*Por Alex Degan e Tiago Kramer
Foi com enorme surpresa que recebemos a notícia da consulta, feita no afogadilho, aos docentes sindicalizados acerca da pertinência ou não da mudança do nome do campus sede da UFSC. Qualquer dúvida sobre a natureza e a intenção da Apufsc se dissipou quando, poucos minutos após o resultado da consulta relâmpago, a advogada do ex-reitor e informante dos órgãos repressores da Ditatura anunciou em suas primeiras palavras no CUn que a maioria dos docentes da UFSC era contra a mudança do nome do campus. A Apufsc atuou no timing perfeito para servir claramente ao serviço de linha auxiliar dos que defendem a continuidade da homenagem.
O presidente da Apufsc manteve a entidade distante do debate por longos períodos, ignorando os trabalhos da Comissão Memória e Verdade, as vozes dos familiares das vítimas e os rumos das discussões empreendidas no Conselho Universitário. Nada parecia despertar do sono esplêndido a entidade, que seguia dizendo muito pouco sobre o assunto. Até que não deu mais para ficar em cima do muro e a Apufsc pulou nos braços da elite conservadora que escolheu representar. E o fez de forma dissimulada e com justificativas esfarrapadas. Que papelão! Afirmar que o regimento obriga a realizar a consulta de acordo com o dia e a hora determinadas por um ofício que continha apenas uma assinatura e a lista de meia dúzia de sócios é uma ação irresponsável e inconsequente além de uma falta de respeito à inteligência dos sindicalizados.
Triste e cada vez mais anacrônico sindicato, sem identidade e sem discurso claro, que prefere responder passivamente conhecidos sobrenomes e tergivesar acerca das honrarias concedidas aos que colaboraram com o arbítrio, do que cerrar fileiras com os que lutam por direitos humanos. Inusitado comportamento sindical, cioso em defender a história e memória da categoria quando ela se encontra em um edifício, mas silencioso em denunciar o nome de quem foi informante das forças repressoras da ditadura e agiu diligentemente para agradar o regime autoritário. Professores da UFSC foram perseguidos e a sua entidade representativa não toma partido em defesa da história e da memória das vítimas.
Nos seus cinquenta anos de luta e de muita coisa para se orgulhar, a Apufsc, por escolha política de suas atuais lideranças, converte-se menos em um sindicato crítico e combativo e mais em um clube de convivência e afirmação política de uma elite conservadora sempre pronta a conviver com golpistas, torturadores e colaboradores de regimes autoritários. Grupo de já possui sua memória cultivada e monumentalizada em toda a cidade, mas se sente dona da nossa universidade. Uma elite que se calou, repita-se quantas vezes for necessário, quando o reitor e professores da UFSC foram presos em uma operação autoritária, que desrespeitou os direitos básicos de membros da nossa comunidade.
Há os que dizem que não estão plenamente convencidos da colaboração do ex-reitor, mesmo com muitos documentos que revelam que ele agiu de acordo com o modus operandi dos informantes do regime e o fez de modo tão diligente que cultivou excelentes relações com os órgãos da repressão. Gente que não entende dos métodos e da cientificidade da produção de conhecimento histórico se presta ao papel de duvidar do trabalho de profissionais de reconhecida competência para se curvar aos tortuosos argumentos, construídos de forma frágil e nada científica, da defesa do ex-reitor Ferreira Lima.
A Fiesc, que fez o pedido de vistas na última reunião do CUn, foi a mesma que deu palco aos procuradores da Lava Jato e à delegada Erika Marena e, depois, se calou durante todo o processo que levou a morte do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo. Nenhuma linha! A mesma FIESC, em rota de colisão com o que defendiam os cientistas da UFSC, financiou o “tratamento precoce”, com a compra de ivermectina, hidroxicloroquina e azitromicina quando já se sabia que esses remédios não possuíam eficácia contra a Covid19 e que a solução viria da vacina. Muitos médicos, alinharam-se ao negacionismo, fizeram uso desses medicamentos e o CFM defendeu o direito dos médicos em fazer uso de medicamentos comprovadamente sem efeitos. À sociedade restaram duas opções, ou acreditar em charlatões ou acreditar na ciência.
Acreditar na ciência significa partilhar da confiança nos métodos que são praticados e revisados por pares. Por mais que o resultado dos trabalhos científicos sejam, todos eles, passíveis de revisão, questionamento e aprimoramento, eles são mais confiáveis do que testemunhos tomados sem qualquer critério. A comunidade pode ficar tranquila quanto a honestidade e a seriedade dos profissionais que atestaram a participação do ex-reitor como informante da ditatura, que demonstraram como ele atuou junto as forças de repressão para passar informações que desabonavam seus inimigos políticos e verificaram que suas ações causaram sofrimento a indivíduos e a seus familiares. Tudo está comprovado de acordo com os rigorosos métodos de análise documental e contextualização histórica.
Por linhas tortas, a diretoria atual da Apufsc contribuiu para que a História tivesse seu impacto no debate público. Claro que não pelo resultado irrelevante da ridícula consulta relâmpago. Momentos como este, em que a comunidade vai ao debate público para decidir sobre os valores e princípios que quer cultivar em sua memória, são fundamentais para que partes da nossa história possam ser descobertas, dadas a conhecer, enfrentadas e superadas. E, fomos agraciados, poucos dias antes da votação final com algo a ser enfrentado e superado: o alinhamento da atual gestão da Apufsc com as entidades patronais e com as elites conservadoras.
*Alex Degan e Tiago Kramer de Oliveira são Docentes do Departamento de História do CFH/UFSC
Artigo recebido às 10h40 do dia 17 de junho de 2025 e publicado às 13h35 do dia 17 de junho de 2025