Carta Aberta em Defesa à Mídia Pública

As emissoras de televisão que compõem o chamado campo público no Brasil são formadas a partir das experiências históricas das TVs educativas e dos “canais de acesso público” regulamentados pela Lei da TV a Cabo, compostos também por canais educativos (TVs universitárias), legislativos e comunitários. Como contraponto à TV privada, apesar de ter em comum o caráter público, são canais com características bem distintas, processos próprios de construção e consolidação.

As TVs educativas surgiram no Brasil no final da década de 1960, e representam o setor mais consolidado e mais familiar ao público devido ao acesso gratuito via sinal de TV aberta. O exemplo histórico mais expressivo na área da teleducação é certamente a TV Cultura de São Paulo, detentora de vários prêmios internacionais, não desconsiderando-se a importância histórica da TVE do Rio de Janeiro e da pioneira TV Educativa de Pernambuco.

Os “canais de acesso público” têm história mais recente, com pouco mais de uma década de atividade, mas sofrem com o impedimento financeiro dos telespectadores brasileiros, pois estão na sua maioria confinados na TV paga, e são ocupados pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, universidades, órgãos governamentais educacionais e culturais, comunidades e entidades sem fim lucrativo.

Criada em 1994, a Fundação Catarinense de Difusão Educativa e Cultural Jerônimo Coelho, mantenedora da TV Cultura Santa Catarina canal 2, associada às TVs UFSC e UDESC, inicia uma nova perspectiva no espaço da comunicação voltada à cidadania ao se inserir a partir de 2008 na realidade da Rede Pública de Televisão. A partir de março daquele ano a TV Cultura SC passa a exibir a programação da TV Cultura de São Paulo, da Fundação Padre Anchieta, e da TV Brasil, um canal da EBC (Empresa Brasileira de Comunicação).

Lembramos que a TV Brasil, que foi inaugurada em 2 de dezembro de 2007, ao mesmo tempo em que entrava no ar a TV Digital no país, é fruto de uma longa trajetória na luta em defesa de uma rede pública de televisão no Brasil, cujo esforço na sua aprovação pelo Congresso Nacional envolveu não somente parlamentares de diferentes tendências partidárias, mas contou com o apoio de uma ampla gama de entidades nacionais ligadas ao campo público de comunicação, a exemplo da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), contando com investimentos da ordem de  R$ 350 milhões anuais, que não podem ser desprezados.

Portanto, com essas parcerias, a TV Cultura de SC veio a engrossar o campo público de radiodifusão catarinense, com a valorização da informação de caráter público e o amplo acesso à diversidade em todas as suas formas de manifestação. Assim, após todo esse esforço de reestruturação a TV Cultura de SC assumiu um papel relevante no processo da Comunicação de Caráter Público em Santa Catarina, sem vinculação estatal de qualquer ordem.

Na grade de sua programação fica estampada a preocupação com a “TV de Serviço Público”, através de uma programação diversificada voltada à criança, ao jovem e ao adolescente, na exibição da produção independente e na valorização da cultura regional, bem como na veiculação de telejornais, documentários, debates e entretenimento de qualidade. Deste modo, como afirma documento da própria Fundação Jerônimo Coelho, “a emissora consolida seus princípios, fazendo de sua prática um ato verdadeiro de formação crítica e consciente do cidadão”.

Apesar desta transformação radical, a TV Cultura catarinense enfrenta dificuldades financeiras que possibilitem a consolidação definitiva do seu padrão público de comunicação, seja através de novos convênios com os seus atuais parceiros, seja via melhoria da qualidade do sinal aberto, gratuito, tanto para Florianópolis e região como para o restante do Estado, devido a constantes problemas técnicos em seus transmissores, tornando problemático a qualidade do sinal em Florianópolis e adjacências, privando boa parte do público do acesso a esse importante bem social, num espaço televisivo dominado pelo tradicional monopólio privado local e nacional

Com o veiculação da TV Brasil e da TV Cultura de São Paulo, também agraciadas com canais para a transmissão digital no Brasil, através da parceira com a Fundação Jerônimo Coelho, somado a programação complementar das duas TVs universitárias (UFSC e UDESC), acreditamos que houve um grande estímulo à difusão de uma programação de caráter público não somente diferenciado mas também fundamental para Santa Catarina, porque não dizer para o país, que merece respeito e apoio.

A partir da chegada da TV digital, que prevê a possibilidade da adoção do sistema de multiprogramação aprovado em lei, que poderá tirar do limbo, do sinal fechado, as emissoras públicas hoje confinadas a TV a cabo, além da vitória que representou para o campo público de radiodifusão a aprovação de um operador de rede exclusivo para a área pública de televisão no início de 2009, entendemos que no futuro próximo as dificuldades de sinal hoje motivo de angústia da Fundação Jerônimo Coelho, sejam definitivamente sanados.

Mas enquanto a TV digital não vem, uma vez que a lei aprovada em 2006 prevê um prazo de transição do sinal analógico para o digital, considerando-se ainda as dificuldades financeiras de parcelas significativas da população brasileira, já que o conversor de sinal digital ainda é inacessível a maioria do nosso povo, devemos lutar para que TV Cultura catarinense disponibilize uma programação e sinal de qualidade, possibilitando o acesso público aos canais públicos já veiculados pelo sinal do canal 2 de TV aberta em Florianópolis.

A restauração da democracia e o conseqüente crescimento de novas formas de vivências democráticas despertaram a necessidade de informação voltada para a construção da cidadania. A própria noção de cidadania sofre mudança e começa a ser entendida de forma menos passiva e mais participativa, apreendida como o livre exercício de direitos e deveres, situação para a qual só se está preparado quando existem condições de informação e comunicação.

Em suma, o termo comunicação pública passa a ser utilizado enquanto referência a uma prática realmente democrática e social da comunicação, sem compromissos com a indústria midiática e entrelaçada com o cotidiano das populações e suas práticas políticas (no sentido lato do termo). As mídias alternativas, comunitárias, de protesto e as tecnologias novíssimas permitem formas inusitadas de relacionamento com segmentos de públicos e com a opinião pública em geral e na essência desta idéia de comunicação pública está a certeza de que a comunicação é um bem público.

Neste sentido, nós representantes do campo público de comunicação reiteramos o nosso compromisso com a radiodifusão pública brasileira, e defendemos a consolidação e a veiculação dos canais de radiodifusão públicos através do sinal aberto e gratuito existentes no país, no Estado de Santa Catarina e também em Florianópolis ou que possam a vir a ser criados ou veiculados no futuro tanto no atual sistema analógico como no novo sistema digital.         

Florianópolis, 27 de abril de 2009.