Reforma política não é remédio para corrupção

Mas ela pode aumentar a pressão da sociedade sobre os políticos e dificultar os desvios de conduta

É sempre assim: surge uma crise no Congresso e se propõe como saída a reforma política. Na ciência política brasileira, há divergências sobre esse assunto. Minha posição é que as instituições brasileiras têm falhas, sendo possível melhorá-las com certas reformulações. Mas é preciso ter cuidado para não transformar essa agenda num biombo para outros problemas ou numa panaceia. Talvez seja melhor saber, em primeiro lugar, o que não deve ser a reforma política, antes de se engajar acriticamente a favor de projetos de ocasião.

A reforma política não resolverá todos os problemas éticos dos ocupantes de cargos públicos. No entanto, ela pode favorecer processos que levem a uma pressão mais efetiva da sociedade ou que dificultem desvios de conduta. Mas tais qualidades podem ser apresentadas como um biombo para outros problemas. Em outras palavras, a agenda reformista pode ser “um bode na sala”, que será tirado quando arrefecer a crise sobre os gastos do Congresso. Sei que há um trabalho sério, nos últimos anos, de líderes de partidos bem diferentes (do DEM ao PT) e do ministro Tarso Genro em prol de uma mudança nas regras gerais do sistema político. Mas muitos congressistas podem estar usando a estratégia do “diversionismo”, alterando o foco de atenção da opinião pública.

A melhor maneira de evitar esse cenário passa pelo comprometimento primordial dos líderes partidários com a crise atual, referente aos gastos públicos dos congressistas. Há algumas regras do funcionamento do Congresso Nacional que não fazem parte da “grande reforma”, mas que são, neste momento, prioridade reformista. Somente depois disso, em nome de uma reformulação institucional mais ampla, pode-se discutir a reforma política.

Quanto à dimensão do projeto reformista, é preciso evitar as visões extremas. Isto é, não se pode enveredar nem pela concepção maximalista nem pela minimalista. A postura maximalista é aquela para qual só pode haver reforma se forem mudadas todas as instituições que, em tese, atrapalhariam o sistema político. Tal visão é paralisante, não só porque é muito difícil aprovar uma agenda tão ampla em curto espaço de tempo, como também porque não há consenso sobre todas essas reformas.

A postura minimalista parte de uma suposição correta: opta por aprovar as mudanças ao longo do tempo, para iniciar alterações que, se bem-sucedidas, poderão favorecer outras reformas mais adiante. O problema está na ideia de que, como é preciso começar esse processo, o melhor é fazer alguma reforma do que nenhuma. Essa ideia é complementada pela visão de que se deve partir dos pontos em que já há consenso. Creio que, mesmo seguindo um paradigma minimalista, o caminho reformista mais correto é discutir bem os pontos selecionados e realçar seus prós e contras.

O financiamento público de campanha e a votação em lista são os dois pontos escolhidos para iniciar a trajetória da estratégia minimalista. O primeiro parte do suposto de que a causa de vários escândalos está na forma como os políticos são financiados. Embora seja a favor de algum tipo de financiamento público, como já ocorre no horário eleitoral gratuito, por tornar mais equânimes as condições da disputa, prefiro melhorar a transparência da prestação de contas e pressionar para que os partidos dialoguem mais – e publicamente – com os eleitores a fim de buscar recursos, como foi o caso da campanha de Barack Obama. Ademais, o patrimonialismo brasileiro seria mais atacado, qualificando e reduzindo as indicações para a alta burocracia pública, bem como pela melhora da gestão pública. A eleição em lista fechada também precisa de mais discussão. Fortalecer os partidos é inseri-los na sociedade para além do período eleitoral, algo que poucas vezes ocorre no Brasil. O modelo da lista flexível e a introdução de primárias partidárias são bem mais interessantes. Temo que a rejeição a essas duas últimas propostas revele um caráter oligárquico na atual discussão congressual. E não podemos nos esquecer de que, de oligarquias, já bastam as que temos.