Centrais de trabalhadores viraram negócios

Rogério Cassimiro
TUDO POR CONTA – Festa de 1º de Maio da Força Sindical, em São Paulo. 
Antes, as centrais tinham de fazer rateio com sindicatos para coisas 
assim. Agora, elas pagam do próprio bolso e buscam patrocinadores


Em um mercado competitivo, elas brigam para crescer e aumentar sua receita. Estão criando equipes dedicadas a captar novos clientes. Para vencer a concorrência, muitas vezes elas abusam de estratégias que beiram a ilegalidade. Em outra frente, trabalham para ficar bem com o governo e têm o apoio de uma bancada no Congresso. Essa descrição poderia ser aplicada a grandes empresas, mas serve perfeitamente para as centrais sindicais. Um ano após serem legalmente reconhecidas pelo governo, as centrais vivem uma era de ouro. Elas têm dinheiro, garantido pelo imposto sindical, e se atiram na livre concorrência sem fiscalização.

Desde o ano passado, as nove centrais sindicais passaram a receber uma fatia de 10% da arrecadação do imposto sindical. O tributo, equivalente a um dia de salário, é descontado automaticamente uma vez por ano dos brasileiros que têm carteira assinada. Neste ano, a arrecadação deverá chegar a R$ 75 milhões. As mudanças provocadas por essa garantia são visíveis. Nas manifestações de 1o de Maio, as críticas ao governo sumiram, trocadas por ataques ao Banco Central por conta dos juros altos. Mas há mais que isso. No último ano, as centrais sindicais compraram prédios para instalar suas sedes e contrataram funcionários. Para ganhar musculatura, algumas discutem até sobre fazer uma fusão – processo que gera protestos de sindicalistas quando ocorre entre empresas. Na Força Sindical, a meta é tomar da Central Única dos Trabalhadores (CUT) o posto de maior central do país até o final do ano.

A vontade de crescer não é só da Força Sindical, mas de todas as centrais. O incentivo vem de um detalhe. O reparte dos recursos do imposto sindical não é igualitário: cada central recebe um valor proporcional ao que é recolhido dos sindicatos filiados. Ter mais sindicatos filiados passou a valer dinheiro – e as centrais passaram a brigar intensamente por eles. “Os sindicatos já tinham virado um negócio”, afirma o cientista político Leôncio Martins Rodrigues, um estudioso do meio sindical. “Agora chegou a vez das centrais.”

 Reprodução 

Interessadas em aumentar sua fatia no bolo do imposto sindical, as centrais passaram a protagonizar cenas do “capitalismo selvagem”, embora muitas mantenham a retórica socialista. Em uma carta enviada no ano passado a cerca de dois mil sindicatos logo após a legalização das centrais, José Calixto Ramos, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria há mais de 30 anos, dizia que estava deflagrada uma “corrida em busca do ouro”. A carta alertava os sindicalistas sobre trapaças usadas por concorrentes para tomar sindicatos. Em conversas informais, dirigentes de centrais acusam uns aos outros de recorrer a ameaças e subornos para incorporar sindicatos a suas fileiras. “Os sindicatos passaram a ser um objeto do desejo das centrais”, afirma Ricardo Pattah, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT).

A disputa pelos sindicatos não segue regras. No início do ano, os 26 sindicatos filiados à Federação dos Trabalhadores da Indústria Metalúrgica, Mecânica e Material Elétrico de Minas Gerais eram disputados pela Força Sindical e pela UGT. Dezesseis sindicatos decidiram migrar para a UGT. Em outubro do ano passado, eles formalizaram a mudança no Ministério do Trabalho. Em março, no entanto, dirigentes da UGT descobriram que, pelos registros do ministério, os sindicatos teriam voltado para o ninho da Força Sindical. ÉPOCA recebeu cópias dos registros. Nos meandros burocráticos, a volta dos sindicatos para a Força Sindical foi gestada entre 27 de janeiro e 13 de março.

Os presidentes dos sindicatos negam, porém, ter feito a mudança, tanto que enviaram uma carta à UGT. “Esses documentos foram falsificados”, diz Eugênio Pacelli, assessor da presidência da Federação. Em nota, o Ministério do Trabalho afirma que os sindicatos são responsáveis pelo documento de filiação às centrais. “As entidades assumem a responsabilidade pelo que foi entregue. Caso a entidade entenda que o documento não corresponda à verdade, deverá encaminhar as informações para verificação”, diz a nota.

