Fábio Pádua dos Santos é docente do Departamento de Economia
“O que o segundo governo Trump espera com isso? Fortalecer a posição dos Estados Unidos no domínio global por meio de vantagens comerciais”, diz o professor Fábio Pádua dos Santos sobre a alta nas tarifas de importação imposta pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Membro do corpo docente do Departamento de Economia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Fábio explica que a medida, conhecida como “tarifaço”, para além de uma política comercial, é um instrumento estadunidense na busca pelo Make America Great Again (Maga).

(Foto: Divulgação)
A nova estratégia do governo Trump tem se desenrolado desde fevereiro de 2025, com o anúncio de tarifas impostas, inicialmente, à China, ao México e ao Canadá, além de uma cobrança de 25% sobre as importações de aço e alumínio a todos os países. No dia 2 de abril, o Brasil entrou para a lista de punidos com as tarifas recíprocas anunciadas para mais de 180 países, que determinaram uma cobrança de 10% sobre o valor dos produtos.
A partir do mês de julho a situação se agravou. Donald Trump definiu uma tarifa de 50% para o Brasil, em meio a acusações de censura e violação à liberdade de expressão contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e o ministro Alexandre de Moraes. O estadunidense se referiu ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro como uma “caça às bruxas” e “vergonha internacional”, impondo as sanções como uma medida punitiva contra as ações. A decisão veio acompanhada de investigações que envolveram, inclusive, o PIX, e a revogação de vistos dos alvos do presidente Trump.
Forma de “desestabilizar o mercado mundial”
Ainda que boa parte das relações comerciais mundiais tenham sido afetadas pelo “tarifaço” de Trump, a situação EUA X Brasil serve como exemplo concreto do que diz o professor Fábio ao explicar que as medidas não são apenas econômicas, mas fazem parte de uma estratégia política que busca recuperar a queda na hegemonia estadunidense.
O professor as define como medidas que “se valem de movimentos sociais e políticos conservadores do país para reestabelecer laços de subordinação na hierarquia mundial do poder”, insistindo que não devem ser analisadas como ações isoladas, mas que “é preciso situá-las no contexto geopolítico e compreendê-las como peças da rivalidade entre nações.”
Isso, segundo Fábio, se justifica pelo plano de longo prazo que o “tarifaço” mira. Numa perspectiva que analisasse exclusivamente os objetivos do governo Trump a partir das consequências imediatas das sanções, elas seriam meramente uma forma de “desestabilizar o mercado mundial e o sistema interestatal.”
Quando colocadas no plano geral, no entanto, é preciso pensar no restante das posturas adotadas pelo presidente estadunidense, como as políticas migratórias. De acordo com o professor, a combinação dos impactos seria o objetivo real de Donald Trump, na expectativa de desenhar o cenário mais vantajoso possível para elevar a economia doa EUA. “Reduzirão as pressões competitivas externas e internas que têm drenado a renda disponível para o resto do mundo”, diz Fábio, sobre o efeito das medidas. Dessa forma, ainda em sua análise, “espera-se estimular o investimento autônomo nos Estados Unidos e, consequentemente, gerar novas oportunidades de emprego para a classe trabalhadora local [blue-collars]”. Assim, como ele explica, até mesmo a xenofobia seria parte de um plano bem calculado.
O que isso significa para o Brasil?
De forma direta, o professor Fábio explica que os consumidores brasileiros serão muito pouco afetados pelo “tarifaço”, mas que empresários dos setores que representam as maiores exportações do Brasil para os EUA sofrerão impactos significativos.
Ainda nessa análise, ele afirma que “para proteger suas margens de lucro, os empresários recorrerão, no curto prazo, a férias coletivas ou demissões.”
Para aprofundar essa explicação, o docente apresenta dois gráficos. O primeiro, referente ao destino das exportações brasileiras no período entre 2000 e 2024, mostra a queda na distribuição para os Estados Unidos ao longo dos anos. Ao passo em que nos anos 2000 a relação Brasil x EUA representava 25% das relações comerciais brasileiras, atualmente ela corresponde a um percentual de 12%. Nas palavras de Fábio, isso demonstra que os impactos do “tarifaço” na economia brasileira são bastante localizados, além de não tão devastadores quanto seria no passado.

