A questão dos 70% nas eleições para reitor

Ultimamente, a UFSC tem sido movimentada por discussões sobre diversos aspectos que envolvem reavaliações de alguns mecanismos de decisão de suma importância para a instituição. 

Uma dessas discussões diz respeito aos critérios que determinam a participação dos três segmentos da comunidade da UFSC (professores, servidores técnico-administrativos e estudantes) na definição dos nomes a serem encaminhados ao governo federal para possível nomeação como reitor e vice-reitor.  

A legislação que regula atualmente o processo eleitoral nas Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) é composta pela Lei nº 9.192 de 21/12/95, pelo Decreto nº 1.916 de 23/05/96 que a regulamenta, e pela LDB (Lei nº 9.394 de 20/12/96). Neste artigo, enfocamos particularmente a determinação do peso que deve ter a opinião dos professores na definição de seus dirigentes máximos.

A Lei nº 9.192 de 21/12/95 especifica no inciso I de seu artigo 16 que as listas tríplices com as indicações para reitor e vice-reitor devem ser organizadas pelo colegiado máximo da instituição ou por outro colegiado que o englobe, instituído especificamente para este fim, em votação uninominal. 

Em nosso caso, a lista tríplice tem sido elaborada pelo Conselho Universitário (Cun). Em várias Ifes, entre elas a UFSC, a definição da lista tríplice é precedida por uma consulta feita à comunidade universitária. 

Via de regra, o resultado dessa consulta é ratificado pelo CUn no momento da votação oficial e, também via de regra, oficializado pelo presidente da República. 

Assim, o processo de consulta à comunidade acadêmica transformou-se, de fato, em uma eleição para reitor e vice-reitor. 

A legislação em vigor reconhece este processo de consulta e regulamenta a sua realização. Para citar apenas uma das três peças legais mencionadas acima, o inciso III do artigo 16 da Lei nº 9.192 de 21/12/95 especifica:

“III – em caso de consulta prévia à comunidade universitária, nos termos estabelecidos pelo colegiado máximo da instituição, prevalecerão a votação uninominal e o peso de setenta por cento para a manifestação do pessoal docente em relação às demais categorias.”

Contrariando o especificado em lei, a apuração da consulta à comunidade universitária da UFSC foi feita, nas duas últimas eleições (período de vigência da legislação citada), através de um sistema paritário, em que os votos das três categorias recebem pesos iguais a um terço. 

Como os resultados da consulta feita à comunidade com critério paritário têm sido sistematicamente ratificados pelo CUn e pelo Presidente da República, trata-se, de fato, de um processo oficial em que o CUn utiliza-se de um subterfúgio para contornar a Lei. Este processo tende a se repetir para estas eleições como resultado da decisão do CUn de 11 de setembro.

Mas, além do plano legal, sobressai-se o importante aspecto da qualidade da consulta e é este aspecto que será o nosso foco de discussão. 

O voto paritário é uma herança da ditadura. Uma reação nossa a ela. Queríamos um reitor compromissado com todos os segmentos da universidade. Um “prefeito” que trabalhasse sobre nossas causas e reivindicações e não um dirigente preocupado com a nossa eficiência institucional.

Mas os tempos mudaram. Vivemos, hoje, em um regime democrático. Os professores também mudaram, assim como mudou a sociedade, que hoje nos cobra eficiência.

Quais as razões dessas leis e decreto de 1995 e 1996?

a) A nossa universidade não é uma “república”, mas uma instituição do Estado Brasileiro cujo produto é o conhecimento intelectual, com ramificações na pesquisa acadêmica e tecnológica, nas atividades de extensão e no processo de educação e formação de profissionais habilitados para contribuir com o processo de transformação social de nosso país.

b) Um processo de eleições para reitor e, em geral, para a escolha de nossos dirigentes, envolve um embate entre idéias (e não entre atores) e a responsabilidade da decisão desse embate deve ser dada aos nossos atores intelectuais: os professores.

Desse modo, lamentamos a decisão de nossos conselheiros na reunião do CUn de 11 de setembro. Não apenas por estarem contrariando a lei em si, mas por terem, na qualidade de nossos representantes ignorado as grandes razões atrás dessas leis e decreto.

Isso significa, mais uma vez, uma campanha populista de faixas e santinhos, de churrascos e salgadinhos onde a simpatia e o carisma pessoal de cada candidato prevalecerá sobre as idéias. Onde o compromisso acaba sendo uma condição necessária ao sucesso da empreitada. Vence quem cede mais, quem estabelece mais compromissos com os nossos segmentos, quem promete mais.

Há três anos atrás, quando assumimos a representação dos professores do CTC para um mandato de dois anos no Cun, deixamos explícito, já em nossa reunião de apresentação, que somos a favor de um processo que privilegie a opinião dos professores na escolha do reitor. 

Insistimos: não só pela lei em si, mas, sobretudo, por suas razões de conteúdo.

Queremos, como todos, a valorização de nossos funcionários técnico-administrativos, um plano de carreira para eles, uma secretária executiva em cada departamento, com uma boa formação, bem paga e com uma boa infra-estrutura física. Isso é importante para que o nosso chefe de Departamento possa se dedicar mais às atividades intelectuais e de liderança acadêmica. Queremos, também, como todos, bons técnicos de laboratório e bons gerentes de rede, com boa formação e bem pagos, assim como bons arquitetos e engenheiros, bons assistentes sociais e bons médicos no HU.

No entanto, sua participação em nossa comunidade não pressupõe qualquer responsabilidade quanto à definição dos objetivos e rumos da universidade como instituição que lida com o conhecimento intelectual e que é responsável pela formação de recursos humanos e de cidadãos. 

Queremos também, como todos, que os profissionais que formamos tenham plena consciência crítica do seu papel na sociedade. Contudo, a passagem dos estudantes pela instituição é muito rápida para justificar tamanha influência na definição dos rumos institucionais. Os estudantes vivem aqui um processo de aprendizado. Sua pouca maturidade média e sua natural ansiedade para mudar os destinos do País os tornam presas fáceis de processos políticos que venham a transformá-los em massa de manobra em momentos eleitorais.  

A discussão sobre um processo eleitoral que possibilite efetivamente o crescimento acadêmico da UFSC já está mais do que atrasada.  Mais uma vez parece-nos que temos agido por inércia e não como resultado de uma reflexão cuidadosa sobre os destinos da universidade pública brasileira.  

Como professores somos autores intelectuais dos destinos de nossa Universidade e não podemos nos furtar da responsabilidade deste processo.

Não podemos nos furtar como, mais uma vez, fez o CUn em sua reunião de 11 de setembro.