Nova Lei Rouanet terá maior presença do governo

Na próxima segunda-feira, 23 de março, o ministério da Cultura e a Casa Civil devem apresentar para consulta pública o Projeto de Lei que cria o Programa de Fomento e Incentivo à Cultura. Em outras palavras, trata-se de uma remodelação da Lei Rouanet, da criação da nova Lei de Financiamento de Atividades Culturais.

O projeto já está há mais de uma semana na Casa Civil e no ministério da Fazenda. Terra Magazine teve acesso à integra da proposta e publica logo abaixo o seu cerne e contornos.

Às 14 horas de hoje Terra Magazine mostra aos internautas o que já está pronto e decidido na nova lei. Ajustes finos ainda estão sendo feitos no caminho entre a Casa Civil, o MinC e a Fazenda e, portanto, o que ainda não está fechado não será exposto.

Objetivo central, segundo a ótica do ministério dirigido por Juca Ferreira: democratização dos processos de decisão e aplicação dos investimentos públicos em cultura e diversificação das fontes de investimentos.

O que isto quer dizer, o que há por trás desse fraseado?

O fraseado nasce, no entender do governo, de números incontestáveis. Nos 17 anos de vigência da Lei Rouanet R$ 8 bilhões foram repassados para atividades culturais Brasil afora. Nos últimos 5 anos, para que se tenha uma ideia, a metade, 50% do dinheiro aplicado em projetos culturais foi destinado, concentrado, em apenas 3% dos que captavam.

Repita-se: a metade do investido nos últimos 5 anos ficou nas mãos de 3% dos que pretendiam fazer filmes, encenar peças de teatro, montar shows, orquestras, concertos, escrever livros…

E “Brasil afora”, como dito aí acima, não é o termo exato. Para ser exato: em 2007, 80% dos recursos foram destinados a estados do Sudeste e do Sul. O Nordeste captou 6% e o Norte 3%. E mesmo no Sudeste são flagrantes as distorções.

O bravo Espírito Santo, por exemplo, obteve algo como 1% do destinado ao Sudested+ estar encravado entre a Bahia e o Rio de Janeiro, fortíssimos pólos de amplíssima produção cultural, não deve bastar para explicar tanta distorção.

O que pretende e anuncia o MinC é, principalmente, inverter os vetores de financiamento ao tempo em que inverte também a lógica desse financiamento.

Mais uma vez cabe a pergunta: O que há por trás do fraseado?

Há a lógica da Lei Rouanet ao longo desses 17 anos e há o que buscará o governo.

Oitenta por cento do total de investimentos realizados pelo governo federal entre 2003 e 2007 foram feitos através do mecanismo de renúncia fiscal. Ou seja: uma empresa, qualquer uma que o deseje, abate parte dos impostos que deve ao governo federal (teto de 4%) e aplica em cultura.

A ideia de um mecenato ficou no papel e no marketing das empresas privadas, a se levar em conta os números e argumentos do MinC. Um deles: de cada R$ 10 investidos pelo canal da renúncia fiscal apenas R$ 1 vem diretamente das empresas privadas.

O que anuncia querer o governo? Inverter o vetor. Assim, embutida em expressões tipo “republicanização”, e na nova legislação proposta, está a inversão do caminho.

O que tinha a proporção de 80% a 20% no jogo “Mercado e Poder Público” passará a ter o balanço de 25% a 75%, invertido, está claro, o vetor: aumentaria a capacidade de investimento direto do Estado e terá que crescer o investimento direto, e também o risco, do setor privado. Do chamado “mercado”.

A distribuição se dará, a ir adiante a nova lei, a partir de 4 fontes. Digamos que cada uma delas com a participação de 25% na confecção desse novo bolo.

O bolo total do investimento em cultura é hoje de uns R$ 2 bilhões. O orçamento do MinC é de R$ 800 milhões e a renúncia fiscal gera outros R$ 1 bilhão e 200 milhões. O MinC sonha com um bolo futuro de R$ 4 bilhões, no total.

A forma do novo bolo teria quatro fontes, responsáveis por 25% cada uma delas.

