A cronologia dos cortes

Veja como o contingenciamento imposto pelo governo federal afetou a UFSC e outras universidades

No dia 29 de março de 2019, o governo federal anunciou o contingenciamento de R$ 5,8 bilhões em recursos do Ministério da Educação. Com 30% do orçamento da pasta bloqueado, não demorou para que as universidades federais de todo o país fossem afetadas. Relembre aqui as notícias relacionadas aos cortes nas universidades e quais foram os desdobramentos para a UFSC.

Para começo de conversa, o que é contingenciamento?

Segundo o dicionário Michaelis, o verbo “contingenciar” significa “regular as despesas de um orçamento governamental de acordo com as receitas, para evitar a ocorrência de dificuldades financeiras ao longo de um exercício”. Como o governo depende da arrecadação de impostos para funcionar, que por sua vez depende do desempenho da economia, o poder Executivo pode avaliar que a situação não será favorável o bastante para gastar o que é previsto na Lei Orçamentária Anual, que é elaborada no ano anterior e aprovada pelo Congresso Nacional.

Nesse sentido, quando o governo faz um contingenciamento significa que ele está segurando o dinheiro para não faltar depois, e é uma política orçamentária muito comum, que aconteceu em praticamente todos os governos. Uma das diferenças do governo Bolsonaro tem sido a retórica e o clima de incerteza. O discurso é que como as metas fiscais não foram atingidas e de que os cortes só poderiam ser revertidos com a aprovação da reforma da Previdência.

Teoricamente, o contingenciamento só se torna corte no final do ano. Entretanto, seus efeitos já são sentidos. Na UFSC, o bloqueio inicial de 30% já inviabilizou o funcionamento normal da instituição, forçando a reitoria a renegociar contratos e cogitar decisões como fechamento do RU para estudantes que não sejam de baixa renda e restrição no uso de ar-condicionado.

Qual parte do orçamento foi afetada?

O governo só tem poder para mexer nos gastos não-obrigatórios, ou seja, o que não é salário ou aposentadoria de servidores públicos, que costuma ser a maior parte do orçamento. Na UFSC, por exemplo, os salários e aposentadorias custam R$ 1,3 bilhão por ano, 80% da verba anual de R$ 1,5 bilhão. O restante é dividido em investimento e custeio. No investimento fica tudo que a universidade gasta com novas aquisições, seja de equipamentos, imóveis, ou realização de obras. O custeio é necessário para manter a instituição funcionando: contas de luz, contratos com empresas de limpeza e vigilância, bolsas de permanência estudantil, insumos (materiais) de laboratórios, e os gastos do Restaurante Universitário, que em 2018 serviu cerca de 7.500 refeições por dia.

Foi essa parte do orçamento que o governo federal bloqueou. Sem contar emendas parlamentares, dos R$ 145 milhões que a UFSC dispunha para custeio em 2019, R$ 43,5 milhões foram contingenciados. No dia 30 de setembro, quando o MEC anunciou desbloqueio de R$ 1,1 bilhão para as universidades e institutos federais, a UFSC foi informada sobre o desbloqueio de R$ 21, 7 milhões – ou seja, R$ 21,8 milhões permanecem bloqueados. Já o valor de investimento despencou: de R$ 56 milhões em 2015 para R$ 5 milhões este ano.

Em agosto, estudantes da UFSC
lotaram auditório para acompanhar anúncio de cortes Foto: Vinicius Claudio

Como os cortes se desenrolaram na UFSC?

Um mês depois do anúncio do governo federal de bloqueios em diversas pastas, o corte chegou nas universidades. Inicialmente, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, disse que o critério para redução de verbas seria ideológico, acusando a UFF, a UFBA e a UnB de “balbúrdia”. Entretanto o órgão logo desmentiu a afirmação, e o corte foi estendido para todas as instituições federais de ensino superior do país. Na UFSC, a notícia chegou em 29 de abril, quando o Secretário de Planejamento concedeu entrevista à Apufsc e anunciou um bloqueio de 25% da verba de custeio, que mais tarde, com o bloqueio de emendas parlamentares, subiria para 30%.

Nos primeiros cinco meses do ano, antes de saber que a verba seria cortada, a universidade utilizou os recursos normalmente, e gastou 40% do orçamento disponível. Com o início do segundo semestre e nenhum sinal de desbloqueio por parte do governo, a reitoria começou a aplicar cortes nas despesas da UFSC, começando pela renegociação de contratos de limpeza e vigilância que levou à demissão de 95 trabalhadores terceirizados de diversas áreas.

Em setembro, a reitoria anunciou novos cortes que abalaram profundamente a comunidade universitária. Entre as medidas estavam a restrição do Restaurante Universitário apenas para alunos de baixa renda, o que impediria cerca de 11 mil alunos de fazer refeições no RU, o cancelamento da Semana de Ensino, Pesquisa e Extensão (Sepex), congelamento de bolsas de estágio, monitoria, pesquisa e extensão, suspensão de viagens e restrição do ar-condicionado.

Após forte reação dos estudantes, a administração central voltou atrás em algumas medidas, e o reitor Ubaldo Cesar Balthazar se comprometeu a manter o restaurante aberto para todos e honrar o pagamento de bolsas até acabar o dinheiro.

No dia 10 setembro, os estudantes da UFSC entraram em greve contra os cortes. Cerca de 70 cursos aderiram. Os professores decidiram não entrar em greve por tempo indeterminado em votação que teve participação histórica. Em nova assembleia, contudo, os docentes votaram pela adesão à greve nacional de 48 horas em defesa da educação, nos dias 3 e 4 de outubro.

Qual é a situação hoje?

Em entrevista à imprensa da Apufsc no dia 6 de setembro, o secretário de Planejamento, Vladimir Fey, afirmou que a UFSC dependia do desbloqueio de R$ 36 milhões dos R$ 43,5 milhões bloqueados para o ano letivo pudesse ser concluído regularmente e sem dívidas. No dia 30 de setembro, o MEC anunciou o desbloqueio de apenas R$ 21,7 milhões – metade do valor bloqueado e R$ 14 milhões a menos que o valor estimado por Fey para terminar o ano letivo normalmente. Sobre o fato de o valor desbloqueado ter ficado abaixo da expectativa mínima, o secretário declarou à imprensa que era “insuficiente” e que serviria para garantir serviços básicos. O secretário enfatizou que espera o desbloqueio total dos recursos.

Se a situação da UFSC em 2019 – com 30% da verba de custeio bloqueada desde março e o desbloqueio parcial apenas no último dia de setembro – já é complica, para 2020 a previsão é ainda mais preocupante. Já no dia 9 de setembro, o secretário de Planejamento alertava a imprensa da Apufsc que a proposta de orçamento para 2020 corta 40% da verba da UFSC.

A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovada pelo Congresso Nacional no começo de outubro confirmou essa situação. Enquanto para 2019, o orçamento de custeio da UFSC era de R$ 145 milhões, para 2020 o total previsto no orçamento para custeio da UFSC é de R$ 85 milhões: a menor verba dos últimos dez anos.

Victor Lacombe