O ensino superior e a OMC

De 5 a 8 de julho, em Paris, será realizada a Conferência Mundial sobre Educação Superior da Unesco de 2009 (CMED-2009), cujo tema principal será A nova dinâmica da educação superior. Politicamente, será o mais importante evento sobre o tema desde a edição dessa conferência, em 1998. Novamente, se debaterá e se proporá um posicionamento político sobre assunto há muito discutido: considerar ou não a educação superior serviço passível de comercialização no âmbito global na Organização Mundial do Comércio (OMC), órgão que governa as relações comerciais entre as nações.

Em junho de 2008, na cidade de Cartagena de Índias, Colômbia, a Unesco/Iesalc promoveu um congresso regional de educação superior da América Latina e Caribe (Cres-2008), preparatório ao CMED-2009. Nesse evento, foi votado e aprovado por ampla maioria documento de posição da região que caracteriza a educação superior como “bem público”.

O Brasil teve participação política importante em Cartagena de Índias. Tendo em vista o estado de indefinições de posicionamentos políticos e a falta de articulação de vários países, representantes do governo brasileiro propuseram a realização de um seminário internacional no Brasil, em março de 2009. A ideia era criar condições para o necessário debate político e possibilitar a articulação entre nações da América Latina e Caribe para levarem posições em bloco para a CMED-2009. Tal seminário se daria no contexto de um Congresso Nacional sobre Educação Superior, que estava em planejamento para o mês de março. Esses eventos não ocorreram, e ainda não se conhece uma agenda proposta para eles.

Qual a importância de uma posição política nacional na CMED-2009? A posição dos governos e da sociedade organizada em fóruns mundiais fortalece as decisões políticas que são tomadas e levadas pelas nações no âmbito da OMC. Desde a década de 1990, países como Estados Unidos, Nova Zelândia e Austrália advogam a regulamentação da prestação de serviços de educação no âmbito da OMC. No fim daquela década e até o início da atual, o governo brasileiro teve posições convergentes com esse discurso, ainda que sem manifestar-se publicamente (por exemplo: não se conhece publicamente o discurso do então ministro da Educação, Paulo Renato, em reunião sobre educação superior promovida pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Banco Mundial, em maio de 2002).

Em 1998, no Congresso Mundial de Educação Superior da Unesco, mais de 180 países se posicionaram a favor da educação como “bem público” e contrários à regulamentação da educação como serviços na OMC. Na época, a Comunidade Europeia estava iniciando a organização do espaço de educação superior europeu mediante o Tratado de Bologna. A posição dos países europeus, então, foi de se alinharem com a maioria pela educação como “bem público”. O peso político da Europa foi importante nas negociações sobre o assunto na OMC nos anos que se seguiram. Ademais, deve-se considerar que a posição europeia foi considerada por analistas como circunstancial, na medida em que os países da comunidade ainda não tinham um espaço de educação superior unificado, organizado, permeável, flexível e com nível de credibilidade internacional.

Hoje, o espaço da educação superior da Europa tem alto grau de organização, com muitas das metas do Tratado de Bologna já atendidas e objetivos políticos observados na prática. Atualmente, a educação superior na Europa tem alta capacidade de competição internacional. Inclusive, nos dias atuais se verifica alto fluxo de estudantes estadunidenses para universidades europeias. Nesse novo contexto, o que se pode esperar do posicionamento político dos países ou do bloco europeu? Haverá na CMED-2009 um alinhamento europeu com o resto do mundo, como em 1998? E se não houver, a tese da educação como “bem público” e não como serviço se sustenta na OMC?

É preciso que a liderança que o Brasil exerce na América Latina e Caribe se manifeste, organize os debates e favoreça as expressões políticas em defesa da educação como bem público e social. É preciso que o governo brasileiro se movimente nessa direção e rompa a inércia que se deixou criar. Ainda há tempo. Educação superior não é serviço, nem mercadoria, nem objeto de barganhas comerciais.

Professor da Universidade Federal da Bahia, foi pró-reitor de ensino de graduação da UnB e membro da comissão ministerial que elaborou as diretrizes do Programa de Expansão e Reestruturação das Universidades Federais Brasileiras (Reuni)