Os primeiros 25%, via administração direta, recursos do Tesouro.

A renúncia fiscal seria responsável pela segunda porção, outros 25%, e a contrapartida dos investidores privados aportaria uma terceira porção de 25%.

(Hoje a renúncia responde por 73% do total investido em cultura no Brasil e o orçamento do MinC a apenas 10%. Já a iniciativa privada mesmo só investe diretamente 5% na cultura, como contrapartida da renúncia fiscal. O Fundo Nacional da Cultura entra com os restantes 12%.)

A quarta e última porção de 25% viria do Fundo Nacional de Cultura. O novo fundo será composto por recursos do Tesouro e com a criação de uma loteria federal da cultura.

Essa é primeira grande mudança buscada pela lei, fortalecer o Fundo Nacional de Cultura. Isso, entende o governo, permitirá a democratização dos investimentos e dos processos de decisão. O novo Fundo terá um Conselhão, o Conafic, com representantes de 20 setores da sociedade com interesse direto nos financiamentos.

Além do Conselhão, o Conafic, os critérios de análise serão públicos e previamente divulgados para acompanhamento de quem o desejar. Na mesma linha de maior transparência, anuncia o governo, haverá um sistema de pareceres, com experts externos em cada setor sendo chamados para análise de projetos.

Se hoje 80% dos investimentos são dependentes e pautados pelo mercado, no entendimento do governo manter esse modelo seria deixar a cultura refém da crise. E do mercado também em crise.

A nova Lei é uma ação anti-crised+ esse será um dos discursos do governo na embalagem do projeto que, por isso mesmo, anunciará a pretensão de fortalecimento do papel do Estado. O fortalecimento do Fundo teria esse objetivo: criar mais oportunidades de investimentos, mais fontes de recursos.

Se hoje o investimento privado direto está pouco acima dos R$ 100 milhões, estima o governo que a cultura receberia pelo menos R$ 1 bilhão de investimento direto do mercado privado no novo cenário.

Já está na praça um dos ataques à nova lei: dirigismo cultural. O Estado estaria buscando cooptar os “fazedores” de cultura.

A resposta também já está elaborada pelo governo: além do Conselhão de representantes, existirão os critérios prévios e públicos.

Outro eixo da mudança seria a criação de novos mecanismos de financiamento. Hoje o Fundo só pode dar dinheiro a fundo perdido. Pela nova lei, o fundo perdido será mantido, mas seriam criadas as possibilidades de empréstimos, de parcerias com projetos e com associação a resultados econômicosd+ se der lucro, a parte que corresponde ao investimento público retorna ao Fundo – o mesmo modelo existente na pesquisa científica.

Entende o ministro Juca Ferreira, e tem repetido isso a artistas e produtores de cultura, que a nova lei evitará “a passagem do pires”, a dependência diante das empresas e produtores que atuam na área.

Segundo tal entendimento, quem deseja produzir poderá ir direto ao Estado, sem passar pelos agentes intermediários, sem tornar-se refém de quem tem conhecimento pormenorizado das leis e dos caminhos para os financiamentos.

Os agentes, por seu turno, antevêem a classe artística refém do Estado.

Entre as mudanças, outras duas: hoje o que é financiado pelo Estado não pode, por exemplo, ser transmitido numa TV pública, por conta dos direitos autorais. A nova Lei prevê a exibição pública das obras depois de três anos. Segunda mudança: o dinheiro da renúncia não poderá ser revertido para o benefício próprio da instituição que a utilizou.

Explique-se. A Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo capta pela Lei Rouanet para investir na orquestra. Entende o governo federal que o investimento deveria ser do próprio governo de São Paulo.

Por fim, mas não por último, dentro da lógica de democratização do acesso, a nova Lei prevê o Vale Cultura. O valor imaginado é de R$ 50 mensais, quantia esta composta em parte pelo trabalhador e em parte pelo empregador – como no Vale Refeição, cada empresa adere se quiser. O tíquete daria acesso a shows, cinemas, teatros, concertos, serviria para a compra de livros…