Sobre esses números, Fábio ainda destaca o redirecionamento das exportações brasileiras para a Ásia, em especial durante os dois primeiros governos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O continente asiático representa, hoje em dia, quase 50% das relações comerciais externas do Brasil. A criação e fortalecimento dos Brics, bloco comercial inicialmente formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, mas que desde 2024 conta, também, com a participação de Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã, pode ser um dos fatores dessa mudança.
Áreas mais afetadas
Já o segundo gráfico apresentado pelo professor elenca os principais setores de exportação do Brasil para os Estados Unidos. Ele evidencia quais serão as áreas da economia brasileira mais afetadas pelas altas tarifas. Empresas que atuam com insumos industriais, combustíveis e lubrificantes, bem como equipamentos, peças e acessórios de transporte serão os mais prejudicados a longo prazo.
Como Fábio explica, “o mercado interno não assegura escalas mínimas de produção capazes de garantir a rentabilidade” diante do desestímulo à importação causado pelo “tarifaço”. Ele ainda acrescenta que “acessar novos mercados requer redesenhar as cadeias globais de valor, cujo controle não está sob domínio das empresas brasileiras.”
Fábio afirma que a relação comercial com os Estados Unidos não tem sido favorável ao Brasil, que acumulou um déficit de US$ 40 bilhões entre 2000 e 2024. Ele diz que, caso o país continue importando das indústrias estadunidenses, e as exportações não sejam compensadas, a tendência é que esse déficit assuma proporções ainda maiores, “elevando a tensão inflacionária sobre a sociedade brasileira como um todo.”

O “tarifaço”, de um ponto de vista mais amplo, representa um novo momento das relações comerciais globais, que ainda está se desenhando e depende de movimentos futuros. Como o professor coloca, a economia dos Estados Unidos era hegemônica desde a Segunda Guerra Mundial, e seu declínio é o fator de origem das atuais repercussões, visto que motivou as medidas adotadas por Trump como tentativas de se reerguer, e introduziram o que Fábio denomina “indeterminações” no sistema.
Ao interromper a dinâmica que havia se estabelecido, desacelerando economias que tinham, na exportação para os EUA, seu impulso, Trump inicia um novo cenário. Aumenta a inflação no próprio país, o desemprego nas economias internacionais, e pressiona outras nações por um reposicionamento na cadeia global. Segundo o professor, tudo depende de estratégia, mas os países podem optar por se subordinar aos EUA ou extrair vantagem da rivalidade estadunidense com o Leste Asiático.
Neste sentido, existe a possibilidade de que novos mercados se abram, e que o próprio Brics se beneficie, fortalecendo seu espaço na economia mundial. “Mas isso não se faz da noite para o dia”, alerta Fábio. As indústrias devem enfrentar, muito além de barreiras tarifárias, processos políticos e burocráticos complexos, como a necessidade de estabelecer novos circuitos logísticos de transporte de mercadorias, ou a necessidade de cumprir certificações específicas de diferentes nações. “Será necessário muito trabalho e paciência para enfrentar esse período de transição”, conclui.
Plano Brasil Soberano
“O que está em jogo agora é a resiliência da economia brasileira face à ordem mundial em crise”, diz o professor. Ele explica que as medidas adotadas pelo governo brasileiro, como o Plano Brasil Soberano, minimizam danos causados pelo “tarifaço” ao garantir que empregos sejam preservados, diversificar o mercado externo e incentivar investimentos, mas são efeitos temporários, visto que se trata de uma resposta mitigatória.

O Plano estrutura-se a partir de três eixos: fortalecimento do setor produtivo, proteção ao trabalhador e diplomacia comercial, prevendo, entre outros, R$ 30 bilhões em créditos via Fundo Garantidor de Exportações, ampliação do Reintegra e a prorrogação de tributos. Mas, segundo Fábio, é preciso, mais do que remendar danos: prever futuros movimentos de Donald Trump e fortalecer a democracia brasileira. “Quanto mais fragmentado estiver o Brasil, mais fragilizado e suscetível ele se torna a estratégias como as adotadas por Trump”, explica, depois de afirmar que as crises de legitimidade e ataques internos de grupos que define como “entreguistas que se consideram nacionalistas” enfraquecem nossas instituições e minam nossa já baixa capacidade de resposta a pressões externas.
Para Fábio, o futuro é incerto. Com a queda na relevância do dólar, a escalada de conflitos armados, e Donald Trump tentando reestabelecer a hegemonia estadunidense, “tudo é possível.”
Para o Brasil, com a possibilidade de fortalecer relações comerciais com o Leste Asiático, existe a chance, também, de obter mais liberdade diante dos EUA e da Europa, especialmente no que diz respeito ao enfrentamento de desigualdades internas. Mas o cenário é mais amplo que isso, e “à medida que a hegemonia do dólar é contestada, aos EUA sobram apenas reações comerciais e militares como estratégia de exercício de poder. E isso é muito preocupante”, conclui o professor.
Laura Miranda
Imprensa Apufsc
