*Por Fábio Lopes
Gritos, vaias, ofensas, ameaças, palavras de ordem, danças despropositadas e nenhum espaço para a meditação, o debate livre de ideias ou as pautas capazes de apontar saídas para a pior crise da história da UFSC: faz um bom tempo que essa tem sido a rotina nas reuniões do Conselho Universitário.
A proposta de mudança do nome do campus trouxe um dado novo para a cena: a elite catarinense não ficou nada satisfeita com os rumos que o caso estava tomando e resolveu colocar o bloco na rua. O público que frequentava as sessões abertas do CUn – antes restrito a uma esquerda aguerrida, estridente e autoritária – agora ficou muito mais heterogêneo. Grupos conservadores têm se mobilizado para interferir na polêmica.
A polarização fez a temperatura política se elevar consideravelmente. A tensão bateu no teto e quase deu lugar a uma batalha campal.
Por muito tempo, a Reitoria nadou de braçada na estratégia de fazer do Conselho Universitário um palanque eleitoral. Ao permitir que uma certa esquerda tocasse o terror nas sessões, reitor e vice estreitavam os laços com suas bases de apoio.
O problema é que, nos últimos dias, o feitiço começou a virar contra o feiticeiro. O reitor sentiu a pressão da elite catarinense e passou a dar tratos à bola para manter um pé na canoa da direita e outro na da esquerda.
Sua primeira providência foi finalmente, com enorme atraso, tentar colocar o mínimo de ordem na Casa. Não chegou a ponto de determinar o fechamento da sessão da última sexta-feira, como seria o mais correto. Sua new found courage não vai tão longe. Em vez disso, preferiu articular um esquema de segurança que garantisse que as hostes em conflito não fossem às vias de fato (é a isso que ficou reduzido o mais importante órgão de decisão da UFSC: uma arena à beira de resolver suas pendências no tapa. Parabéns aos envolvidos.)
Outra providência do reitor foi abrir a sessão lendo um texto em que reafirmava alguns preceitos básicos a respeito da natureza do Conselho Universitário e de seu funcionamento. Fico feliz ao constatar que ele tenha levado em consideração meu último artigo, no qual eu o exortava a fazer algo desse tipo. Mas teria sido muito melhor que ele falasse de improviso. Um texto escrito cria sempre uma certa distância, uma sensação de que a pessoa que o lê não está lá tão convicta do que está dizendo. Mas tudo bem, melhor que nada. Esta é uma instituição pedagógica, e não se pode exigir que uma pessoa supere seus limites do dia para a noite.
A reunião propriamente dita começou com a apresentação do parecer sobre a mudança do nome do campus. O tom do documento contribuiu para arrefecer os ânimos. O relator recomendava a retirada da homenagem ao Prof. Ferreira Lima, mas claramente formulava as suas teses em termos respeitosos e nuançados, que reconheciam a importância do fundador da UFSC e a delicada posição que ele ocupara na qualidade de reitor em meio à ditadura.
A essa manifestação se seguiu um pronunciamento de quinze minutos da advogada da família Ferreira Lima. Era a primeira vez que a Dra. Heloísa tinha direito à palavra em ambiente minimamente aberto à escuta de sua defesa.
Falou depois dela o representante da Comissão da Verdade, que foi também elegante, mas deu à sua intervenção um caráter um pouco menos amigável. Nuvens mais densas surgiram no céu do auditório.
Ato contínuo, foi concedido espaço para o depoimento de familiares de vítimas da ditadura alegadamente prejudicadas pelo Prof. Ferreira Lima. Um clima mais emocional e conflagrado foi tomando conta da plateia.
Vieram, por fim, as inscrições para que os conselheiros discursassem. Foi o que bastou para que a tardia tentativa do reitor de restabelecer a liturgia no CUn revelasse de vez a sua precariedade. A vice-reitora e o Pró-reitor de Pesquisa fizeram falas incendiárias (e, a meu juízo, desalentadoras e perigosas em seus apelos demagógicos). Claramente, surfavam no vácuo deixado pelo silêncio de esfinge do reitor, nosso especialista em não ter opinião sobre nada. Dirigiram-se sobretudo à sua base à esquerda, insuflando-a e claramente se lançando como players importantes – quiçá candidatos – nas próximas eleições para reitor. A bom entendedor não era difícil perceber o óbvio: a Reitoria é hoje uma briga de foice no escuro. Forças internas contrárias ao reitor preparam uma possível pernada nele ou, no mínimo, uma renegociação do pacto que o elegeu, de modo a tirar-lhe poder.
Outros oradores também aproveitaram seus cinco minutos de fama. Afinal, quem resiste à pechincha de ser aplaudido por qualquer coisa que diga?
Tudo, em todo caso, caminhava para uma folgada vitória da proposta de mudança de nome do campus.
Eis, no entanto, que, na undécima hora, o representante da Fiesc foi à tribuna e pediu vistas ao processo.
Gritos, vaias, ameaças e esgares voltaram a dominar o CUn. Lá se foi a mambembe pax arquitetada pelo Prof. Irineu.
Sobrou, é claro, para o conselheiro que pediu vistas, a quem a multidão xingava de lacaio da burguesia e outros bichos. Sobrou também para o reitor, acusado de covardia por ter acolhido o pedido de vistas, contra os interesses de quem o elegeu.
A próxima sessão promete. O circo patrocinado pela Reitoria – produto da grotesca tentativa de agradar gregos e troianos ao preço de mandar às favas as regras elementares de funcionamento do CUn – está de volta à cidade.
Em tempo: falo muito do reitor e sua trupe, mas uma palavra pouco abonadora também precisa ser dita sobre o conjunto dos conselheiros. A eles cabe uma parcela generosa da responsabilidade pelo que está acontecendo. Metade de nós renunciou ao dever de interromper a marcha da insensatez quando isso ainda era possível. A outra metade simplesmente se comprazia com a bagunça reinante quando só os apoiadores de teses à esquerda sentavam a pua nas sessões abertas.
Sintomaticamente, enquanto oradores falavam sobre democracia e a suposta falta de coragem do Prof. João David Ferreira Lima na ditadura, vários conselheiros se abrigavam na bolha da presença remota, em uma prova cabal de que, no CUn, a democracia não anda muito em moda, assim como não anda em moda a coragem.
Fico pensando no que seria de nós em uma eventual ditadura. Se hoje, sob o Estado de Direito, reitor, vice e conselheiros agem como agem, imaginem o que não fariam sob as ordens de um tirano de plantão.
Se querem uma amostra grátis do que sucederia, lembrem-se, por exemplo, do que houve quando o Prof. Cancellier foi preso. Com raríssimas exceções, a UFSC correu para debaixo da cama ou, o que é ainda pior, teve frêmitos de felicidade com a ação da PF. No fundo, aliás, as homenagens a toda hora feitas ao reitor morto são movidas pela culpa e pela tentativa de reescrever a própria história no episódio, apagando os traços pouco dignificantes. Mas eu tenho memória, senhores. Eu tenho memória.
*Fábio Lopes é diretor do CCE/UFSC
Artigo recebido às 19h42 do dia 15 de junho de 2025 e publicado às 08h24 do dia 16 de junho de 2025