande contribuição à construção da Memória da UFSC, servindo de reflexão sobre as dimensões morais e éticas deste passado recente e difícil da ditadura.

Os depoimentos e documentos encontrados pela CMV da UFSC e apresentados em seu Relatório Final e no parecer da Comissão de Encaminhamento das Recomendações revelam a participação da administração central da Universidade, em particular durante a gestão do ex-reitor João David Ferreira Lima, em perseguições e denúncias de estudantes, professores e servidores às autoridades militares responsáveis pela repressão.

A colaboração entre os dirigentes da UFSC e os órgãos de repressão do Regime Militar era frequente. Eles tanto informavam e denunciavam os oponentes ao Regime, mesmo sem solicitação explicita, como também obtinham dos órgãos de repressão informações privilegiadas sobre oponentes políticos internos.

Há, por parte do ex-reitor e de sua administração, uma comunicação documentada com os militares e órgãos de repressão, visando por um lado informar estes de atividades de membros da comunidade universitária e por outro solicitar destes informações sobre inimigos políticos dentro da universidade, colaborando assim com a repressão do regime e recebendo informações privilegiadas deste.

Entre as recomendações da CMV-UFSC que dizem respeito à reparação, encontra-se a proposta de alteração da denominação do campus de Florianópolis da UFSC, retirando o nome do ex-reitor João David Ferreira Lima que lhe está associado desde a decisão do Conselho Universitário de 23 de setembro de 2003.

Uma homenagem se configura sempre como uma demonstração de respeito, de admiração. Inegavelmente, o ex-reitor João David Ferreira Lima, nos seus 10 anos à frente da UFSC, realizou obras importantes e fundamentais para o futuro da Universidade, que merecem ser reconhecidas e louvadas.

Entretanto, sua atuação como colaborador e informante privilegiado do Regime Militar mancha sua história, maculando o devido respeito e admiração que a homenagem de 2003 lhe tinha atribuído. Como manter ainda João David Ferreira Lima como nome do Campus?

*Enviado pela Comissão para Implementação das Recomendações do Relatório da Memória e Verdade da UFSC

Artigo recebido às 15h57 do dia 8 de maio 2025 e publicado às 16h35 do dia 8 de maio de 2025