Um retrato dos professores da UFSC

Pesquisa encomendada pela Apufsc revela o perfil dos docentes da universidade

Se você é professor ou professora da Universidade Federal de Santa Catarina vai se reconhecer nas próximas páginas: a relação com o trabalho, com os alunos, a sobrecarga de atividades, a burocracia, o malabarismo para conciliar as demandas acadêmicas e administrativas com a vida pessoal, o Whatsapp que não para, o desafio de pesquisar e produzir mais com menos, o orgulho de fazer parte de uma das melhores instituições públicas de ensino do País. Embora atuem em áreas tão diversas, distribuídos por 11 centros de ensino e cinco campi, os 2,5 mil docentes ativos da UFSC compartilham dos mesmos problemas, ainda que lidem com eles, cada um, à sua maneira.

Nesta edição da revista Plural, a Apufsc divide com os professores e professoras, mas também com a comunidade acadêmica e com a sociedade, o resultado de uma pesquisa reveladora que traçou o perfil dos docentes ativos e aposentados da UFSC. O levantamento, encomendado pelo sindicato, foi realizado pelo Laboratório de Sociologia do Trabalho (Lastro) da própria universidade, sob a coordenação dos também professores Jacques Mick, do Departamento de Sociologia Política, e Samuel Pantoja Lima, do Departamento de Jornalismo, que já fizeram pesquisas semelhantes sobre os jornalistas brasileiros e os funcionários do Banco do Brasil.

Os números mostram, por exemplo, que mais da metade dos docentes ativos da UFSC têm entre 30 e 49 anos de idade e foi contratada na última década. Homens e brancos ainda são maioria, mas na comparação com os aposentados é possível perceber um aumento (ainda que tímido) no número de mulheres, de pretos e pardos. A maioria mora em Florianópolis, nos bairros próximos ao campus da Trindade, e vai trabalhar de carro.

“A docência se vê solitária.
Cada professor tem de encontrar seu próprio modo de administrar o inadministrável”

Relatório Lastro

O levantamento escancara a precarização do trabalho, com o alongamento das jornadas, as múltiplas atividades, a necessidade de levar tarefas para casa e avançar com elas pelos fins de semana para dar conta de tudo: 80% dos entrevistados afirmaram trabalhar mais do que as 40 horas semanais para as quais foram contratados. Não sobra muito tempo para a vida fora da UFSC. Só um em cada quatro docentes dedica-se com frequência a atividades artísticas e culturais. E poucos se doam ao voluntariado ou à ação política.

A intensificação da jornada tem um outro reflexo, mais alarmante: um terço dos professores e professoras da UFSC já recebeu diagnóstico de estresse e outros 17% relataram transtornos psicológicos relacionados ao trabalho. A frequência de assédio moral na universidade também assusta: 54% afirmam já ter presenciado alguma situação de assédio moral e 35% já foram constrangidos no trabalho a ponto de acreditar que se tratava de assédio moral.

Na análise dos resultados, a equipe do Lastro concluiu que “a docência se vê solitária”. “Cada professor tem de encontrar seu próprio modo de administrar o inadministrável: infraestrutura defasada ou inadequada, sem que haja perspectiva de melhoria; excesso de atribuições burocráticas impossíveis de transferir a técnicos ou bolsistas; infinitos pareceres sobre cada detalhe do processo de pesquisa – o recrutamento, o esboço, o projeto, o desenvolvimento, a publicação, a consagração”, diz o relatório final.

“A pesquisa supera a prática sindical do achômetro”

Carlos Alberto Marques, presidente da Apufsc

Segundo o presidente da Apufsc, Carlos Alberto Marques, os dados levantados pelo Lastro serão uma ferramenta importante no planejamento estratégico da entidade, de modo a orientar as lutas sindicais para os problemas que mais afligem a categoria. “A pesquisa supera a prática sindical do achômetro”, diz Marques. “Ela revela uma fragilidade cada vez maior nas nossas condições de trabalho e uma frustração dos docentes, que acabam buscando saídas individuais para problemas que são comuns a todos nós e que precisam de caminhos coletivos”, diz. “Construir essa unidade, respeitando a pluralidade ideológica e política dos professores e professoras, é uma das missões do nosso sindicato.”

Ao assumir o comando da Apufsc, no fim de 2018, a atual diretoria sentiu a necessidade de conhecer melhor os professores e professoras que iria representar a partir de então. “A primeira motivação foi a necessidade de aprimorar os instrumentos de comunicação do sindicato, entender como os docentes se informam”, diz o professor Eduardo Meditsch, diretor de Imprensa e Divulgação da Apufsc. “Mas tínhamos também a curiosidade de saber como os professores encaram o sindicato, se a entidade está atendendo às expectativas e o que mudou no perfil da categoria nos últimos anos.”

Em 2000, a Apufsc chegou a realizar uma pesquisa que ouviu 333 ativos e aposentados na tentativa de levantar informações que ajudassem a compreender o corpo docente da UFSC. Desta vez, 943 professores e professoras, de um universo de 4,1 mil pessoas, responderam, anonimamente, ao questionário online, entre os dias 16 de agosto e 16 de setembro de 2019. O número superou em 80% a amostra mínima ideal, com a participação de filiados e não filiados. Entre os ativos que responderam ao questionário, quase 40% não têm vínculo com o sindicato.

A comparação entre os levantamentos de 2000 e de 2019 mostra que, duas décadas depois, há mais mulheres, mais jovens, mais negros e negras, e mais recém-chegados entre os professores da UFSC. “Temos uma quarta geração de docentes que convive com gerações anteriores e têm problemas e situações de carreira distintos”, diz Carlos Alberto Marques. O trabalho feito pelo Lastro dá pistas de como a Apufsc pode responder a essas diferentes demandas. Ao avaliar as funções do sindicato, os participantes da pesquisa indicaram como mais relevantes a representação jurídica dos filiados, a defesa dos interesses trabalhistas e da universidade pública, assim como da autonomia universitária.

Os apontamentos feitos pelos professores assumem uma importância estratégica e reforçam o caráter de luta do sindicato, no momento em que o governo ataca sistematicamente a ciência e a universidade pública. Não foi por acaso que os coordenadores da pesquisa, também docentes e sindicalizados à Apufsc, optaram por adotar a primeira pessoa do plural em seu relatório, destacando-a também no título do trabalho: “Nós, Professores da UFSC”. Na escolha, está implícita uma constatação: “num contexto de forte individualismo e vulnerável a ataques de diversos tipos, a categoria não terá nenhuma chance de resistir aos efeitos da conjuntura adversa se não reencontrar modos coletivos de ação – se não conjugarmos o “nós” cada vez com mais força.”

Nós, em números

ENSINO SUPERIOR – PROFESSORES DA ATIVA

ENSINO BÁSICO, TÉCNICO E TECNOLÓGICO (EBTT)

APOSENTADOS – ENSINO SUPERIOR E EBTT

Quem respondeu à pesquisa

Comparação entre totais de docentes da UFSC e participantes da pesquisa mostra a representatividade do levantamento feito pelo Lastro