Os sindicatos, que viviam esquecidos, também passaram a ser visitados por emissários das centrais. Para isso, as centrais tomaram o caminho oposto das empresas na crise: enquanto os patrões demitem, os sindicalistas contratam. A Força Sindical montou uma equipe de dez profissionais encarregados de checar cadastros em busca de sindicatos. A UGT também contratou dez profissionais para isso.

Rogério Cassimiro

CASA NOVA – O prédio que será a nova sede da Força Sindical, em São
Paulo. Com o dinheiro garantido pelo governo, as centrais vão às compras

A contratação dessas equipes também é motivo de disputa entre as centrais. No ano passado, a UGT contratou Paulo Rogério Rodrigues, um veterano da Força Sindical. Foi um movimento agressivo no meio sindical. Conhecido como Paulo Vermelho, Rodrigues é um especialista em organizar eleições sindicais. Ele teria a sua disposição uma equipe para trazer novos sindicatos para a UGT. Mas a experiência s durou pouco mais de um mês. A Força Sindical pressionou – o irmão de Rodrigues é dirigente de um dos mais importantes sindicatos da Força – e Rodrigues voltou, com um salário maior. “É evidente que hoje há uma disputa maior pelos sindicatos”, afirma Rodrigues. “O meu trabalho é organizar as chapas e informar os trabalhadores, porque as eleições sindicais são cheias de pegadinhas.”

“Pegadinha” é um termo pueril. As eleições sindicais são repletas de chicanas jurídicas, intimidações e até de cenas de violência. É comum a convocação de equipes de seguranças para provocar brigas e tumultos. No último ano, as eleições sindicais se tornaram mais acirradas. Tradicionalmente, as eleições no Sinthoresp, sindicato dos trabalhadores em bares e hotéis de São Paulo, tinham um vencedor: o presidente, Francisco Calasans, é reeleito há 36 anos. Neste ano, Calasans mudou da Força Sindical para a Nova Central Sindical e teve de enfrentar a concorrência de uma chapa com apoio da CUT e da Força Sindical. A eleição parou na Justiça. No Sindicato dos Trabalhadores da Empresa de Correios e Telégrafos de São Paulo, seis chapas disputaram as eleições. A vencedora foi a chapa da Central dos Trabalhadores do Brasil, ligada ao PCdoB. Com 6 mil funcionários e uma arrecadação mensal de R$ 120 mil, o sindicato é cobiçado também pelo poder. A cidade de São Paulo e a região próxima representam uma grande parcela do movimento dos Correios. “Parar os Correios de São Paulo é parar o Brasil”, diz o advogado Guilherme Simão, diretor jurídico do sindicato. “Qualquer central quer esse poder.”

Como mostra o caso dos Correios, crescer não significa apenas mais recursos para a central, mas poder e influência. De acordo com o tamanho, as centrais têm assento em conselhos do governo que decidem investimentos de bilhões de reais. Elas têm assento em conselhos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e da Previdência. O assento no conselho do BNDES rendeu escândalos. No ano passado, a operação Santa Tereza da Polícia Federal prendeu dez pessoas acusadas de pedir propina para empresas interessadas em recursos do BNDES. O advogado Ricardo Tosto, representante da Força no conselho, e o sindicalista João Pedro Moura, consultor da Força, foram presos. Citado na investigação, o presidente da Força, deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), foi inocentado pelo Conselho de Ética da Câmara. Mas é investigado em inquérito conduzido pelo Supremo Tribunal Federal. Paulinho, Tosto e Moura afirmam ser inocentes.

As centrais sindicais nunca tiveram tanto poder. Elas surgiram no final da década de 1970, mas existiam na informalidade até o ano passado, quando o presidente Lula sancionou a lei que legalizou sua existência. Até então, elas eram sustentadas por sindicatos grandes. A CUT era a única a ter prédio próprio. Isso mudou. A Força Sindical, que ocupa um prédio do sindicato de metalúrgicos de São Paulo, recentemente comprou uma sede própria. De acordo com a Força, o imóvel custou R$ 2,8 milhões e está em reforma. Fundada em 2007, a UGT está instalada em dois andares de um prédio do Sindicato dos Comerciários de São Paulo. Por pouco tempo. Está prestes a fechar a compra de um prédio no centro de São Paulo por R$ 1,9 milhão. Até o ano passado, para fazer uma manifestação, as centrais promoviam rateios: um sindicato bancava as faixas, outro emprestava carros de som, outro encomendava camisetas. O custo das manifestações e festas, agora, sai do caixa da central. O tempo do esquema “aí, moçada, quem vai colaborar?” acabou.