Porque o fator previdenciário deve acabar

Os arautos do caos previdenciário voltaram à carga. Tudo porque o Senado, depois de anos, derrubou o fator previdenciário. Pressionam para que a Câmara o rejeite. Para isso, usam premissas falsas, números inconsistentes e dados mentirosos. Fazem do apocalipse uma trama de terror fiscal. Ainda falam em déficit da previdência, que é apenas contábil, quando até o TCU já demonstrou que no âmbito da Seguridade Social as contas estão equilibradas.

O fator previdenciário é, por natureza, um aborto. Reduziu a previdência social pública brasileira, que um dia foi fonte, esperança e sonho de gerações, a um escombro com 17 milhões de seres humanos recebendo o salário mínimo.

Liberais e sociais democratas, com o aval de petistas, lideranças de trabalhadores e patrões, terceirizados, leigos e PhDs pré-pagos e com código de barras, deveriam ter vergonha na cara e no coração. Deveriam ser levados a um Tribunal Internacional de Direitos Humanos por afrontar a nação, por virar as costas a milhões de aposentados e pensionistas e por levá-los à vala comum da miséria, do empobrecimento  e da sobrevivência.

O fator previdenciário foi instituído por pressão do FMI no momento em que o país foi obrigado a fazer o ajuste fiscal e a gerar bilhões de reais para o superávit primário, que apenas rola (não reduz) a dívida interna, com juros que fazem a festa do capital especulativo e aumentam os lucros dos bancos e seguradoras que abarrotam os paraísos fiscais.

O objetivo era dificultar e retardar a concessão de aposentadorias e reduzir o valor dos benefícios. Substituiu-se a regra simples, amplamente conhecida, de que o brasileiro se aposentaria com a média de suas últimas 36 contribuições para o INSS por outra que é um enigma complexo, difícil de ser entendida por um vivente comum!

Neste sentido, cumpriu sua finalidade. Os resultados podem ser medidos:

– desde então ninguém se aposenta com dez mínimos (até fevereiro de 2007: R$ 3.500,00)d+

– o teto desabou para R$ 2.894,28 (fevereiro/ 2007)d+

– o valor médio dos benefícios concedidos situou-se abaixo dos dois mínimos (R$ 637,06 em 02/2007)d+

– o valor médio dos benefícios mantidos também tem ficado abaixo dos dois mínimos (R$ 539,49 – 02/2007)d+

– o empobrecimento dos 25,2 milhões de beneficiários se expressos pelos 67,93% dos que recebem um saláriod+

– a desesperança para os 33,2 milhões de segurados/contribuintes que estão no RGPS (Regime Geral da Previdência Social).

Afirmar, cantando vitória, que o fator previdenciário já economizou R$ 10,1 bilhões é um escárnio. É o efeito “Wood Robin”, tirando dos pobres para favorecer os ricos.

Pior do que isso, os R$ 600/800 bilhões de superávit primário, nos últimos dez anos, transferidos para o capital especulativo externo e interno, com o colosso de uma dívida interna superior a R$ 1,2 trilhão.

A Anasps (Associação Nacional dos Servidores da Previdência e da Seguridade Social), mantendo sua coerência, sempre se posicionou contra o fator, defendendo o retorno do velho modelo de cálculo de aposentadoria, transparente, mas sem descuidar dos aspectos atuariais da Previdência social pública. Para isso, mantém-se na defesa de regras universais como a contribuição mínima  de 35 anos, a fixação de idade mínima para o RGPS e uma administração competente da receita previdenciária.

Da mesma forma, a Anasps insiste na tese que o problema estrutural (atuarial) da previdência não está na curva demográfica ascendente, mas na curva decadente do financiamento. A ascendência da curva demográfica resulta da melhoria da qualidade de vida das pessoas. Isto é positivo. A decadência da curva do financiamento  resulta da deliberada desestruturação da receita administrativa, ativa e patrimonial, além da transferência de seu comando para entidades não previdenciárias. Também é conseqüência da sonegação induzida, da evasão consentida, da elisão favorecida, das brechas legais engendradas, da fiscalização omitida, da cobrança retardada, da recuperação de crédito adiada e dos prêmios concedidos aos caloteiros, públicos e privados, com parcelamentos e reparcelamentos e prazos de 20 anos para não pagar. Isto é muito negativo. 

Ninguém fala sobre o descasamento do financiamento, mas se pede mais desoneração. Uma farsa, uma maldade. No caso da previdência rural é um achincalhe.

Portanto, senhores, é preciso compreender que o foco da discussão do fator previdenciário precisa ser examinado sob outro paradigma. O atual de que a previdência tem que pagar benefício chinês de R$ 1,99 é imoral, aético, cretino.

Se quiserem uma previdência que gere insegurança, desespero, intranqüilidade, infelicidade e depressão coletiva às gerações atuais e futuras, mantenham o fator previdenciário numa ponta e a receita previdenciária no ponto terminal em que se encontra.

Sem dúvida alguma, as conseqüências, que já são funestas para 17 milhões, se agravarão para os outros 33,2 milhões.

Se quiserem corrigir as distorções reais que levaram a previdência social pública a se transformar no maior pesadelo e na maior incerteza das gerações atuais e futuras, acabem com o fator previdenciário, instituam a idade mínima no RGPS e restaurem a receita previdenciária no MPS/INSS, sem concessões e favorecimentos, com determinação de cobrar e punir os caloteiros.

É muito simples falar que o fim do fator previdenciário é demagogia, populismo, e que ameaça a sustentatibilidade do RGPS e outras bruxarias. O que está acabando com a previdência social pública é a desestruturação do financiamento, a entrega da Receita Previdência às raposas, aos caloteiros e aos incompetentes. Difícil é mexer  no superávit primário e nas suas tetas que alimentam um capitalismo sem cérebro e um liberalismo sem alma.