Deputados querem tirar livro de vestibular da UFSC

Parlamentares do PSL fizeram uma moção de repúdio contra a obra “Um útero é do tamanho de um punho” 

Publicado em 2012, o livro de poemas “Um útero é do tamanho de um punho”, da gaúcha Angélica Freitas, se tornou alvo de uma moção de repúdio na sessão do dia 17 de setembro da Assembleia Legislativa de Santa Catarina. 

Na ocasião, o deputado Jessé Lopes (PSL) fez um pronunciamento no qual falou contra o conteúdo do livro e a sua presença na lista de obras obrigatórias para o vestibular unificado de 2020 da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e da UFFS (Universidade Federal da Fronteira Sul). 

Ele leu trechos de alguns poemas na tribuna e recebeu apoio de outros deputados conservadores, como Jair Miotto (PSC) e Ana Caroline Campagnolo (PSL). “O conteúdo de ideologia de gênero que está vinculado ao livro não foi aprovado pelos nossos deputados federais, não faz parte do currículo”, disse Campagnolo. 

O termo “ideologia de gênero” não é reconhecido na academia e é usado pela extrema direita e por grupos religiosos para denunciar um suposto ataque a valores familiares. A autonomia universitária, prevista pela Constituição, permite que as instituições de ensino definam a lista de livros cobrados em seu vestibular. 

Houve também quem se opôs à moção de Lopes. A deputada Luciane Carminatti (PT) disse que se absteria da votação por não conhecer o conteúdo do livro, mas afirmou se tratar de censura. “Dizer o que cabe ou não do ponto de vista da arte não cabe aos legisladores. Os legisladores têm que cumprir com a Constituição”, disse. Já Ivan Naatz (PV) criticou a atenção dada ao tema e classificou o debate como “triste e cômico”. “É como se a gente não tivesse nada para fazer. Santa Catarina com tantos desafios e nós perdendo tempo para discutir o que alguém vai ler ou não vai ler”, disse. 

O ataque de parlamentares catarinenses ao livro se dá em um contexto de guerra cultural, fortalecido desde as eleições de 2018, que colocou discussões de cunho moral no centro do debate público. Na primeira semana de setembro de 2019, o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, determinou o recolhimento da uma HQ à venda na Bienal do Livro do Rio por conter um beijo entre dois personagens do mesmo sexo. A iniciativa foi barrada pelo Supremo Tribunal Federal. Em 17 de setembro, a moção 463/2019 não foi votada na Assembleia catarinense por falta de quórum. Se não for retirada pelo autor, deve ser avaliada nas próximas sessões. 

Por que o livro está na lista do vestibular 

A seleção das obras literárias do vestibular unificado da UFSC e UFFS é composta por seis títulos e é feita pela Coperve (Comissão Permanente do Vestibular), que afirma procurar “contemplar um repertório diversificado, que aborde questões contemporâneas importantes e que estimule a formação do candidato como leitor”. Em março de 2019, a Coperve divulgou um documento no qual explicita a relevância das indicações para o vestibular de 2020 das duas instituições. O parágrafo que justifica a escolha da coletânea de Freitas aponta que a obra possui contornos feministas por tratar de “questões de gênero fortemente delineadas por uma cultura patriarcal”. “Por meio de seus poemas, estimula o leitor a repensar estereótipos de beleza, comportamento e identidade naturalizados como regra em nossa sociedade. O livro é articulado ao redor de um eixo temático – a mulher –, o que favorece a construção de uma unidade de composição e o diálogo interno entre os textos. Ironia, humor e sarcasmo são traços marcantes dessa obra contemporânea, constituindo dispositivos de linguagem que estimulam uma reflexão sobre como as mulheres se percebem e sobre como são culturalmente percebidas na atualidade”, diz o texto. 

 

Leia na íntegra: Nexo Jornal